Os irmãos Idete e Eduardo Amorim terão dificuldades para dormir de sábado para domingo. Menos mal para eles que o compromisso que gera tamanha ansiedade é logo pela manhã.
Por volta de 9h, estarão circulando no entorno da Avenida Padre Cacique, reencontrando alguns amigos, tentando reconhecer outros por trás das máscaras. Todos com roupas parecidas. Quase 600 dias depois, eles e outros 15 mil colorados voltarão ao Beira-Rio para apoiar o Inter contra a Chapecoense, em partida válida pela 25ª rodada do Brasileirão.
Para ser bem preciso mesmo, foram 581 dias longe das arquibancadas. Idete estava lá naquela noite de 8 de março de 2020 quando Patrick fez os dois gols e o Inter venceu o Brasil-Pel por 2 a 0 pelo Gauchão, no último encontro de time e torcida. A epidemia ainda era algo que chamava a atenção mais pelo noticiário do que pela proximidade. Havia preocupação, mas não era possível prever a transformação que o mundo sofreria.
E quanta coisa mudou. Idete, 31 anos, deixou o emprego de assessora jurídica na Secretaria Municipal de Segurança e resolveu advogar por conta própria. Eduardo, 25 anos, descobriu que vai ser papai. E o Inter?
O Inter mudou de presidente, de vice de futebol, de uniforme e está estudando até trocar de símbolo. Teve quatro técnicos, de quatro nacionalidades diferentes. Ficou sem títulos nesse período, e só não foi campeão brasileiro por, literalmente, centímetros. Os dois irmãos acompanharam tudo pela TV. Comemoraram, sofreram, se emocionaram. Mas a arquibancada fazia falta.
— Já me imagino chorando muito quando pisar lá dentro de novo, a expectativa é de uma boa vitória. Quero um lindo reencontro da torcida com o time em casa — diz Idete.
Frequentadora do estádio desde a adolescência, a epidemia lhe tirou uma prática quase religiosa, um encontro familiar diferente do almoço de domingo:
— Tínhamos uma rotina de ir ao Beira-Rio com meu pai e meu irmão, sempre fomos a todos os jogos em casa desde meus 15 anos, faço 32 mês que vem. Senti falta do clima no estádio. Assistia pela TV, sempre mentalizando o dia que voltaria ao meu lugar na arquibancada.
Eduardo completa:
— Senti falta daquela energia que tu só sentes estando lá no estádio. Vi os jogos, mas no Beira-Rio, para mim, é um milhão de vezes melhor.
Há outro ponto que os dois concordam. Entre todas essas mudanças que o Inter teve desde que a torcida foi vetada, a mais feliz acabou sendo o retorno de Taison. Cria do Celeiro, morador do alojamento nos tempos que a arquibancada servia como teto, o último campeão da América remanescente está de volta. É esse reencontro que desperta a maior expectativa entre os jogadores do atual grupo.
— Espero ver um gol dele — pede Idete.
O capitão do time também está ansioso. Desde que voltou a Porto Alegre, ainda não pôde sentir o gostinho de ter o nome gritado pelos torcedores.
— Que bom que isso está acontecendo no Brasil novamente. Sentimos falta deste calor do torcedor colorado. Os esperamos de braços abertos. O recado é para que eles possam estar se cuidando, porque isso (pandemia) ainda não passou — alertou.
De fato, Ivete, Eduardo e os demais 10,5 mil colorados que já haviam confirmado presença segundo a última parcial anunciada pelo clube, na quinta-feira, sabem que os cuidados ainda são necessários. Tomaram as vacinas, usarão máscara, manterão o distanciamento e prometem tentar se conter em caso de gol.
Para quem ficou tanto tempo longe, esses sacrifícios são quase nada desde que possam ocupar as arquibancadas de novo.
Primeiras vezes
Do provável time que Diego Aguirre mandará a campo neste domingo, há três jogadores que só conhecem a torcida colorada graças a vídeos na internet. Bruno Méndez, Mauricio e Yuri Alberto nunca jogaram com público no Beira-Rio. Saravia teve apenas uma partida (justamente a última com torcida, contra o Brasil-Pel), Daniel, duas, sendo uma em 2019 e a outra em 2017, e Moisés, três.
Também é uma situação curiosa a de Taison. Ele vai defender o Inter diante da galera pela primeira vez após a reforma do Beira-Rio. Até jogou no estádio com gente nas arquibancadas, mas apenas no Lance de Craque — evento beneficente promovido por D'Alessandro — e, pasme!, como adversário, em um amistoso do Shakhtar em 2015.
Portanto, se para a torcida o jogo contra a Chapecoense será especial, para os jogadores será quase como uma estreia. Yuri Alberto, que foi o capitão na última partida, depois de mostrar que sabe várias músicas das organizadas, declarou aos veículos do Inter:
— Estou muito ansioso, não tive nenhum jogo com a torcida ainda. Estamos motivados e tenho certeza que eles vão nos incentivar ainda mais.
Aguirre também viverá um momento especial. Com uma coincidência. Foi contra a Chape que fez seu último jogo em 2015, antes de ser demitido. Foi contra a Chape, no primeiro turno, que reestreou em 2021 e será contra a Chape que revê a torcida:
— Estou com saudade da nossa torcida. Vivemos coisas maravilhosas em 2015. Eles estão fazendo falta para nós.
Matematicamente, o que Aguirre fala tem sentido. Segundo levantamento feito pelo colunista de GZH Marcos Bertoncello, jogar com público faz bem ao Inter em campo.
Foram 48 jogos no Beira-Rio sem torcida, válidos por quatro competições: Brasileirão, Copa do Brasil, Libertadores e Gauchão, com 26 vitórias, 13 empates e nove derrotas, 63,1% de aproveitamento. Para efeitos de comparação, a temporada de 2019 teve 36 jogos no Beira-Rio, tendo a presença da torcida. O Inter teve campanha de quase 70% de aproveitamento.
No domingo, o time precisará seguir o que Diego Aguirre prometeu, de fazer de tudo para dar alegria à torcida. E Yuri poderá realizar seu desejo:
— Sempre disse que meu sonho é fazer um gol e ir para a galera.