Qualquer pessoa que acompanhasse o dia a dia do Inter ouvia, já há um bom tempo: "Esses goleiros são bons, mas tem um na base que é ainda melhor". As palavras vinham de vários integrantes do clube e faziam referência a Daniel de Sousa Brito. Natural do Mato Grosso, está em Porto Alegre há mais de uma década, passou por várias categorias inferiores até chegar e se consolidar no profissional. Foram várias temporadas na reserva, até que a oportunidade finalmente chegasse. E agora, aos 28 anos, vive uma das crises que a profissão reserva: foi vaiado pela própria torcida e tem a titularidade contestada.
É curioso que, apesar de ter tantos anos de profissional, Daniel tem 74 partidas pelo time principal do Inter. Para efeito de comparação: Cleiton, do Bragantino, é três anos mais jovem e disputou quase 100 jogos a mais entre os profissionais. Hugo, do Flamengo, cinco anos mais jovem e tendo a concorrência de Diego Alves e agora Santos, só tem 10 partidas a menos. De toda a Série A, apenas o Athletico-PR tem como titular um goleiro de menor minutagem do que Daniel. Fruto de muitos anos na reserva e algumas lesões.
Outra coisa que afetou o goleiro colorado foram maus desempenhos em jogos importantes e que mexeram no resultado final. Eventualmente o último defensor erra, mas isso não determina levar um gol ou perder um jogo, por exemplo. Não é seu caso. Ainda estão vivos na memória os confrontos com Globo, Grêmio e Cuiabá, nos quais seus erros se transformaram em derrotas ou empate. As grandes defesas, e Daniel coleciona várias, acabam dividindo espaço com essas lembranças.
Ele segue prestigiado no Inter. Mesmo tendo sido chamado de frangueiro pela própria torcida, não há sinal de que Mano Menezes vá mexer em seu goleiro. Na última entrevista, saiu em defesa de Daniel:
— Não vi uma falha que justificasse ser chamado de frangueiro nos gols que tomamos. Procuro ser justo e tenho que passar isso pros meus jogadores. Não vou deixar que queimem algum jogador nosso.
Para aumentar a pressão sobre Daniel, sua sombra traz boas lembranças e esperanças aos colorados. Keiller era um menino em 2017 quando precisou entrar no gol após lesões de Danilo Fernandes e Marcelo Lomba na semifinal do Gauchão contra o Caxias. Pegou dois pênaltis e classificou a equipe para a decisão. Na época, também se machucou, e a equipe ficou sem goleiro 100% em condições na finalíssima. Em 2021, foi emprestado para a Chapecoense, e teve muito destaque. Mesmo sabendo que goleiro de equipe rebaixada precisa defender mais do que os outros, ganhou confiança das comissões técnicas.
— É um menino com potencial tremendo. Chegou lá em um nível, começou a jogar, depois ficou alguns jogos fora. Nesse meio tempo, teve uma evolução violenta. Eu brincava que tinha sido um prazer trabalhar com ele, mas que não ia me ver tão cedo, porque do Inter deve ir para fora do Brasil — disse a GZH Felipe Endres, auxiliar da equipe catarinense na temporada passada.
Por enquanto, nada muda no gol colorado. Os dois seguem trabalhando. Daniel, em busca de recuperação, especialmente frente à torcida. Keiller, aguardando a oportunidade.
Com a palavra, os goleiros
André Doring (1992-1999 e 2003-2005)
Penei no começo, era muito questionado. Diziam que não era goleiro para o Colorado. O início não é fácil, tem que ter o lombo grosso para segurar as pancadas e seguir o trabalho.
É saber absorver, e seguir trabalhando. Muitas vezes algumas vaias estão mais pela frustração do resultado no final da partida do que pela falha do goleiro mesmo. Para reagir, precisa ter confiança no trabalho e apoio dos treinadores.
Benítez (1977 e 1978-1983)
Tem uma coisa que nunca muda e nem vai mudar: futebol é resultado. As vaias só acontecem quando perde, não quando joga mal. Porque precisa achar um culpado de derrota. E não foi o Daniel, nem vem sendo. Ele faz muitas defesas em cada jogo, evita coisas piores. É muito bom goleiro. Entendo o que está passando, mas precisa seguir com a cabeça boa. Quando as vitórias vierem, vaia vira aplauso.
Bagatini (1978-1981)
Quando se está ganhando, a torcida perdoa tudo. Daniel precisa treinar, mas o grande problema é ele perder a autoconfiança. Errar, todo goleiro, em algum momento, erra. É interessante ele analisar, com humildade, porque errou, vai aprender muito. Não pode desistir. Também é importante a confiança que os colegas têm nele. O goleiro só fica tranquilo quando, mesmo ele errando, a torcida acha um motivo para desculpar. Ninguém deixa de ser um bom jogador de uma hora pra outra, só não pode relaxar. E goleiro de time grande é assim: são duas bolas por jogo em direção ao gol. E ele tem de pegar as duas.
Renan (2005-2008 e 2010-2011)
Acredito que Daniel está preocupado em render, independentemente das vaias. Ele sabe os lances em que errou, e isso é sempre debatido com treinador de goleiros e analistas. A comissão que está no dia a dia tem a melhor impressão se consegue sustentar esse momento ou uma troca seria a melhor decisão.