Seis meses atrás, o Inter deixava oficialmente a Série B e efetivava o interino Odair Hellmann como treinador do time principal. Após o 2 a 0 sobre o Guarani, a direção apostou no ex-volante que chegou ao Beira-Rio para tentar a vida aos 14 anos. O tempo passou desde a noite daquele 25 de novembro. Como todo técnico, Odair viveu altos e baixos. Perdeu e ganhou Gre-Nais. As eliminações no Gauchão e na Copa do Brasil são contrabalançadas com mais de 85% de aproveitamento nos jogos do Beira-Rio.
Mas provou ter capacidade de reação: no clássico que poderia ter decretada sua demissão, o técnico de 41 anos segurou o empate contra o favoritíssimo Grêmio, na Arena. O 0 a 0 no clássico deu fôlego a Odair que, no jogo seguinte, conquistou a sua primeira goleada no Brasileirão, o 3 a 0 sobre a Chapecoense.
Neste domingo, às 16h, no Beira-Rio, um Odair mais seguro e confiante enfrentará um novo grande desafio, o maior rival do Inter fora do Rio Grande do Sul: o Corinthians.
Depois do treino de sexta-feira, o treinador falou com GaúchaZH e, como sempre, foi franco nas respostas. Sem fugir de nada.
O que mudou na vida de Odair Hellmann, seis meses depois de ser efetivado?
Muda a responsabilidade. Estou no clube há 10 anos, cinco no profissional. O que muda é que tu tomas a decisão. E a decisão gera consequências. A responsabilidade é muito maior. Mas tomamos as decisões com lealdade e transparência. Fora isso, antes tinha mais folga. Ia para casa, saía para passear. Agora acabou o passeio. Quando vou para casa ,vejo jogos dos adversários. Na quinta-feira, vi quatro jogos: o do Santos e três do Corinthians. Venho para o clube às 8h, saio às 14h. Chego em casa e sigo trabalhando até ficar esgotado. Depois, acho alguma coisa para sair do futebol.
Continua sendo série? Qual?
Ontem, terminei Vikings.
E na rua?
Antes ia a restaurantes, ao shopping. Agora, bem menos. Antes, é que poucas pessoas me conheciam, eu era auxiliar. Agora, aumentou o reconhecimento por parte das torcidas.
Sente-se mais seguro como treinador?
Já me sentia preparado. Mas não pronto. Pronto não quero estar nunca. Quem acha que está pronto está perto do fim. Ao longo dos treinamentos, jogos, vou melhorando. Quero sempre crescer. No início, me sentia mais ansioso, agora fico mais tranquilo. Só na hora do jogo é que a adrenalina vai lá em cima. Aí não tem tranquilidade. E isso nunca vai mudar.
No início, me sentia mais ansioso, agora fico mais tranquilo. Só na hora do jogo é que a adrenalina vai lá em cima. Aí não tem tranquilidade. E isso nunca vai mudar.
ODAIR HELLMANN
Técnico do Inter
Como veio essa confiança?
O dia a dia de trabalho vai dando força. O conhecimento e a preparação dão força, mas é a prática que te tranquiliza. Sem conhecimento, não se sobrevive.
O Inter tradicionalmente busca nomes de grife para treinador. O que não era seu caso, que veio da base e estreou como técnico principal. Sente algum peso nisso? Em uma derrota no Gre-Nal, por exemplo.
A pressão é natural em times do tamanho do Inter. Mesmo se o treinador tivesse grife, se perdesse o Gre-Nal, sofreria isso. Estou há tanto tempo no futebol que consigo entender. Não posso me desequilibrar. Preciso acreditar no trabalho, no jogador, na direção. É isso o que tento fazer desde o início. Tenho convicção e acredito que podemos melhorar mais.
O Inter entrou desacreditado no Gre-Nal, enfrentou um estádio lotado e segurou o Grêmio que vinha embalado por goleadas. Depois disso, outros times também repetiram a estratégia. O clássico é um marco no ano?
