— Você tem certeza de que quer o troco em bolívares? Mesmo?
A atendente do supermercado não acreditou quando pedi que o troco de apenas 4 dólares me fosse dado na moeda local. Incrédula, ela pediu que alguém fosse buscar bolívares. Alguns minutos depois, um outro funcionário surgiu de alguma sala secreta e me entregou em mãos exatos 106 bolívares. Pela expressão dele e da atendente, percebi que eles não compreenderam a minha ânsia por bolívares. Afinal, amanhã mesmo aquelas notas já terão sido corroídas pela inflação.
— O bolívar vale muito pouco. Por isso, as pessoas normalmente usam o bolívar apenas para pagar coisas pequenas, como a tarifa do ônibus. As maiores transações normalmente são em dólar — me explicou Agustina, recepcionista do hotel onde estamos hospedados em Caracas.
Eu queria os bolívares, pois não gostaria de visitar a Venezuela sem ter contato algum com a moeda oficial. Porém, desde que o governo de Nicolas Maduro autorizou o uso da moeda norte-americana, em 2019, o dólar tomou conta do comércio venezuelano, dando inclusive um pouco de fôlego à combalida economia do país caribenho.
— Por conta das sanções impostas pelos Estados Unidos e, depois, pela pandemia, a nossa economia foi muito atingida. Como a inflação era muito alta, as pessoas não tinham dinheiro para comprar nada. Então, a entrada dos dólares melhorou muito a vida da população. Sou da música, um dos mercados mais atingidos pela crise e, com o dólar, a venda de ingressos para os meus shows aumentou muito — celebra o músico venezuelano Manuel Barrios, 56 anos.
Segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação da Venezuela deve atingir 400% em 2023, um índice ainda altíssimo, mas bem inferior aos mais de 350.000% anuais de 2018, quando o país passou por uma grave crise de desabastecimento.
— Eu aceito tanto bolívares quanto dólares nas minhas corridas. Como a inflação faz o bolívar perder valor muito rápido, eu uso bolívares só para comprar coisas de que preciso imediatamente, como comida e itens de higiene. Mas quando preciso guardar dinheiro para comprar algo no futuro, aí guardo dólares — explica o taxista Edwiin Cabrera, 37 anos, que nos conduziu pelas ruas de Caracas nesta quarta (24).
Aliás, impressiona a discrepância nos valores do transporte em Caracas. Para nos levar do centro ao nosso hotel, mesmo em um carro antigo e com cinto de segurança estragado, Edwin nos cobrou US$ 10 (R$ 49), sendo que outros taxistas pediam algo entre US$ 12 (60) e US$ 15 (R$ 74) pelo mesmo percurso Contudo, há opções mais econômicas. De mototáxi, o mesmo trajeto sairia por US$ 3 (R$ 15). Já de ônibus, a tarifa custa apenas 5 bolívares, o equivalente a US$ 0,20 ou R$ 1.
O transporte coletivo venezuelano é bastante peculiar. Pelas ruas de Caracas, centenas de coletivos — geralmente em péssimo estado de conservação — circulam sempre com um cobrador de pé junto a porta. Mesmo com o veículo em movimento, eles anunciam aos gritos o destino, praticamente implorando para que os pedestres embarquem no veículo.
Chama atenção ainda o imenso contraste social da capital venezuelana, visível nos horizontes. Caracas é uma cidade cercada por morros, todos eles rodeados por favelas, que lembram muito as comunidades do Rio de Janeiro. Ali, imperam a pobreza e a miséria. Nos bairros mais populares, o bolívar é mais utilizado e é possível encontrar refeições por valores bem mais em conta, entre 45 bolívares (R$ 8,50) a 90 bolívares (R$ 17).
Já em bairros turísticos ou de alto poder aquisitivo, como é o caso de Chacao, onde o Inter e a equipe do Grupo RBS estão hospedados, destacam-se o luxo dos edifícios, a quantidade bancos e, principalmente, os altos preços das lojas e restaurantes, que assustam os viajantes — incluindo este repórter. Um simples hambúrguer, por exemplo, é vendido por US$ 10 (R$ 49,50), ou 260 bolívares, algo impraticável para a maior parte da população venezuelana.
Bolívar, contudo, não é apenas o nome da moeda local. No centro de Caracas, tudo remete à imagem de Simón Bolívar, herói da independência venezuelana. Há a Praça Bolívar, a estátua de Bolívar, a casa onde Bolívar morou na juventude e, pintadas nos muros, diversas frases eternizadas pelo histórico líder político venezuelano, conhecido como um dos Libertadores da América do domínio espanhol, feito aliás que inspirou o nome da competição pela qual o Inter entrará em campo nesta quinta (25), em Caracas, diante do Metropolitanos-VEN.