A partir das 16h30min deste sábado, será reeditado um jogo que marcou a história do futebol gaúcho. E não há exagero nessa frase: foi depois de um Aimoré x Inter que surgiu uma das músicas mais cantadas do Rio Grande do Sul. Uma derrota para o time de São Leopoldo motivou Nelson Silva a escrever o poema "Celeiro de Ases", que mais tarde viria a ser o hino colorado.
É uma história curiosa, essa da canção oficial do clube. A começar que surgiu de uma derrota. E de uma campanha decepcionante. Mas antes, é preciso falar um pouco mais de Nelson Silva.
O autor da música que embala a arquibancada não é gaúcho nem colorado de nascimento. Nascido no Rio de Janeiro em 1916, tinha 27 anos quando conheceu Porto Alegre. Veio ao RS para se apresentar com seu grupo musical, o Águias da Noite. Depois do show, nunca mais saiu daqui. Virou radialista, com programas na TV Piratini e na Rádio Farroupilha, além de continuar cantando e tocando em casas noturnas.
A adaptação foi tamanha que deixou de torcer para o Flamengo e, no auge do Rolo Compressor, virou colorado. Mas colorado mesmo, daqueles de sofrer nas derrotas, que se acumularam depois do fim da era gloriosa dos anos 1940.
E um poeta, quando sofre, cria. Foi assim que surgiu a canção. Ele ouvia a partida entre Inter x Aimoré, um amistoso em São Leopoldo em 1956, antes de ir ao cinema. E se desesperou ao saber que seu time do coração havia perdido por 3 a 1 — aqui, outra curiosidade: a história oficial, contada pelo próprio Nelson Silva em entrevista ao Jornal do Inter, falava em uma goleada por 3 a 0 em 1957, só que nunca houve um Aimoré 3x0 Inter nem derrota colorada para o Índio Capilé em 1957, informação confirmada inclusive pelos arquivos colorados.
A revisão indica que o jogo foi, mesmo, esse de 1956. Uma das oito derrotas que o Inter teve para o time de São Leopoldo, para o qual não perde, aliás, há mais de 60 anos. Aquele resultado entristeceu Nelson porque era o indicativo de que seria mais um ano sem ser campeão. Triste, puxou um pedaço de papel e escreveu "Glória do desporto nacional, ó Internacional...".
O hino ficou um bom tempo dentro de uma gaveta da Rádio Farroupilha, segundo Turiassu Silva, filho de Nelson. Mostrou para alguns colegas, as palavras forram se espalhando e, no fim das contas, ficou popular entre os torcedores. Em 1966, o clube lançou uma promoção para a criação de um hino.
— O que meu pai sempre nos disse foi que um colega deu força e sugeriu colocar. Acabou que esse amigo foi no Inter e inscreveu a música. E ele ficou muito surpreso quando recebeu o telegrama dizendo que tinha sido o vencedor — conta Turiassu.
Em entrevista ao Jornal do Inter, em 1975, Nelson contou que nunca cobrou do Inter qualquer valor pela utilização da música. Seu maior feito, diz, era ser conhecido como o homem que compôs o hino colorado.
— Nunca ganhei nada. Quer dizer, falando em dinheiro, porque amizade ganhei muito. Chego no Beira-Rio e é aquela festa — disse Nelson à publicação.
Há outras duas curiosidades sobre o hino, sobre Nelson e sobre o Inter. Uma delas é que teve, com o passar do tempo, duas mudanças na letra. E o clube aceita ambas. Seja pela facilidade de cantar ou por alguma falha na comunicação, o trecho original "Correm os anos, surge o amanhã" foi substituído por "Olhos onde surge o amanhã", e os "teus feitos relevantes" perderam o "teus" na segunda forma.
A outra é que Nelson Silva, além de Turiassu, também é pai de Inajara Silva. E Inajara é viúva de Paulo Sant'Ana, um dos mais fervorosos e populares torcedores do Grêmio. A relação da família com o Inter, porém, é tão forte que Ana Paula, a filha de Sant'Ana, resistiu aos apelos do pai e é colorada.
Neste sábado, o hino será entoado mais uma vez. E o Aimoré, novamente, estará presente nessa história.