Um cruzamento com baixa probabilidade de final feliz une as trajetórias quase antagônicas de Renato Portaluppi e Abel Ferreira. Uma nova intercessão dessas histórias será vivenciada neste sábado (27), quando Palmeiras e Flamengo decidem a final da Libertadores em jogo único, às 17h. Só um dos clubes deixará o Montevidéu como tricampeão. Apenas um dos treinadores sairá do Estádio Centenário como o quinto homem bicampeão da América à frente de um clube brasileiro.
O cruzamento improvável da vida de Renato saiu dos seus próprios pés. O relógio marcava 32 minutos do segundo tempo. Acossado por dois jogadores do Peñarol na linha de fundo, o então ponta-direita do Grêmio fez um balãozinho com a bola e a despachou para a área. Na segunda trave, César tocou para dar ao clube a primeira Libertadores de sua história.
Era 1983. Renato era um ponta endiabrado em início de carreira. Depois de singrar pelo mundo da bola, voltou a libertar a torcida gremista 34 anos depois. Como técnico, conquistou o título em 2017 e se tornou o primeiro brasileiro a vencer o torneio como jogador e como treinador.
Embora vivesse de cruzamentos, não foi um dos que saíram de suas chuteiras que marcou a vida de Abel Ferreira, um ex-lateral-direito vigoroso do futebol português — teria alguma dificuldade para parar Renato. Aos 41 anos, vive há pouco mais de 12 meses as agruras de ser técnico no Brasil. Com 104 partidas disputadas desde 5 de novembro, conhece mais as rotas aéreas do que os cruzamentos de São Paulo. As broncas com o calendário são outro ponto que une os dois finalistas.
O pouco tempo de futebol brasileiro não o impediu de causar um impacto por aqui, sentido por Renato em janeiro, quando se cruzaram na final da Copa do Brasil, vencida pelo Palmeiras. Às turras com os críticos, Abel tem mostrado repertório tático, sempre pronto para apresentar uma novidade nos jogos importantes.
— Algo diferente ele sempre fazia. A gente só sabia da escalação duas horas antes da partida. Ele fazia isso para todos estarem atentos ao jogo. É o diferencial dele, pelo fato de poder surpreender o adversário e mudar o time. Depois, ele explicava as decisões. O Abel nunca esquece de quem não está jogando — conta Léo Jabá, atacante do Vasco e que trabalho com Abel no PAOK, da Grécia.
A dinâmica de lembrar de quem parece esquecido foi o seu trunfo para ser campeão da América logo em sua estreia no torneio. Rony, da intermediária, levantou uma bola que viajou longamente até encontrar a cabeça de Breno Lopes. Gol. 1 a 0 sobre o Santos. A América era verde outra vez.
Neste sábado, os dois não precisam nada mais do um cruzamento improvável para serem felizes.
Estilo diferentes
As semelhanças entre os times de Flamengo e Palmeiras param nos elencos qualificados e nos técnicos inquietos à beira do gramado e criticados pela imprensa. De resto, são equipes que praticam um futebol distinto.
Quando chegou ao clube paulista, Abel aplicou um futebol de muita pressão na bola. Eram, dois, três, até quatro jogadores marcando quem estava de posse dela. Logo percebeu que faltariam as pernas caso mantivesse o ritmo jogando sob o caótico sistema quarta-domingo. Passou a ter uma postura mais cautelosa, jogando em alta velocidade.
Porém, mesmo que varie pouco o estilo de jogo, as estratégias armadas pelo português são diferentes. Partidas como as semifinais contra o River Plate, na edição passada, e contra o Atlético-MG, na atual Libertadores, são exemplos da versatilidade.
— Imagino que Abel Ferreira vai aprontar alguma estratégia nova para esse jogo. O Palmeiras é um time cascudo, acostumado com decisões, e deve apostar sim nesse jogo de contra-ataque e marcação — analisa Leonardo Miranda, analista tático do ge.globo.
Renato pousou no Ninho do Urubu em 10 de julho com a missão de fazer com que o time mais caro do Brasil voltasse a encantar como nos tempos de Jorge Jesus, com quem trocava farpas na época de Grêmio. Depois de um início de trabalho invejável, o rendimento caiu, as críticas surgiram e Renato, como há muito não acontecia, voltou a ser xingado pelo torcedor.
— O Flamengo vem deixando espaços na defesa e é um time que chega muito bem, nem sempre tem aquele volume de jogo, mas sempre que chega, consegue fazer um ou dois gols. Vejo o Flamengo à frente pelo nível absurdo do elenco, mas o Palmeiras pode surpreender e tem elenco para fazer um confronto equilibrado — complementa Miranda.
Fora do xadrez tático, os dois vivem a incerteza do futuro. Por motivos diferentes, podem não ficar nos clubes para 2022. O português ainda não definiu se segue no Palmeiras. Criticado, Renato vive instabilidade após as últimas atuações. Pela final da Libertadores também passa o futuro dos dois.
Técnicos bicampeões com clubes brasileiros
Lula (Santos - 1962 e 1963)
Telê Santana (São Paulo - 1992 e 1993)
Luiz Felipe Scolari (Grêmio - 1995 - e Palmeiras - 1999)
Paulo Autuori (Cruzeiro - 1997 - São Paulo - 2005)
Campanha do Palmeiras
Grupo A
Universitario (3x2 e 6x0)
Independiente del Valle (5x0 e 1x0)
Defensa y Justicia (2x1 e 3x4)
Oitavas de final
Universidad Católica (1x0 e 1x0)
Quartas de final
São Paulo (1x1 e 3x0)
Semifinal
Atlético-MG (0x0 e 1x1)
Campanha: 12J, 8V, 3E, 1D
Campanha do Flamengo
Grupo G
Vélez Sarsfield (3x2 e 0x0)
Unión La Calera (4x1 e 2x2)
LDU (3x2 e 2x2)
Oitavas de final
Defensa y Justicia (1x0 e 4x1)
Quartas de final
Olimpia (4x1 e 5x1)
Semifinal
Barcelona-EQU (2x0 e 2x0)
Campanha: 12J, 9V, 3