O Inter se prepara para dar um novo salto de qualidade em suas categorias de base. E não apenas para levar o clube outra vez às grandes conquistas, mas, também, para voltar a formar Nilmares, Patos, Sobis, Taisons, Sandros, Alissons, e até mesmo novos Fredes e Oscares, que chegaram ao Beira-Rio já mais taludos do que os demais. Jogadores que, num futuro breve, possam render milhões de euros aos colorados, bancando a formação de outras gerações. Para isso, o Inter firmou parceria com a Double Pass, uma empresa nascida de uma longa parceria da Universidade de Bruxelas com a Federação Belga de Futebol, e que tem por objetivo aprimorar o trabalho das categorias de base a fim de fabricar melhores jogadores.
O CEO (diretor-geral) e fundador da Double Pass é o belga Hugo Schoukens. Ele começou a carreira como diretor de banco, e trabalhava também como treinador de equipes sub-17 e sub-21, e como dirigente da Federação Belga de Futebol. O esporte venceu e Schoukens se profissionalizou no futebol. Em 2002, após ver o fracasso da seleção nacional na Eurocopa que sediou em 2000, ele passou a trabalhar como desenvolvedor de talentos junto às categorias de base da seleção belga.
No mesmo período, o trabalho da Double Pass se ramificou também pela Federação Alemã de Futebol. A primeira leva dessa garotada belga e alemã foi vista na Copa do Mundo do Brasil. O eterno 7 a 1 alemão sobre a Seleção Brasileira foi construído por boa parte dos guris que passaram pelos métodos de trabalho implementados a partir de 2002 na Alemanha. A "geração belga", uma das sensações na Rússia, também. No ano passado, a empresa belga assinou com o Flamengo e com Atlético-PR. E tem trabalhos contínuos na Inglaterra, Dinamarca, na Hungria, nos Estados Unidos, no Japão e na China.
No Inter, dois emissários da Double Pass trabalham desde o final de maio fazendo uma análise de todas as equipes, de jogadores a comissões técnicas, no CT de Alvorada. Nessa entrevista a ZH, Hugo Schoukens conta como será feito o trabalho junto aos colorados, avisa que não vai transformar o Inter em um clube europeu, e diz que espera obter os primeiros resultados dessa nova formação de jogadores colorados em 2020. Confira os principias trechos da entrevista com Hugo Schoukens:
Como a Double Pass trabalhará no Inter?
O objetivo é tentar trabalhar juntos. Antes de tudo precisamos entender o que está sendo feito no centro de formação de atletas. Por isso, atualmente temos dois funcionários no clube para analisar o que está sendo feito na formação de talentos. É um trabalho de monitorar todo o processo de formação até que os jogadores cheguem ao profissional. É saber porque um atleta está se desenvolvendo ou não, quando ele está maduro. É a conexão entre a base e o profissional. Queremos entender o que está sendo feito na formação de talentos do clube. Temos que entender a maneira que o clube desenvolve os seus jogadores, qual o processo por trás, qual a cultura, qual a filosofia. Isso é o que está sendo feito agora neste primeiro estágio. Para fazermos um primeiro levantamento. O próximo estágio é nos prepararmos para ajudar o clube e para, juntos, trabalharmos na otimização do potencial do jogador. A primeira etapa é de análise, a segunda é de criarmos e otimizarmos juntos o potencial dos jogadores, Vamos ajudar as comissões técnicas a fazer um melhor trabalho, baseado na maneira e na filosofia do clube. Isso é o mais importante.
A empresa vai definir a maneira que a base do Inter deverá jogar?
Não. Não definimos. Nós vamos ajudar o clube a definir exatamente de acordo com a sua filosofia a maneira que ele quer jogar. Então, trabalharemos juntos para tirar o máximo de potencial dos atletas. Não vamos impor ao Inter um modelo de jogo europeu, alemão, belga ou qualquer outro. É o clube, de acordo com a sua filosofia, que fará a definição do modo de jogar. E nós, então, ajudaremos como tirar o melhor da filosofia escolhida: como atacar, como defender, como fazer a transição defesa-ataque. Este é o próximo passo, mas trabalhando com as pessoas do clube e com as ideias do clube. O Inter tem um estilo de trabalho, tem uma cultura, um DNA. Nós vamos respeitar isso e ajudar na otimização.
O projeto prevê também a prospecção de novos jogadores ou trabalhará apenas com aqueles que já estão no clube?
Qualquer clube tem que estar sempre ativo no mercado do futebol para contratar jogadores, mas não é a nossa função. É função das pessoas do Inter. Nós vamos ajudar o clube a otimizar a identificação e o processo de recrutamento de jogadores em potencial.
