As andanças como repórter no mundo do futebol proporcionam algumas cenas únicas, para a eternidade. São aquelas nas quais você sente estar diante de algo diferente, que não se repetirá. Em 1998, o Stade de France transbordava de franceses. A bomba de última hora ainda espalhava fumaça: Ronaldo fora, soube-se depois em decorrência de um até hoje misterioso ataque epilético no Château de Grand Romaine, palácio que serviu de concentração para as estrelas de Zagallo.
O resultado foi mais ou menos o que se seguiu ao desterro de perder Neymar antes da Alemanha. Só não teve 7 a 1, mas vamos combinar: 3 a 0 em final de Copa é tragédia do mesmo jeito.
Voltemos às cenas que contaremos aos nossos netos. Hora do hino. O da França, como se sabe, é revolucionário. Começa suave e vai crescendo até a Bastilha ser tomada. Foi a sensação de nós, estrangeiros, no estádio. Os jovens giravam a camiseta acima da cabeça.
Se dependuravam onde era possível naquele arena estalando de nova, tal qual os revoltosos trepados nos postes até hoje inigualáveis de Paris - sim, até os postes são obras de arte em Paris. Há 226 anos, completados na última terça-feira, 14 de julho, celebravam o fim da monarquia absolutista. Há 17 anos, queriam se libertar do constrangimento de nunca ter erguido uma taça inigualável.
As veias de homens e mulheres, de velhos e crianças, saltavam nos pescoços protegidos por lenços de seda. Não cantavam. Gritavam a Marselhesa. A vitória, além de colocar o país no altar dos campeões do mundo, era também o triunfo da democracia racial, já que havia muitos negros e filhos de imigrantes na seleção. Zidane é de origem argelina. O ultranacionalismo (xenófobo, claro) de Jean Marie Le Pen sustentava que aquele time não representava a França.
A direita radical assustadoramente crescia no espectro político. Uma França campeã, embalada pelo povo, era também a reafirmação dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Sentado atrás de mim estava o experiente Juca Kfouri (as posições de imprensa eram fixas naquela Copa) de tantos hinos e coberturas da Seleção. Virei-me ao final da Marselhesa e o vi lívido, mudo. Ele apenas suspirou:
- Não vai dar.
Não deu. Mas os momentos únicos, nos quais uma força maior se ergue acima de tudo, estes não acontecem só em eventos luxuosos como final de Copa. Lembro sempre de outro, só que nos bretes embarrados do Gauchão, mas igualmente memorável. Foi no Bento Freitas. Não recordo o ano ao certo. O Xavante era patrocinado pelo Guaraná Nevada, e a torcida criou uma adulação sob forma de grito de guerra para fidelizar o investidor:
- Uh, Guaraná!
Em que lugar do planeta o nome do clube é substituído pelo do patrocinador, em nome da paixão? A marca entrava de contrabando nas transmissões. Os repórteres tinham de registrar, de tão inusitado, aumentando a exposição. Eram obrigados a citar o refrigerante. Tática de guerrilha.
Episódio único. Assim como é único o que faz o mesmo Brasil-Pel este ano. Enquanto os grandes pedalam treinadores a cada punhado de resultdos ruins,
Rogério Zimmermann está há 3 anos e dois meses no cargo. Ganhou de Carlo Ancelotti, demitido do Real Madrid após duas temporadas.
Se Alex Fergusson recebeu honrarias da coroa no Manchester United pela longevidade, então é Sir Zimmermann, do Xavanchester, de Pelotas. A base do grupo segue a mesma, outra raridade tupiniquim, especialmente no Interior.
O Brasil subiu da Série D para a C e, agora, marcha rumo à B, mesmo com o Bento Freitas interditado durante várias rodadas. Tem mais essa: é uma façanha mambembe. A Segundona, geradora de receitas, nó górdio do futebol longe das capitais, seria o milagre do renascimento xavante no cenário nacional. As cenas eternas do futebol acontecem do mesmo jeito nas arenas modernas e nos rústicos estádios do Interior.
É como na vida. Estão ao nosso redor.
É só estar disposto a enxergá-las, sem preconceitos.
*ZHESPORTES