Pouco mais de 10 dias e três jogos depois, o Inter de Eduardo Coudet não existe mais e, especialmente desde quarta-feira passada, a mão de Abel Braga na equipe está evidenciada. A maior parte dos conceitos do treinador argentino, que comandou o time entre janeiro e novembro (claro, houve a pausa do futebol em razão da pandemia), foi deixada de lado em nome de outro sistema e de outra estratégia.
Diante do América-MG, essas mudanças ficaram ainda mais cristalinas. A começar pelo desenho tático do time. Abel abandonou o 4-1-3-2 de Coudet e escalou o time no 4-2-3-1. Para não ficar em "números que parecem linhas de ônibus", como diz Pep Guardiola, explicamos a seguir o que foi alterado na prática.
Em tese, mesmo que no campo nem sempre isso se traduzisse, o técnico anterior priorizava dois conceitos fundamentais: com a bola, a ideia era construir as jogadas pelo chão, preferencialmente pelo meio, deixando os flancos abertos para os laterais; sem a bola, pressionar imediatamente após a perda para tentar roubar ainda no campo de ataque.
Por isso, não necessariamente precisava de velocidade de contra-ataque, por exemplo. Preferia jogadores mais fortes, que soubessem recuperar a posse e tivessem capacidade de ataque. Mais de uma vez, Coudet afirmou que gostava de ter dois centroavantes, para ter presença na área. Claro que na prática, muitas vezes o Inter foi lento na saída e exagerava nos passes laterais quando o volante descia para começar os ataques ao lado dos zagueiros.
Abel Braga tem outra ideia, e já faz bastante tempo. O treinador prefere manter uma linha de dois volantes, centralizar em um organizador, abrir os pontas e ter um centroavante só. Nesse ponto, os laterais nem sempre cairão pelo lado para ir à linha de fundo, por exemplo. Eles podem ser o que se convencionou chamar de "construtores": fecham para o meio e liberam o lado para os ponteiros. Na defesa, não há mais o sufoco após a perda da bola, e sim uma recomposição para tentar sair em contra-ataque.
— Gostei da nossa postura, foi interessante, jogamos dentro do campo adversário. Mas faltou profundidade — comentou Abel Braga.
Apesar dos elogios do treinador, a tendência é de que essa mudança cause dificuldades. Ou que, no mínimo, demore a dar o resultado que o treinador espera. A razão? Os jogadores à disposição não têm essas características.
— O elenco do Inter não é adaptado para esse tipo de esquema, tanto que Abel buscou na categoria de base Caio Vidal para fazer a função de extrema. Coudet não usava esse tipo de jogadores, preferia pressionar a saída de bola — explicou o analista tático do Grupo RBS, Filipe Duarte.
Quando contratou Coudet, e por um período de dois anos, o Inter foi buscar jogadores que se encaixariam no sistema proposto por ele. Thiago Galhardo é um dos casos. Atual goleador do Brasileirão, ele não é um centroavante de origem, ainda mais com estilo que o 4-2-3-1 pede, que tenha força para fazer pivô e ganhar disputas aéreas (como Fernandão em 2006) ou que, caso não tenha essas virtudes, compense com alta técnica ou extrema velocidade (como Nilmar em 2014, para ficar em atletas que Abel trabalhou no Inter). Com Coudet, ele sempre tinha um parceiro na última função ofensiva, o que lhe permitiu usar seus trunfos (posicionamento, inteligência, capacidade de conclusão) sem o desgaste das outras missões.
Mais: no grupo colorado, não há muita oferta de extremas, ou pontas, para as escapadas em velocidade pelo lado do campo. As opções são Marcos Guilherme e Peglow. Como a ideia era que a base espelhasse o modelo profissional, haverá dificuldade para encontrar essas peças no time sub-20.
O treinador, pelo menos, terá um atenuante para as próximas rodadas. Nonato e Patrick testaram negativo para covid-19 e podem voltar contra o Fluminense. Sem eles, o time sofreu para ter reposições diferentes contra Santos e América-MG. Patrick poderá fazer o corredor esquerdo, como já exercia com Coudet, e Nonato é a alternativa a Lindoso ou Dourado para dar mais leveza ao meio-campo.
Com mais opções, existe a possibilidade de facilitar a adaptação. Mas no calendário atual, que não permite intervalo entre os jogos para poder treinar, e com as peças à disposição, o Inter ainda terá trabalho até que Abel mude totalmente o estilo.