Fabricio Bustos é um caso a ser estudado em termos de adaptação. Ele foi anunciado pelo Inter em 14 de fevereiro, estreou em 3 de março e, desde então, foi titular em todas as partidas. Foram 19 jogos e 1.686 minutos em campo (em apenas três foi substituído).
Afirmado na lateral direita, o argentino de 26 anos está à vontade em Porto Alegre e no Beira-Rio. Nesta quinta-feira, recebeu a reportagem de GZH no CT Parque Gigante e concedeu uma entrevista de quase uma hora, na qual falou sobre essa facilidade de entender o futebol gaúcho e brasileiro, suas características, os estilos de Alexander Medina e Mano Menezes, o sonho de jogar na Europa, a seleção argentina. Veja os principais trechos.
Você chegou, treinou, virou titular, recebeu apoio da torcida, elogios da imprensa, depois de uma negociação que não era simples, e que poderia ter sido finalizada apenas em junho. Surpreendeu uma adaptação tão rápida ao Inter?
Cheguei, conversei com o técnico Alexander Medina, ele queria que eu viesse. E também era hora de sair, queria conhecer outros mercados. Cacique fez uma força para me contratar. O melhor foi ter chegado já antes, no início do ano, quando já tinha ritmo de jogo e estava pronto para jogar. Se fosse em junho, talvez demorasse ainda.
O estilo de jogo ajudou?
Sou um jogador ofensivo, como o futebol brasileiro tem como característica. Isso ajudou a me fixar. Também tive apoio dos companheiros, todos me receberam muito bem. Meu sonho é ter outra oportunidade na seleção.
Desde sua chegada, aliás, você esteve em todos os jogos, e só foi substituído em três. É um fominha (risos). O que tem feito para estar sempre à disposição?
A ideia é ter um cuidado pessoal em casa, treinar da melhor maneira sempre e ter vontade de jogar. Queria entrar no time, sempre jogar. Não gosto de ficar fora dos jogos. Cuido a alimentação, é muito importante. Ainda mais aqui, onde se joga muitas vezes. Precisa descansar bem, fazer os trabalhos de fisioterapia.
O outro time interessado em seu futebol no início do ano era o River Plate, e jogar com Marcelo Gallardo pesa. Como o Inter fez para vencer essa concorrência?
A disputa com o River foi um dos pontos da negociação. O Inter avançou da melhor maneira e fechou o acordo. São dois grandes clubes, e a diferença foi a agilidade daqui para concluir o contrato.
Era um desejo jogar no Brasil?
Gosto do futebol brasileiro. E também pode ser um bom passo para chegar à Europa.
Mudou algo para você especificamente com a troca de Medina por Mano Menezes?
Primeiro, quero agradecer à comissão do Medina, que me quis aqui. O que mudou? Quase nada. Estamos jogando de forma parecida, mas agora a bola está entrando e antes não. Também estamos tomando menos gols. São coisas que acontecem. Para mim, especificamente, é parecido. Eles sabem minhas características, dão liberdade para chegar ao ataque. Os técnicos se adaptam ao que os atletas fazem.
Em quem se inspira para jogar como lateral?
Quando era criança, jogava mais avançado. Mas quando virei lateral, olhava o que fazia Dani Alves no Barcelona. Tento copiar o que fazia. São diferentes características, ele é muito melhor do que eu, mas tento seguir o exemplo.
Dani Alves é um jogador ofensivo, e você falou há pouco sobre Europa, onde a função do lateral é basicamente defender, especialmente em países como Itália, Inglaterra. Precisará adaptar seu estilo para jogar lá? Ir para uma linha mais avançada? Melhorar atrás?
Não creio que faça mal as funções defensivas. Sou um jogador mais ofensivo, e tento corrigir os detalhes atrás, o que pode levar à Europa. Creio que os europeus têm vantagem em níveis pessoais, são constantes, não se distraem. Isso te leva às grandes ligas e estamos trabalhando para isso.
Além de Europa, a seleção argentina também deve ser um sonho. Você esteve perto de jogar a Copa de 2018, fez parte da última convocação. O que faltou?
