Há mais de cinco séculos, os portugueses cruzavam os oceanos em caravelas para ampliar seus domínios. Atualmente eles usam a prancheta. Uma legião de treinadores lusos tem se espalhado pelas principais ligas do futebol mundial e atracou no Brasil nos últimos anos com o sucesso de Jorge Jesus no Flamengo. Marco Silva, um dos representantes desta armada lusitana, está cotado para assumir como técnico do Inter.
A direção está inclinada a procurar o treinador de 43 anos. Aos poucos, as resistências encontradas entre os dirigentes vão sendo reduzidas, e ele, de fato, é um dos alvos. A experiência na Premier League e os títulos conquistados são considerados trunfos importantes para não ser “engolido” pelo vestiário. Concorrendo com Diego Aguirre para o cargo, o português e sua comissão teriam custo mensal de R$ 750 mil por um contrato de dois anos. Cumprir longos vínculos, entretanto, não é o costume do técnico. Suas últimas passagens terminaram em rescisão contratual.
As semelhanças entre Marco Silva e Miguel Ángel Ramírez vão além do passaporte de um país europeu. Embora não seja adepto ao jogo de posição, ele busca um futebol ofensivo e mais direto. Seu sistema tático preferido é o 4-3-3, embora por vezes adote o 4-2-3-1. Assim como Ramírez, gosta de pontas incisivos, mercadoria em falta no Beira-Rio. No meio, opta por um volante de marcação, com o restante do setor sendo preenchido por jogadores mais ofensivos. Considerado discreto e de bom relacionamento com os atletas, apresenta temperamento forte na relação com dirigentes. Sua bagagem tem títulos em Portugal e na Grécia.
— O ponto forte, creio, é a ideia de jogo, com a intenção de formar uma equipe que pratique um futebol positivo, atrativo. Depois, fica a ideia de que tem alguma dificuldade para se impor em momentos difíceis para conseguir que as equipes revertam ciclos negativos — analisa o jornalista Nuno Travassos, do site português Mais Futebol.
Demissão no Sporting
De carreira discreta dentro de campo, Silva parou de jogar no Estoril Praia em 2011. Dois meses depois, benquisto por dirigentes e torcida, assumiu o cargo de treinador para operar milagres nos Canarinhos. Tirou o pequeno clube praiano da Segunda Divisão. No primeiro ano na elite portuguesa, na temporada 2012/2013, terminou em quinto lugar. No campeonato seguinte, foi quarto. O sucesso o levou ao Sporting, a terceira força de Portugal depois de Benfica e Porto.
A temporada em Lisboa terminou com um bom trabalho, o título da Taça de Portugal e polêmica. Silva foi demitido por justa causa. As justificativas da direção foram apresentadas em 400 páginas de um dossiê.
O calhamaço de informações pode ser resumido em três situações principais. O ato que culminou na demissão foi sua ausência em uma reunião com a diretoria. Antes, contrariou ordens para vestir o uniforme oficial do clube e escalou o lateral Marco Rojo, apesar dos pedidos da direção que estava às turras com o empresário do argentino. O contrato foi rescindido quando havia ainda três anos a serem cumpridos. Seu substituto foi Jorge Jesus.
Sucesso no futebol grego
Marco Silva seguiu a carreira na Grécia, onde colecionou admiração e recordes. À frente do Olympiakos, foi campeão nacional com somente uma derrota. Mas há um dado mais impactante. O Panathinaikos, segundo colocado, ficou a 30 pontos de distância em um campeonato de 30 rodadas.
— Ele pensa em cada detalhe. Ele adora saber todos os detalhes sobre o oponente. Acredite em mim, ele é um técnico muito melhor do que o Abel Ferreira, do Palmeiras — afirma Sotiris Milios, editor-chefe do site SDNA, um dos principais portais esportivos da Grécia.
Parte do trabalho de buscar as minúcias sobre os adversários recai sobre sua comissão técnica, composta pelo assistente João Pedro Souza, o treinador de goleiros Hugo Oliveira e o preparador físico Pedro Conceição. Caso feche com o Inter, o trio estará junto no pacote de Silva.
Após a campanha exitosa, outra faceta de sua personalidade emergiu na Grécia. Ambicioso, Silva queria mais contratações para obter melhores resultados na Europa. Ele tinha razões para sonhar. Sob seu comando, o Olympiakos havia vencido o Arsenal em Londres na fase de grupos da Liga dos Campeões. Sem acordo, se despediu dos gregos um ano antes do fim do contrato.
— Ele não é leal aos clubes. Se ele for bem no Inter, pode ser que saia por um bom emprego na Europa — prevê Milios.
Há razão para a linha de raciocínio do jornalista grego. Em 2017, o treinador assumiu a missão de salvar o Hull City do rebaixamento na Inglaterra. Apesar de oito vitórias em 22 jogos, o milagre necessário estava além do seu alcance. Não evitou a queda, mas o bom desempenho o fez permanecer na Premier League.
Desgaste na Inglaterra
Rumou até o condado de Hertfordshire para comandar o Watford. Assim como nos trabalhos anteriores, empilhou bons resultados no começo. O desgaste, porém, surgiu mais cedo.
— Ele tem a fama de começar bem e ter dificuldades na sequência. Aconteceu no Watford e no Everton. No Watford, acho que ele queria chamar atenção de outros clubes. Quando o interesse apareceu, ele perdeu o foco — relata Ryan Gray, repórter do Watford Observer.
Depois de 26 partidas, deixou o comando e assinou com o Everton. O assédio custou uma compensação de 4 milhões de libras (R$ 28,6 milhões na cotação atual) pagas pelo clube de Liverpool ao Watford. Porém, ele assumiu os Toffees só em maio de 2018. O oitavo lugar na Premier League garantiu a sua permanência para a temporada 2019/2020. Mas a arrancada claudicante, a 18ª posição e a goleada de 5 a 2 sofrida para o rival Liverpool, encerraram sua passagem por Goodison Park em dezembro de 2019. Desde então, está sem clube.
O currículo de Marco Silva
Estoril (2011-2014)
116 jogos
54 vitórias
31 empates
31 derrotas
55% de aproveitamento
Sporting (2014-2015)
53 jogos
31 vitórias
15 empates
7 derrotas
68% de aproveitamento
Olympiakos (2015-2016)
45 jogos
35 vitórias
3 empates
7 derrotas
80% de aproveitamento
Hull City (2017)
22 jogos
8 vitórias
3 empates
11 derrotas
41% de aproveitamento
Watford (2017-2018)
26 jogos
8 vitórias
5 empates
13 derrotas
37% de aproveitamento
Everton (2018-2019)
60 jogos
24 vitórias
12 empates
24 derrotas
47% de aproveitamento
Títulos
Segunda Divisão Portuguesa (2011/2012)
Campeonato Grego (2015/2016)
Taça de Portugal (2014/2015)