Tínhamos encontrado fórmulas nos outros Gre-Nais também. No próprio Gre-Nal da Arena (3 a 0 para o Grêmio), tomamos gol aos 48 minutos do primeiro tempo e voltamos mal. No primeiro clássico (2 a 1 para o Tricolor), tivemos um bom segundo tempo. E no outro, que vencemos por 2 a 0, também fomos bem. Mudamos o estilo, com marcação mais alta, mais pressão, e conseguimos o resultado. No mais recente (0 a 0 na Arena), tivemos uma estratégia de tentar diminuir esse domínio territorial, essa posse, essa flutuação por dentro do Grêmio. Queríamos tirar a facilidade do Maicon e do Arthur para dar passes com cabeça erguida, com espaço. Fechamos e induzimos o Grêmio a jogar para o lado, forçar cruzamento, que não é o estilo deles. E eles voltariam para o centro, onde estava fechado. Fomos perfeitos defensivamente. Nos faltou transição. E deu a impressão de que tínhamos ido para o Gre-Nal para defender. Não. Só não conseguimos atacar, erramos nisso. Tínhamos três jogadores que nunca haviam atuado juntos: Lucca, Rossi e Damião. O Zeca estreava pelo meio. Isso dificultou nossa estratégia.
Você se incomodou com as declarações do técnico Renato Portaluppi criticando o Inter, falando em futebol de Segunda Divisão?
Respeito todos os profissionais, as estratégias que usam, os sistemas que preferem. O futebol dá vários caminhos para se buscar o êxito, nós aqui estamos adotando uma. Respeito todos os profissionais que adotem uma estratégia leal e correta. Ficou muito: "Ah, o Inter veio para se defender". Mas não foi isso. Tentamos jogar. Não deu. Fizemos muito bem a parte defensiva. Não fomos bem na parte ofensiva. Aqui no Beira-Rio, ganhamos de 2 a 0, atacamos e ninguém falou que o Grêmio fez cera, que parou o jogo etc. Não. Exaltamos as nossas virtudes.
Aqui no Beira-Rio, ganhamos de 2 a 0, atacamos e ninguém falou que o Grêmio fez cera, que parou o jogo etc. Não. Exaltamos as nossas virtudes.
ODAIR HELLMANN
Técnico do Inter
Teve algum aspecto anímico especial no clássico?
Tivemos seis jogos no Brasileirão. Em todos, tivemos entrega. Contra o Bahia, deu certo. Contra o Palmeiras, tivemos problemas de arbitragem, criamos o suficiente para alcançar resultado melhor. Contra o Cruzeiro, tentamos. Te digo: é uma característica do time. É um time que se entrega, que se nega a perder, mesmo quando o resultado é adverso. O time tem comprometimento com o clube, com os companheiros.
Sem D'Alessandro nos próximos jogos, o Inter vai buscar uma alternativa com jogadores semelhantes, como Camilo e Juan Alano? Já existe um pensamento de transição, de para montar o time sem ele?
Essa palavra, transição, não existe. Quando o D'Alessandro não jogou, teve seus motivos. Quando ocorrerem essas situações de novo, vai ser conversado, pensado jogo a jogo. É natural. A característica do time muda pelos jogadores e não só pelo D'Alessandro. Pottker, Nico, Lucca, Camilo, Juan Alano... Cada um tem seu jeito. Usei o Nico centralizado contra o Novo Hamburgo, como ele jogava no Nacional-URU. Pode atuar ali. Ele tem mais infiltração. Juan e Camilo, mais armação. Vamos analisar a melhor solução dentro dos sistemas que trabalhamos, o 4-1-4-1 e o 4-4-2.
Nesses seis meses, não teve problemas em treinos. Mas o lance do carrinho do Camilo no D'Alessandro gerou repercussão, até pelos vídeos. A situação foi resolvida?
Às vezes, um jogador vai em um lance e acaba pegando uma situação a mais. Mas está tudo certo, tudo tranquilo. Não criou aspecto nenhum internamente. Nem aquela situação nem qualquer outra, em outros treinos, saiu dali do campo para o vestiário.
Mas foi esse lance que tirou D'Alessandro do jogo contra a Chapecoense?
O lance pegou um pouco o tornozelo do D'Alessandro, inchou e tirou-o do jogo. O que aconteceu naquele lance ocorre muitas outras vezes. Vocês acompanham treino e sabem. Às vezes, uma entrada de um jogador pode acabar machucando. Infelizmente são coisas que acontecem com quem está em campo.
