Foram vinte e cinco passos. Mais de quarenta metros vencidos com quatro toques na bola. Não havia rival capaz de interromper a arrancada que virou o placar para o Inter naquela final de Libertadores. 18 de agosto de 2010, a segunda América da nossa história sendo conquistada na explosão física no fedor a gol de um tal de Leandro Damião, gurizão centroavante em sua temporada de estreia pelo Inter.
O nome composto, sinal do modernismo futebolístico que criou Marquinhos Gabriéis e Rodrigos Caios (o que aconteceu com nomenclaturas simples como Falcão, Mococa, Cafu?), em nada representa o atacante que entre aquela noite gloriosa e o domingo último marcou mais nove dezenas de gols com a camisa do Inter. O nome que melhor identifica o cara que anotou CEM GOLS pelo Inter é rápido, é no singular, é um apelido. É o nome que o fez famoso na várzea e que, portanto, melhor lhe representa: Leandrão.
A várzea aqui destacada não é uma crítica ao maior camisa 9 dos últimos anos do Sport Club Internacional, pelo contrário. A origem varzeana do nosso centroavante (conto um pouco dela nesse texto aqui) é uma das suas maiores virtudes. Afinal, ao que parece, ninguém mais ensina os atacantes a correrem desesperados atrás de goleiros e zagueiros para tentar recuperar bolas improváveis através de carrinhos insanos. Não há escola do futebol atual que aconselhe os camisas nove a não caírem em qualquer dividida, não importa o que aconteça. O jogo precisa de mais varzeanos.
Leandrão foi o melhor centroavante da história da humanidade naquele 2011 justamente por ter conseguido colocar nos gramados profissionais o que há de várzea dentro de si. Loucura, insanidade, bicicletas, lembretas, bico, chute - e gols, muitos gols, QUARENTA gols - de qualquer lugar e jeito. Que jogador absurdo. Era como jogar videogame com aquele jogador criado, sabe? Aquele que a gente coloca "99" em todas as características e empilha artilharias e taças cibernéticas. Ninguém no futebol profissional sabia o que fazer para conter a fúria descontrolada de Leandrão. Não há jogador profissional que aguente meia hora de várzea contra si.
Pena que alguma coisa se perdeu. Lá por 2013, depois de ser artilheiro das Olimpíadas de Londres, Leandrão foi menos areia e mais arena multiuso. Passou a cair em qualquer dividida, começou a exercer alguma "função tática" na marcação que o impedia de correr enlouquecidamente atrás de goleiros assustados. Virou mais um. Começou a se lesionar, até (atleta de várzea não se lesiona). Foi vendido para o Santos e teve algumas temporadas bastante apagadas antes de voltar para o Colorado.
Parece estranho dizer, mas não haveria melhor momento para o regresso. Leandrão voltou para cá justamente quando mais próximos da várzea estávamos. Pegou aquele Inter desajeitado da Série B e brilhou. Voltou a personificar uma inabalável e goleadora torre no ataque. Nada mais o derruba, nada mais o detém. Os adversários que busquem a bola dentro do gol, azar. Foi um dos símbolos do acesso. É uma das nossas maiores referências novamente na elite.
Foram cem gols em 211 jogos. Uma Libertadores, uma Recopa, três campeonatos gaúchos. O cara que teve um início tardio no futebol profissional, que não passou por categorias de base e que deu aqueles 25 passos, evoluindo mais de 40 metros e virando aquela final, é um dos maiores ídolos da história recente do Inter. É o tipo de cara que eu jamais vou vaiar, não importa quantas bicicletas tente.
Aliás, Leandrão, não dá bola para a corneta.
Tenta a bike de novo. Volta a dar aquelas lembretas, dane-se!
Escuta o varzeano que existe em ti.
Obrigado por tudo até aqui.