A temporada de retorno do Inter à elite do futebol brasileiro foi tão intensa que mudou até um nome. Em 2018, Papito se transformou em Odair Hellmann. A troca simboliza uma mudança importante na carreira do catarinense de Salete que chegou ao Beira-Rio ainda guri e morou embaixo da arquibancada: saiu o auxiliar-técnico de riso fácil, contador de causos e estilo boleirão, amigo dos jogadores, entrou o treinador, o professor e, em última análise, o chefe dos atletas.
Entre 2009 e 2017, o Papito podia dar uma opinião com a comissão técnica, fazer uma brincadeira no treino, ouvir um desabafo de um jogador. Lembrava histórias de seu passado como um volante técnico, mas de poucas chances, que, para se manter na ativa, rodou por vários clubes menores e usou até o uniforme do Sindicato dos Atletas. Se não fez fama e fortuna, ao menos colecionou anedotas.
Em 2018, precisou passar por mudanças. Ainda que tenha mantido o mesmo estilo brincalhão, democrático com os colegas, é bem possível que ele tenha sido assunto dos desabafos de atletas. Apesar de que, se houve qualquer tipo de problema, soube administrar a ponto de não ter nada vazado do vestiário.
E não faltaram situações delicadas. Por exemplo, coube a Odair Hellmann colocar no banco Andrés D'Alessandro, o grande craque da década no Beira-Rio, único dos funcionários a ter mais tempo de casa do que o próprio treinador. O argentino, então capitão, aceitou a situação. Disse, ao longo do ano, que entendia o novo momento. E, para esta reportagem, completou:
— Odair é muito presente, sempre está ligado no dia a dia do grupo. No que ele precisa, sempre tento ajudar. Entende as situações de vestiário porque foi atleta, e deixa os jogadores à vontade. Acho que o grupo também o ajudou ao longo do ano, foi algo recíproco, e conseguimos manter o ambiente legal e a convivência tranquila. Comandou muito bem, teve o discernimento de dar liberdade quando podia mas também fazer os ajustes quando necessário.
Esse equilíbrio entre a liberdade e a decisão, a brincadeira e a cobrança foi o aspecto mais elogiado. Victor Cuesta afirma ter visto um treinador pronto para dar sequência na carreira:
— Já no primeiro ano como treinador profissional, mostrou estar muito preparado. Tem disposição para o trabalho e sempre é muito sincero com o atleta. O grupo confia nele.
Outro desafio da nova função é ser chefe de quem sempre foi colega. Um dos mais antigos companheiros é o preparador físico Cristiano Nunes. O carioca chegou ao Inter em 2014, com Abel Braga, e viu o crescimento de Odair. Fazia pouco que Papito havia sido promovido ao profissional (por Dunga, em 2013). Quando retornou, em 2017, diz ter encontrado um profissional mais preparado, que, segundo ele, absorveu os conhecimentos dos treinadores que auxiliou.
— É exigente, detalhista, estudioso e tem facilidade de lidar com atletas. Isso é muito importante. Essa relação comandante e comandado precisa ser realizada de maneira transparente, olho no olho. Sabe o momento para descontrair, mas quando existe a necessidade da cobrança, do comprometimento, é extremamente detalhista.
Fora do Beira-Rio, a vida também mudou bastante com a "troca de nome". Em casa, ainda que Odair se mantenha o mesmo pai divertido e marido dedicado, o tempo com a família diminuiu. Desde que foi efetivado, o treinador adotou uma prática não muito comum: foi para a concentração com os jogadores, mesmo nos jogos de Porto Alegre.
— Claro que eu gostaria de tê-lo em casa mais tempo, mas vejo como uma decisão importante, que mostra dedicação. Tudo isso fez parte da nossa missão de fazer de tudo para dar certo esse primeiro ano — explica Jacqueline, a mulher que o acompanha na aventura do futebol há mais de 20 anos.
Essa "missão" começou em novembro de 2017. Quando ficou sabendo que seria o técnico do Inter, os Hellmann montaram uma estratégia. Haveria sacrifícios em nome da nova missão. Assim, a viagem para Paris, inicialmente um plano de férias, transformou-se em lazer apenas para Jacqueline e os filhos: Odair mergulhou no CT do PSG para observar os treinos de Neymar e companhia. Assim foi ao longo do ano. Jacqueline virou uma espécie de para-raios do marido. Se antes podia chegar em casa e reclamar do chefe, agora, a situação inverteu, o chefe era ele, e as angústias aumentaram. Ela, então, fez as vezes de psicóloga, filtrando o que o marido deveria ler e o que deveria ser escondido, entre matérias da imprensa e comentários de redes sociais.
Houve momentos tensos. A queda no Gauchão e a eliminação precoce na Copa do Brasil deixaram o técnico na berlinda. Na semana anterior ao Gre-Nal do Brasileirão, na qual o Inter vinha pressionado pela derrota para o Flamengo e o Grêmio chegava embalado por uma goleada de 5 a 1 sobre o Santos, especulou-se que poderia ser demitido em caso de derrota.
— Nunca nem pensei nisso. Mas estamos preparados. Fez parte da nossa conversa. Sabíamos que ser técnico daria mais visibilidade e, claro, melhor condição financeira, mas também deixaria mais instável. Ainda mais no Brasil — amplia Jacqueline.
Por isso, a família Hellmann, ainda que tenha visto engordar a conta bancária, não fez grandes gastos. Manteve o carro, mora no mesmo apartamento (apesar de, atenção corretores!, estarem procurando outro, com um quarto a mais) e evitou futilidades. Claro, aproveitaram. Nas férias, foram aos Estados Unidos. E lá viveram a situação que simboliza a mudança de Papito para Odair:
— Na Disney, as pessoas nos pararam para tirar foto. Acho que o Odair criou uma imagem legal como treinador, me parece ser uma pessoa querida por todos. Até alguns gremistas vieram conversar.
Quando era Papito, nada disso acontecia.