Em novembro, a gestão do presidente Marcelo Medeiros apostou em Abel Braga para o comando técnico do Inter. Em meio a um processo eleitoral conturbado, o departamento de futebol perdeu o treinador Eduardo Coudet para o futebol espanhol e foi em busca de um velho conhecido da torcida para tentar diminuir a instabilidade que se refletia em campo. Aos 68 anos, o treinador campeão mundial em 2006 chegou contestado e demorou para conseguir ver suas ideias darem resultados.
Abel contraiu covid-19 e ficou duas semanas sem poder trabalhar. Quando viu nos jovens a solução para as deficiências da equipe, emplacou o recorde de maior sequência de vitórias da história do Campeonato Brasileiro de pontos corridos.
Injetou moral na equipe, retomou a liderança do torneio e adicionou mais uma marca no seu vasto currículo: tornou-se o treinador recordista em partidas na casamata colorada. Na despedida, após o 0 a 0 com 0 Corinthians, faltou um gol para escrever seu nome mais uma vez na história do clube como campeão.
Relembre sete momentos da sétima passagem do técnico Abel Braga pelo Inter
1) Contestação e isolamento
Tão logo a informação de que Abel voltaria mais uma vez a Porto Alegre para treinar o Inter, começaram as repercussões por parte da torcida. Havia os que o chamavam de ultrapassado, os que acreditavam na tradição dele com o clube, e os que apelavam por qualquer resultado que fizesse Eduardo Coudet virar passado.
Porém, os primeiros resultados, com poucas alterações no time, não foram positivos. As derrotas para o América-MG, pela Copa do Brasil, e para o Santos e Fluminense no Brasileirão deixavam o Inter em quinto lugar na tabela, pela primeira vez fora do G-4. Para piorar, o duelo contra os cariocas foi o primeiro com Abel longe dos gramados. O técnico testou positivo para covid-19 e precisou cumprir isolamento com acompanhamento médico, sem chance de ver treinos ou conviver com os atletas.
2) Vitória sobre o Boca Juniors na Bombonera, mas eliminação na Libertadores
A mudança de rota aconteceu na Argentina, ainda que o sabor tenha sido amargo para os colorados — com o garoto Praxedes como titular e comandando as ações ofensivas em plena Bombonera. A vitória por 1 a 0 devolveu o placar argentino feito no Beira-Rio na semana anterior e levou a disputa das oitavas de final da Libertadores para os pênaltis.
Nas cobranças alternadas, com D'Alessandro no banco, João Peglow errou, chorou, e o Colorado saiu da competição. A atuação nos 90 minutos, porém, foi a primeira com a formação e peças escolhidas por Abel Braga, que disse ter esperado para fazer alterações nas estratégias de Coudet.
Moisés voltou a ser titular, Marcos Guilherme cumpriu função de marcação, na sequência, deu lugar a Caio Vidal. Desde que derrotou o Boca Juniors na Bombonera, em 9 de dezembro, o Colorado só conheceu vitórias até 4 de fevereiro de 2021.
3) Sequência de vitórias no Brasileirão
Ao derrotar o Bragantino por 2 a 1, no Beira-Rio, no domingo 30 de janeiro, Abel Braga e o Inter entraram para a história do Campeonato Brasileiro estabelecendo o novo recorde de vitórias consecutivas da era dos pontos corridos, adotados em 2003: nove triunfos seguidos. A conquista colorada superou o Flamengo de Jorge Jesus, campeão em 2019 com oito vitórias seguidas, e o Cruzeiro de Vanderlei Luxemburgo, que na primeira edição alcançou duas vezes a mesma sequência.
4) Recordista em jogos pelo Inter
A polêmica vitória sobre o Vasco, na 36ª rodada, por 2 a 0, ficará na memória de Abel Braga. O carioca alcançou, aos 68 anos, a marcada 338 jogos na casamata colorada. A história que começou em 1987 e foi escrita com os maiores títulos do clube ganhava um novo capítulo, inclusive com a possibilidade de mais uma taça na rodada seguinte — o que não se confirmou.
— Hoje foi um dia especial para mim. Vocês falam tanto do velho. São 338 jogos, num clube gigante, uma grande instituição. Imagina o que isso representou para mim. Estou com a bola do jogo, vai ser autografada quando tiver uma caneta apropriada. Não queria que nós perdêssemos um jogo desses — celebrou Abel na entrevista coletiva após o jogo em São Januário.
5) Derrota para o Flamengo
O clima era de decisão. O domingo da 37ª partida do Inter no Brasileirão colocava o vice-líder Flamengo, com dois pontos a menos, no caminho de Abel Braga. O palco era o Maracanã, com chance de final feliz para o time e a torcida, mesmo em um dos piores momentos da pandemia no Rio Grande do Sul. Em campo, Rodinei era escalado depois de um megaempresário e torcedor colorado pagar a multa de R$ 1 milhão que custava o lateral titular.
As demais escolhas de Abel foram as de sempre. Não foi suficiente. Apesar de sair na frente no placar, perdeu o valorizado Rodinei expulso, em um lance polêmico onde o árbitro Raphael Claus foi convencido pelo replay do VAR a dar cartão ao jogador. A virada flamenguista tirou a chance de festa colorada do Maracanã, e o Inter da primeira posição da tabela. A conquista do tetra virava um desafio, que não dependia mais apenas das forças de Abel e seus comandados.
6) Perda do título em casa
O título na última rodada só viria com uma vitória no Beira-Rio combinada a um outro resultado paralelo. O resultado favorável veio do Morumbi, mas faltou um gol em Porto Alegre para que o tetra do Brasileirão fosse comemorado por Abel Braga e seu elenco. O empate em 0 a 0 com o Corinthians selou o segundo vice-campeonato nacional do campeão da Libertadores e do mundo com o Inter.
— Não sei se na TV aparece a cor dos olhos, porque desde o fim do jogo foram só lágrimas — desabafou, na coletiva após o jogo.
7) A despedida
A noite seguiu sem a festa que Abel esperava fazer no estádio em que tanto já festejou. Na entrevista coletiva, depois de enaltecer a entrega dos atletas e tristeza pelo título que não veio, foi perguntado se ficaria ou não no Inter. Demorou mais algumas respostas da coletiva virtual, mas confirmou que estava de saída.
— A direção está procurando o melhor para o clube — começou, tranquilo. — Desejo a eles uma ótima administração. Que possam agora, com quem vier, dar uma ênfase ainda maior, e conseguir mais resultados — acrescentou.
Abel recuperou um time que havia perdido cinco posições na tabela de classificação, utilizou jogadores jovens e fez o ataque marcar mais gols, atendendo a demandas da torcida e da nova direção, que assumia o clube. Por isso e pela tradição que tem no Colorado, fez o torcedor acreditar até o último segundo — mesmo depois do gol de Edenilson ser anulado — que poderia zerar a contagem de espera por um título do Brasileiro, que já dura 41 anos.
— Sei que o trabalho foi muito bom. Fico muito feliz de ter representado de novo o Inter de uma maneira digna, verdadeira e real, de ter me doado. Definitivamente, sei que entrei para a história deste clube — resumiu, orgulhoso.