Marinho Peres teve uma carreira singular no futebol. Muitos jogaram em grandes clubes, conquistaram títulos importantes. Alguns jogaram Copa do Mundo pela Seleção Brasileira. Mas poucos fizeram tudo isso e ainda tiveram a chance de atuar ao lado de ícones como Pelé e Johan Cruyff. Mario Peres Ulibarri fez tudo isso. Morto na segunda-feira (18), aos 76 anos, o ex-zagueiro fez história no futebol atuando ao lado de grandes nomes e fazendo parte de equipes marcantes.
O sobrenome de origem espanhola é parte vital da história de Marinho e do bicampeonato brasileiro do Inter em 1976. Em uma época em que apenas três estrangeiros eram permitidos nos clubes europeus, a dupla nacionalidade permitiu que ele desembarcasse no Barcelona em 1974 sem ocupar uma das vagas.
Quando chegou ao Barça, o zagueiro tinha no currículo um título paulista conquistado no Santos ao lado de Pelé e Carlos Alberto Torres. Também tinha defendido o Brasil na Copa do Mundo de 1974. Nela, foi vítima do "futebol total" aplicado pelos holandeses. Na Catalunha, se uniu ao "inimigo".
O Barcelona tinha os "cérebros" da Laranja Mecânica. O técnico era Rinus Michels, e o elenco contava com Cruyff e Neeskens. A passagem durou pouco tempo. Logo a contratação do brasileiro virou chacota dos rivais.
Nada relacionado ao desempenho em campo. Apesar dos 27 anos, Marinho era obrigado a servir ao exército espanhol. A piada estava pronta. O Barcelona tinha contratado um jogador para servir ao exército. A alternativa foi fugir de um dos maiores clubes do mundo. O retorno ao Brasil foi cinematográfico.
O zagueiro entrou em um ônibus lotado para cruzar a fronteira com a França. Alguém o esperava em Nice, no sul francês, para levá-lo a Paris, de onde pegou um voo para o Brasil.
— São coisas da vida, que passam e nos deixam emocionado. Hoje você vê que o clube é o mais desejado do mundo, e eu tive o prazer de jogar lá. Não desfrutei na época tudo isso — declarou Marinho, em entrevista ao ge.com em 2017.
O tempo no Barcelona foi curto, mas não foi em vão. Foi o suficiente para aprender alguns macetes do futebol total. O principal deles foi a linha de impedimento. O artifício para deixar o ataque adversário em posição ilegal constituiu parte da estratégia do Inter no bi brasileiro em 1976.
Curió, o impedimento e outros causos
Aquele time era feito de gigantes. Figueroa, Marinho, Valdomiro e Carpegiani tinham jogado a Copa de 1974,outros jogariam os Mundiais seguintes, mas foi um passarinho de cerca de 14cm que colaborou para botar aquela equipe nas páginas da história do futebol. "Curió" era o código utilizado pelos jogadores para ativar a linha de impedimento, deixando uma revoada de adversários em posição ilegal.
— Conversamos com o Minelli, eu Marinho e o Carpegiani e implantamos a saída do impedimento. Naquela época, já marcávamos no que hoje se chama de linha alta. A inspiração era a seleção holandesa — conta Valdomiro, ponta-direita daquela equipe.
A campanha beirou a perfeição. Foram apenas 13 gols sofridos em 23 partidas. Apesar dos treinos exaustivos para automatizar os movimentos, uma hora o erro apareceu. No jogo contra a Desportiva Ferroviária, o Inter goleava por 4 a 0, mesmo fora de casa. O grito "curió" ecoou no campo de defesa. O lateral-esquerdo Vacaria se atrasou e deu condições para o adversário descontar.
— O Manga ficou louco. Nem em jogos assim ele gostava de tomar gol — recorda o ex-camisa 7.
Nos dias em que o Inter jogava no interior, quando os jogadores voltavam para pegar seus carros no Beira-Rio era certo que iam ter de fazer um pouco de força. Invariavelmente, o veículo de Marinho estava sem bateria, além de estar sujo por dentro e por fora.
— A gente apelidou ele de lixo por causa disso. Era uma grande figura. Um grande amigo — destaca Valdomiro.
Durante a campanha na Libertadores de 1976, o Inter foi à Venezuela. O voo colorado carregava um corpo que seria sepultado no país vizinho. Após o desembarque, os demais jogadores perderam o companheiro de vista. Quando o localizaram, estava aprontando das suas. Marinho estava de quepe sentado no banco do motorista do carro fúnebre.
Do time que venceu o Corinthians por 2 a 0, com gols de Dario e Valdomiro, na final do Brasileirão de 76, Marinho Peres, Caçapava, Vacaria e Lula já morreram.