O domingo (7) no Rio Grande do Sul será o dia para o torcedor do Inter recordar um feito histórico, o título mais importante da história de 111 anos do clube, mas também serve de homenagem para Fernando Lúcio da Costa. Neste mesmo dia, completa seis anos da morte de Fernandão, o "Eterno Capitão Colorado".
Alguém pode se perguntar: mas o que isso tem a ver com o Mundial, que será retransmitido no domingo? Tudo. Fernandão não foi protagonista na decisão, contra o Barcelona. Ele, inclusive, pediu para sair e deu lugar ao iluminado Adriano Gabiru, que faria o gol do título. Mas, para que o Inter chegasse até lá, o camisa 9 precisou tornar-se ídolo de uma torcida que não via o clube conquistar um título de expressão desde a Copa do Brasil de 1992.
— Eu nasci nos em 1980 e na minha infância e adolescência o Inter não tinha muitos ídolos, porque eu não vi Falcão e Figueroa jogarem. Lembro muito do Taffarel, mas pelo que ele fez na Seleção, não no Inter. Quando chegou o Fernandão e marcou o gol mil dos Gre-Nais logo na estreia foi quase amor à primeira vista — conta o ator Rafael Albuquerque, torcedor colorado que interpreta o ídolo na peça "Um Certo Capitão Fernando".
O início da relação entre Inter e Fernandão, em 2004, só aconteceu graças ao esforço do então presidente Fernando Carvalho. A negociação com o Olympique de Marseille não foi das mais simples. Os franceses queriam US$ 1,5 milhão pelo jogador. Para trazê-lo, o clube gaúcho cedeu um percentual dos direitos econômicos de dois destaques das categorias de base: o zagueiro João Guilherme e o atacante Rodrigo Paulista. Além disso, o Inter assumiu uma dívida que o Olympique tinha com o jogador, de 500 mil euros.
— O projeto do Inter para os próximos anos me atraiu. É um grupo forte, com jogadores jovens e de boa qualidade — comentou Fernandão ainda antes de assinar o contrato com o Inter.
Ele não sabia o que estava por vir, mas o projeto ao qual ele referia havia ganhado o seu capitão e principal destaque. Aos poucos, marcou gols importantes, ganhou a confiança dos torcedores e vestiu a braçadeira. A camisa 9 às costas não pesava. O 1m90cm de Fernandão não era nada perto do tamanho que ele teria em 2006.
— Acho que o Fernando nunca soube a dimensão do amor da torcida do Inter por ele. É uma coisa espantosa — afirma Marli Costa, mãe do ídolo colorado.
Dentro de campo, apesar de ser meio-campista de origem, foi centroavante ao longo daquela temporada. E foi bem. Tanto que esteve no ataque da seleção do Campeonato Brasileiro e foi decisivo na conquista da Libertadores, com direito a gol na final. Pouco antes do Mundial, porém, surge Alexandre Pato. O garoto de 17 anos vira titular e Fernandão volta ao meio-campo. O técnico Abel Braga, inclusive, revelou uma conversa com o capitão no início daquele ano.
— Jogo aonde você quiser, mas prefiro a meia — disse o camisa 9 ao comandante, que concluiu:
— Foi assim que meu time se encaixou de novo.
Acho que o Fernando nunca soube a dimensão do amor da torcida do Inter por ele. É uma coisa espantosa
MARLI COSTA
mãe de Fernandão
Ao longo da estadia no Japão, Fernandão era um dos mais confiantes na conquista do título. A vitória difícil sobre os egípcios do Al-Ahly serviu de combustível para a final. Do outro lado do planeta, no Brasil, a família reunia-se em Goiânia para assistir à decisão.
— Lembro que estávamos muito nervosos, mal conseguíamos prestar atenção no jogo — conta Thayná, a filha mais velha de Fernandão, que tinha sete anos em 2006.
Jogo tenso. Chances para os dois lados. Fernandão de uniforme branco. Ronaldinho de azul e grená. Até que, aos 31 minutos do segundo tempo, o camisa 9 pede para sair. Extenuado, com dores, dá lugar a Adriano Gabiru.
— Ele saiu mancando. Me cumprimentou e desejou boa sorte — lembra o autor do gol do título.
Depois, tudo virou festa. Entre o gol e o fim do jogo, ninguém pensava em mais nada. Todos só queriam gritar que a Terra era vermelha e que, enfim, o mundo estava aos pés do Inter.
— Apesar de o Fernando sempre falar que ia ganhar, voltar campeão, foi um surpresa o que aconteceu. Lembro que na hora do gol soltaram foguetes e eu pulei na piscina quando acabou o jogo. Foi muito emocionante — recorda Fernanda Bizzotto, viúva e mãe dos filhos mais novos do ídolo colorado, os gêmeos Enzo e Eloá.
O legado do capitão
Depois da conquista, Fernandão permaneceu até 2008 no Inter. Foi aventurar-se no Catar, com a camisa do Al-Gharafa. Não ficou muito tempo por lá e, em 2009, retornou ao Goiás, clube em que iniciou a carreira. O destaque no Esmeraldino o levou ao São Paulo, onde aposentou-se, em 2011.
Logo pendurou as chuteiras retornou ao Inter como dirigente. Foi até mesmo treinador do time que ganhou o coração dele e de toda a família. Mas, em novembro de 2012, foi demitido pelo clube, o que abriu caminho para a carreira de comentarista. Estava contratado pelo SporTV para comentar a Copa do Mundo de 2014 quando o helicóptero em que estava caiu, em 7 de junho, matando ele e os outros quatro tripulantes em Aruanã, no interior de Goiás.
— Fico muito triste por ele ter ido embora tão cedo. Foi dolorido para mim, mas quando assisti aos vídeos daquela multidão chorando no Beira-Rio, cantando o nome dele, isso aliviou um pouco a minha dor. Parecia que ele havia cumprido a missão dele — ressalta Dona Marli.
Não à toa, ele passou a ganhar diversas homenagens. Tem um estátua sua ao lado do Beira-Rio. Também junto ao estádio, a antiga Rua B virou Rua Fernando Lúcio da Costa. Um livro e uma peça de teatro narram parte da trajetória de Fernandão. Tudo isso para manter viva a história do "Eterno Capitão Colorado".
— É legal tu deixar na história registros de ídolos que são positivos, que fazem o bem. Acho que tudo isso é um agradecimento a ele — destaca Marcelo Campos, que foi assessor de Fernandão e tornou-se amigo dele e da família.
A final da Libertadores chegamos a sentar para assistir. Particularmente neste domingo, como faz seis anos que o Fernando faleceu, não preparei nada. Pretendo assistir, mas não sei se eles (os filhos Enzo e Eloá) vão querer
FERNANDA BIZZOTTO
viúva de Fernandão
O último legado são os filhos. Thayná tem 21 anos e mora em Goiânia. Estuda jornalismo na PUC-GO e mantém um canal no YouTube chamado "9 é a dela", em referência, claro, ao número da camisa do pai. Os gêmeos Enzo e Eloá moram com Fernanda, em Porto Alegre. Aos 17 anos, ainda estão no colégio. Ele, porém, já atua nas categorias de base do Inter. É meia-atacante, como o pai, e tem todos os trejeitos de Fernandão — apesar do cabelo mais curto. Eles são a parte viva do ídolo, que poderá ser lembrado por todos a partir das 16h de domingo, quando a Rádio Gaúcha e a RBS TV transmitem a final do Mundial de 2006 entre Inter e Barcelona.