Funcionários públicos e aposentados com salários atrasados. Professores e médicos em greve, com paralisações também de ônibus, trens e aviões. Taxas de desemprego subindo a cada mês e o Produto Interno Bruto (PIB) caindo. Não estamos falando de nenhum Estado brasileiro, mas do cenário vivido pelos argentinos em 2019, em mais um dos tantos capítulos da interminável crise econômica do país. Ao mesmo tempo, pelo terceiro ano consecutivo, o país terá um finalista na Libertadores. E, mais ainda, River Plate e Boca Juniors, que disputaram o título no ano passado, agora duelam por uma vaga na decisão. Pelo visto, a penúria não bateu na porta dos grandes rivais de Buenos Aires.
De acordo com o site alemão Transfermarkt, que realiza uma cotação de mercado dos atletas, os dois clubes argentinos possuem os planteis mais bem avaliados da América do Sul. River (154 milhões de euros) e Boca (120) aparecem, inclusive, na frente dos milionários brasileiros Palmeiras (118) e Flamengo (114).
— Desde 2011, no começo do segundo governo da Cristina Kirchner, a moeda foi se desvalorizando, e se intensificou com Macri. Então, vender jogador pela cotação internacional faz com que você consiga contratar melhor no mercado interno, pois o dólar tem uma proporção maior do que o peso argentino — analisa Ariel Palacios, correspondente da Globo News na Argentina e comentarista do SporTV.
De fato, os grandes da capital se abastecem em equipes menores do campeonato nacional. No início deste ano, por exemplo, o River foi buscar no Belgrano o atacante Matías Suárez. Meses depois, o Boca acertou com o venezuelano Jan Hurtado, de apenas 19 anos, que estava no Gimnasia La Plata. Entretanto, eles não deixam de se reforçar no mercado internacional – principalmente o clube da Bombonera, que renovou quase todo seu plantel para esta temporada, com Salvio (do Benfica), De Rossi (Roma), entre outros.
Ainda assim, chama atenção que, no último balanço financeiro apresentado pelos clubes, enquanto o Boca teve superavit de 383 milhões de pesos (R$ 56 milhões), o atual campeão da Libertadores apresentou um deficit de 521 milhões de pesos (mais de R$ 77 milhões) - porém, o cálculo aprovado no mês de fevereiro não continha o valor da venda de Pity Martínez, negociado ao Atlanta United, dos Estados Unidos, por 10 milhões de dólares (cerca de R$ 40 milhões) livres de impostos.
Em cima destes números, Daniel Rosamilia, contador público da Universidade de Buenos Aires e especialista em marketing esportivo, avaliou a diferença entre os clubes. Concluiu que a maior parte da receita de ambos vinha da arrecadação junto a sócios (34% para o Boca, 26% para o River). Além disso, os gastos com salários de jogadores, comissão técnica e premiações por títulos foi bem maior no Monumental de Núñez: cerca de R$ 90 milhões a mais no ano.
— O River tem um problema financeiro, não econômico. Isso significa que em curto prazo as dívidas vão apertar. As compras de Lucas Pratto, Armani, Borré e parte de Juan Quintero deixaram uma exposição em dólares importante que prejudicou o clube por conta da inflação do peso argentino — explica Rosamilia.
Mas esta conta deve ser modificada para a próxima temporada. Uma das explicações está nos patrocinadores. Depois de erguer a taça sem nenhuma marca estampada na parte da frente de sua camisa, o River Plate assinou em agosto um contrato de três anos com a Turkish Airlines, na casa dos US$ 15 milhões – o que renderá cerca de R$ 20 milhões por temporada. O acerto foi uma resposta à Qatar Airwaves, que desembolsou US$ 14,25 milhões pelo patrocínio máster do Boca Juniors na metade do ano passado.
— Os dois clubes juntos têm três quartos dos torcedores argentinos. Assim, você consegue qualquer patrocinador. Eles se favorecem por serem times de renome internacional, que tiveram títulos nos últimos anos. Então, evidentemente, vão conseguir uma verba publicitária maior do que qualquer outro clube daqui. É mais fácil se arrecadar dinheiro em publicidade e bilheteria quando se tem o oligopólio da torcida local. No Brasil não existe isso — comenta Ariel Palacios.
Independente dos resultados na Libertadores, ou das eleições presidenciais na Argentina no final de outubro, os rivais de Buenos Aires seguirão fortes por mais tempo. Grêmio e Flamengo, que sonham em estar na final contra um deles, em Santiago, que se cuidem.
— Eu amo o Brasil, sua gente e suas torcidas, mas creio que o vencedor de River e Boca vai ficar com a Libertadores — conclui Rosamilia.