Era um sonho poder jogar a Copa do Mundo (2018). Dei tudo naquele momento e não sei bem o que aconteceu, tampouco puder conversar com o Jorge (Sampaoli) naquele momento. Depois passaram a testar outros jogadores, Montiel e Molina hoje estão bem. Tenho que tratar de seguir da mesma maneira para ter outra oportunidade e poder estar ali. É o sonho de todo jogador estar na seleção, no meu caso na argentina e dos meus companheiros (de Inter) na brasileira.
A goleada de 6 a 1 sofrida para a Espanha pesou?
O jogo com a Espanha foi atípico porque acontece uma vez em 10. A goleada botou o treinador em dúvida e os jogadores, o que acontece. Passou. Agora é seguir trabalhando e melhorando.
Como foi na primeira convocação encontrar com Messi?
Foi muito lindo, porque todos sonham em estar com os melhores. Ele é o melhor, demonstrou em todos esses anos. Estar ao lado dele foi ótimo. Desfrutei ao máximo, mas com a responsabilidade qu estava ali para ganhar uma posição.
Voltando ao Inter. Que peso dão à Copa Sul-Americana, campeonato que você conquistou com o Independiente?
Creio que é um dos objetivos do grupo a Copa Sul-Americana. Vamos passo a passo, partida a partida. Vamos ver o que acontece no sorteio e buscamos chegar o mais longe possível.
O que tem percebido dos rivais?
Os times argentinos são times duros, brigam muito, são guerreiros. Os brasileiros são mais fortes ofensivamente. De qualquer jeito, precisa ter concentração total porque são os detalhes que eliminam ou classificam.
Gostaria de enfrentar algum time mais tradicional agora, para dar embalo, ou o ideal é fugir dos maiores e só encontrá-los mais à frente?
Não tem preferência. Para ser campeão, tem de vencer todos. Se enfrentar times grandes, fica ainda mais bonito e dá mais crédito à Copa.
E a vida em Porto Alegre?
A cidade é linda, tranquila. Na comparação, Buenos Aires é mais louca, tem mais trânsito. Estou tranquilo, feliz.
Conseguiu fazer alguma coisa nesse período?
Me disseram para ir a Gramado, que é lindo, mas não fui ainda. Tem bons restaurantes no shopping aqui. Mas prefiro ficar com minha namorada, em casa, tomar mate, ver TV. Ela brinca que sou "anti". Mas gosto de ver jogos de futebol, agora as finais da NBA.
A vitória em cima do Grêmio, pelo Gauchão. Foi uma grande partida
BUSTOS
Sobre melhor momento que viveu no Inter até agora
Qual foi o melhor momento que viveu até agora?
A vitória em cima do Grêmio, pelo Gauchão. Foi uma grande partida.
E o pior?
A derrota para o Grêmio na semifinal.
Nota-se que entendeu a rivalidade daqui. É parecido com a Argentina?
Aqui se vive um pouco mais, por serem só duas equipes em Porto Alegre. Em Buenos Aires disputam entre quatro e cinco. A rivalidade parece maior aqui, mas os argentinos também são muito apaixonados.
Um assunto recorrente, e que vemos em todos lugares, inclusive aqui, é o racismo. Com os celulares, as pessoas estão filmando e denunciando cada vez mais. Você viveu isso, na denúncia do Edenilson. E na Argentina parece ser ainda mais forte. Como enxerga essa situação?
É um tema complicado. Me tocou viver aqui, porque na Argentina não se fala muito desse tema. Na Argentina, por não viverem tanto esse tema, acabam levando como brincadeira e por isso acaba acontecendo quando jogam com equipes brasileiras. É um tema que tem de se debater bastante. Hoje, vivo essa discussão aqui. Na Argentina, as pessoas não se dão conta do que estão fazendo, e que isso faz mal a outras pessoas. Muitos ainda levam como brincadeira, mas não é brincadeira, para o Brasil e para o mundo. Tem que levar o tema mais a sério.
*Colaborou Bruno Flores