Dá um pouco de vergonha dizer isso após uma semana arrasadora dessas, mas são os dissabores da profissão. Tudo em nome dos caros leitores. Então, vamos lá de uma vez, sem mais delongas. Eu estive na festa de um Congresso da Fifa. Pronto, falei.
Foi antes de começar a Copa de 2014, em São Paulo. Era um dever de ofício. A bola começaria a rolar em seguida entre Brasil e Croácia, no Itaquerão, e eu lá estava para cobrir o Mundial. Quem manda e desmanda no futebol, com poderes totais que governo algum tem, nem a mais profunda das ditaduras, é a Fifa. Logo, não poderia acontecer um congresso mundial da Fifa no Brasil sem que eu lá estivesse.
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Credenciei-me como jornalista, mandei meus dados para o setor de imprensa, meu nome foi apreciado e, enfim, retirei meu crachá em São Paulo. Aqui, um parêntese. Uefa pede adiamento do congresso da Fifa e das eleições presidenciais. Quando é ano de Copa, o evento acontece no país-sede. Do contrário, é sempre em um paraíso turístico. O de 2009, por exemplo, foi nas Ilhas Bahamas. Boa parte destes senhores que foram presos esta semana pelo FBI na Suíça, atolados em acusações de propinas até o pescoço, lá estavam.
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As Bahamas são banhadas por águas azuis turquesa e praias de areia branca perolada. A temperatura média é 32°C. Há riqueza, muita riqueza lá. O PIB é canadense. A seleção de Bahamas ocupa o 198º lugar no ranking da Fifa. O time da sua firma, desfalcado do goleiro e do centroavante, faz 7 a 1 em Bahamas. Mas o congresso de 2009 foi lá. Nunca é em Guarulhos, Temuco ou Antogafasta. Eles confessaram: empresário brasileiro e outros três admitiram culpa em escândalo no futebol. Fecha parêntese.
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Chegamos ao Expo Center Transamétrica, no bairro Santa Amaro, zona sul paulistana, o Sergio Boaz, da Rádio Gaúcha, e eu. Houve três varreduras antes de abrir o credenciamento, tal a paranoia de protestos e atentados. Esquadrões antibomba esquadrinharam as dependências do local. O trânsito nas cercanias foi desviado. Duvido que reis, rainhas ou chefes de Estado desfrutassem de tantos cuidados. E luxo. Tiro uma medida pelo coffee-break oferecido aos jornalistas.
Nunca vi nada igual. Havia tâmaras. A última vez que eu tinha visto uma tâmara foi no reservado dos sheiks em um estádio de Dubai. O suco de laranja não era servido em caixinha, mas em bules de prata enormes, parecidos com a lâmpada de Aladim. O café e o leite também. Plaquinhas com aquelas letras cursivas de conto de fadas esmiuçavam a composição de cada doce. Sabe quando a perna do A maiúsculo dá umas três voltas sobre si mesma? Essas.
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Tudo era reposto imediatamente. Se alguém comia um dos cinco pedaços da bandeja de torta de chocolate com camadas de doce de leite decorada com morangos silvestres e merengues, os quatro restantes não podiam ficar ali com aquele buraco feio ao lado. Lembro da notícia que corria pelos corredores. A Fifa teve de substituir às pressas um membro do comitê jurídico, preso em seu país, a Nova Caledônia. A verdade é que seus figurões foram enriquecendo até perderem por completo a decência.
O que vi naquele congresso, ainda assim impedido de entrar em alguns salões da Expo Center por razões óbvias, só xeretando a entrada dos 209 dirigentes que chegavam com seus carrões, de fraques e mulheres com vestidos cravejados de jóias a tiracolo, foi um ambiente apodrecido. Uma mistura de caudilhismos sul-americanos, feudos europeus, clãs africanos e monarquias asiáticas, todos se refestelando em um clima de ostentação. A Fifa, há muito tempo, é uma organização bilionária, mas podre e falida moralmente. Com ou sem prisões.
Joseph Blatter foi reeleito na sexta-feira. Está na Fifa desde 1975, quando era o braço direito de João Havelange. Ele ganhou porque se trata de um jogo de cartas marcadas. Só há duas maneiras de Blatter deixar o trono: preso, caso se comprove algo formal contra ele, ou forçado a renunciar pelos patrocinadores. Acredito mais na segunda opção. O futebol é um negócio.
Se isso acontecer, ainda teremos de torcer para que o próximo não apenas ocupe o seu lugar, mas altere as regras e não se corrompa diante dos milhões voando debaixo do nariz, impedindo votações compradas como a de sexta-feira. Não acredito muito nisso, mas aqui aos menos podemos festejar a prisão de Jose Maria Marin. Vem CPI para combater a CBF por aí. Precisamos oxigenar o nosso futebol, nem que seja só um pouco.
Se não for agora, nunca mais.