Teve céu e inferno e esperança no Beira-Rio contemporâneo. O último dia da quarta década do estádio, que separou o centenário do Inter e o 40º aniversário de sua casa, foi marcado por uma vitória sobre o Grêmio que encaminhou o título gaúcho, a única conquista daquele 2009, que veio com 8 a 1 sobre o Caxias. Outras conquistas bateram na trave: os vices do Brasileirão e da Copa do Brasil.
A redenção chegou no ano seguinte. Comandado primeiro por Jorge Fossati, depois por Celso Roth, o Inter buscou o bi da Libertadores. Em uma campanha com momentos marcantes fora de casa, como as classificações sobre Estudiantes e São Paulo, o título foi comemorado na Padre Cacique em uma noite de agosto, exatamente como em 2006, desta vez contra o Chivas.
A frustração pela eliminação no Mundial foi amenizada pelo bi da Recopa, em cima do Independiente, em 2011. Era a última volta olímpica internacional. Dali por diante, o foco do clube, conscientemente ou não, mudou: o futebol ficou em segundo plano para a transformação do Beira-Rio.
O time jogou sob escombros em 2011 e 2012. Em 2013, fechou-se as portas e, enquanto o time revezava entre Estádio do Vale, em Novo Hamburgo, e Centenário, em Caxias do Sul, torcedores aglomeravam-se para ver o remake do Gigante. Para o estádio receber cinco jogos da Copa do Mundo de 2014, uma mudança foi a mais visível e significativa: as 64 estruturas metálicas. A nova cobertura é a parte preferida de Alice, principalmente à noite, quando a estrutura fica iluminada.
A menina completa seis anos nesta segunda-feira, 8 de abril, apenas dois dias depois do aniversário do estádio. A estreia nas arquibancadas, ainda no colo da mãe, foi também o primeiro jogo do Gigante depois da reforma, a vitória por 2 a 1 sobre o Peñarol.
— O futebol faz parte da vida da Alice desde que ela estava na minha barriga. Sempre fui às partidas, ela nasceu com essa paixão — destaca a mãe, a médica veterinária Michele Schnell, 36 anos.
Alice nasceu em 2013, quando o Beira-Rio estava fechado. Mesmo assim, com 12 dias de vida, levada pela mãe e pelo avô, Jair Davi, de 65 anos, virou sócia do clube. O momento foi registrado para representar que a paixão veio do berço e atravessou gerações — mesmo que, quando criança, Michele não pudesse assistir ao time com a frequência que gostaria, pois o ambiente era mais hostil às mulheres. Hoje, ela considera que o espaço que conheceu aos nove anos ficou no passado não só esteticamente:
— Tudo melhorou, principalmente para levar gurias. Agora, estamos mais preparados para receber qualquer tipo de público, idoso, família.
Ao lado da mãe, Alice está sempre no Beira-Rio. Das arquibancadas, testemunharam os dois únicos títulos desde a reinauguração: os Gauchões de 2015 e 2016. O problema foi o segundo semestre de 2016. Dirigentes hoje investigados pelo Ministério Público contrataram e demitiram quatro técnicos e, pela primeira vez, o Inter foi derrubado para a Série B. Foram cenas de terror ao final de cada jogo, com confrontos entre torcedores e policiais. No ano seguinte, o Beira-Rio viu algo inédito: jogos do Inter na Segunda Divisão. Isso não mudou muito a relação da menina com o clube. Nessa idade, o time é uma paixão incondicional.
A pequena torcedora já tem histórias para contar desse vínculo com o estádio: foi na Padre Cacique que ela criou muitos de seus laços de amizade.
— O Beira-Rio é uma segunda casa para a Alice, é um lugar que tem uma energia incrível, que tem alma. Ela sente isso na arquibancada, se sente parte do jogo, ajudando o time a vencer. É um lugar que faz parte da vida dela. Ela fez muitos amigos lá, que compartilham com ela essa paixão. Quando estamos nos preparando para sair de casa, sempre vêm as perguntas: "A Luiza e a Lauren vão?". Até os "tios do bar", como a Alice os chama, já a conhecem — conta a mãe.
Desde o primeiro dia, em 6 de abril de 1969, o Beira-Rio é eterna renovação e constante encontro de amigos. Repaginado ou não, com vitórias ou derrotas, o estádio é uma casa onde todos são iguais, como disse o bispo Dom Edmundo Kunz há 50 anos.