No plano perfeito, quando se deve ver os primeiros resultados deste projeto?
Pensamos que, depois da análise, vão se ver os primeiros resultados entre 16 e 24 meses. Nós geralmente precisamos de uns 12 meses para ajustar tudo com as comissões, mudando mentalidades, implementando métodos de trabalho. Passado este primeiro período, começamos a ver as mudanças. É possível, então, começar a olhar para trás e ver a diferença. Por isso, também é importante que exista estabilidade das pessoas no clube.
A partir da chegada da Double Pass, o plano é formar jogadores que atuem de uma forma padronizada em diversas categorias da base do Inter?
Se você fala do desenvolvimento de talentos, isso começa quando as crianças entram no clube e termina quando se materializa em um jogador do primeiro time. Claro que vamos trabalhar nas diferentes categorias, na implementação do nosso currículo de trabalho e na prática de trabalho.
Os treinadores do Inter precisarão seguir as diretrizes da Double Pass? Eles também terão algum tipo de formação através da empresa?
O que todas as pessoas farão, os treinadores e auxiliares, será discutir a filosofia de jogo do time, a forma de jogar, os princípios. Mas é o estilo de jogo e a filosofia do clube que importam. Nós auxiliaremos a mediar, a guiar, a corrigir, a adaptar de acordo com a filosofia estabelecida pelo clube. Nós vamos ajudar, vamos otimizar. É importante dizer que não somos adeptos a substituir pessoas. Nós entramos no clube para trabalhar com as pessoas que já estão lá, as auxiliando a desenvolver os seus trabalhos.
Essa parceria é válida por quanto tempo?
O objetivo é pelo menos dois anos. Fizemos um acordo de análise, e esperamos chegar a um acerto de pelo menos dois anos. Porque é depois de dois anos que, normalmente, começamos a ver os resultados.
Há alguma posição específica para a qual a Double Pass investirá mais na formação? Para o ataque, por exemplo?
O ponto inicial das categorias de base é desenvolver jogadores em todas as posições. Claro que, em alguns casos, é mais difícil. E o ataque é um desses casos. Não é todo o dia que se encontra um jogador que faz muitos gols, que tem um talento diferenciado, aquele que tem o faro de gol. O cara com o talento pra fazer muitos gols é o caso raro. Às vezes, você tem que desenvolver este jogador e, às vezes, você tem que buscá-lo em outro clube. Mas o ponto inicial é trabalhar para desenvolver os atletas em todas as posições. Em certos momentos você vai produzir um bom meia, em outros, um bom zagueiro, em outros, um bom atacante, mas o ponto inicial é trabalhar e dar atenção para todas as 11 posições.
A Double Pass contará somente com consultores estrangeiros trabalhando no Inter ou somente brasileiros?
Nossos consultores são europeus. Os especialistas do Brasil, já estão no Inter, os seus funcionários, os seus treinadores. Nossos consultores são europeus, os talentos brasileiros já estão no clube. Nós trazemos a experiência da Europa, onde existe uma base sólida de trabalho, já trabalhamos com a Premier League e com a Bundeslisga. Serão especialistas europeus trabalhando em conjunto com as pessoas do clube. Nosso princípio é claro. Chegamos, ficamos duas, três ou quatro semanas, deixamos então que as pessoas trabalhem por outras três, quatro, cinco semanas e voltamos. O autodesenvolvimento é muito importante. Nosso princípio não é ficar um período específico e ir embora. Nosso trabalho é permanente, alternando períodos de trabalho juntos e, em outros períodos, dando a liberdade para que as pessoas trabalhem sozinhas, sem ter alguém acompanhando, julgando ou guiando. E que coloquem em prática aquilo que conversamos e desenvolvemos juntos. E, então, voltamos e vemos o progresso. E assim os ciclos vão acontecendo, divididos em dias, semanas ou meses.
Ao apresentar a parceria, o Inter citou o trabalho da Double Pass com a seleção alemã de 2014. Poderemos ver um Inter com um futebol mais europeu a partir dessa transformação nas categorias de base?
É importante destacar que o nosso trabalho foi com a Federação Alemã de Futebol, e não diretamente com a seleção principal da Alemanha. Nosso objetivo não é ter o Inter jogando como um time europeu. O clube tem o seu DNA, a sua cultura. Nós vamos guiar o clube para otimizar e melhorar a sua forma preferida de jogar. Vamos ajudar para que pensem em como otimizar, e o que podem fazer para melhorar a sua forma de jogo. Vamos fazer com que pensem como querem o seu time daqui a cinco anos. Não vamos chegar e dizer que precisam jogar como a França, a Bélgica ou a Alemanha. Nós respeitamos o DNA do Inter.