O Inter tem 85% de aproveitamento em casa em 2018. Como chegou a esse número?
O Inter sempre foi muito forte dentro de casa. E conseguiu buscar isso novamente, com os jogadores, com as demais pessoas que ficam aqui. Temos mais um jogo dentro de casa e precisamos continuar. Porque depois, quando sai e consegue pontos, disputa a parte de cima do Brasileirão.
Qual é a expectativa para o time até a parada para a Copa?
Traçamos duas metas, a curto e médio prazo. A curto, tratamos jogo a jogo. Sabíamos que essa parte inicial seria dura, parando para a segunda parte depois da Copa. A médio prazo, buscar o máximo de pontos até a parada, para quando voltar, disputar as primeiras colocações.
Como avalia a campanha até agora?
Ainda tenho um gosto amargo pelos dois pontos do jogo contra o Cruzeiro e a derrota para o Palmeiras. Fizemos por justiça ganhar no Pacaembu. Poderíamos estar com mais pontos. Jogamos para alcançar isso. Esses resultados estão entalados, mas vamos recuperar. Com força em casa e buscar fora os pontos que ficaram para trás.
Quero deixar claro que eu jogava mais do que Rodrigo Caetano (risos). Ele vai ficar sabendo disso pelo jornal. Não vou falar pessoalmente. Vou esperar a repercussão pela Zero Hora. Se ele ficar brabo, retiro. Era bom jogador
ODAIR HELLMANN
Técnico do Inter
Que benefícios pode trazer o recesso para a Copa?
O recesso para a Copa vai ser igual para todo mundo. Não traz benefício técnico para ninguém. Todos vão fazer suas programações e retomar. Temos é que fazer bem essa parte.
O que espera de Rodrigo Caetano, novo executivo de futebol?
Estamos nos conhecendo. Quando um profissional chega no clube, passam milhões de informações. Eu, mesmo, estou passando. É a obrigação de todos os que estão aqui ajudar a se ambientar. Quero citar o Jorge Macedo por tudo o que ele fez pelo Inter. Trabalhamos juntos muito tempo e torço para que as oportunidades apareçam e que ele siga seu caminho. O Rodrigo Caetano é um precursor dessa atividade no Brasil, um cara experiente. Está há 15 anos em atividade e só passou por quatro clubes. E, no Brasil, só tem trabalho duradouro quando tem muita competência, resultado. Fico muito feliz por essa contratação.
Lembra do Rodrigo jogando?
Lembro. E quero deixar claro que eu jogava mais do que ele (risos). Ele vai ficar sabendo disso pelo jornal. Não vou falar pessoalmente. Vou esperar a repercussão pela Zero Hora. Se ele ficar brabo, retiro. Era bom jogador (risos).
No domingo, encontrará Osmar Loss, seu ex-colega aqui do Inter.
Ele era auxiliar do profissional e eu, do Clemer. Conversávamos muito, Jardine, Loss, Clemer e eu. Trabalhávamos juntos.
Por essa razão, de encontrar dois técnicos saídos da base, o jogo em algum sabor especial?
Inter x Corinthians é um grande jogo. Independentemente de quem esteja. É um clássico do futebol brasileiro, todos vão observar, assistir. É um orgulho participar dele. Quero fazer um grande jogo, com estádio lotado, repetir o desempenho e a efetividade, para dar alegria à torcida.
Nesses seis meses, qual foi o melhor e qual foi o pior momento?
Tivemos oscilações, mas sem um hiato grande entre elas. As derrotas doem e tem que ser assim. Não dá para aceitar. Quando um profissional do futebol aceita a derrota, ele está morto. Precisamos recuperar e dar a volta. Perder faz parte, mesmo sendo campeão, perde. Mas tem que rapidamente buscar a vitória. Quanto mais regularidade tiver no resultado positivo, mais perto do título está. Ganhar é sempre bom. O Gre-Nal do Beira-Rio, de 2 a 0. Quase revertemos. Saí feliz com a reação que tivemos, com a vitória, com o aplauso e o reconhecimento da torcida, mesmo sendo desclassificado.