Por Amanda Munhoz e Rafael Diverio
O gol mais bonito do Inter em 2018 não foi transmitido ao vivo. Após um lançamento para a área, a defesa adversária afastou e, no rebote, o jogador colorado pegou de pé esquerdo, sem deixar a bola cair e acertou o ângulo, longe do goleiro. Para ver essa bela peça, basta abrir o YouTube e digitar "Seijas Inter B" (clique aqui para ver o gol). Em 8 de março, Luís Manuel Seijas fez dois dos três gols do time sub-23 colorado sobre o São Gabriel, em um amistoso disputado no Estádio Sílvio de Faria Corrêa, na cidade da região central do Estado homônima ao time.
Afastado do time principal, o meia de 31 anos, que chegou em 2016 com a missão de ser uma espécie de substituto de um D'Alessandro então emprestado ao River Plate, treina em Alvorada com os guris da base. Com contrato expirando só na metade de 2019, sua dedicação ao trabalho é considerada exemplar e seu desempenho em amistosos contra equipes do Interior, elogiados. Apesar disso, o jogador não sensibiliza a direção e a comissão técnica, que o mantém trabalhando no CT Morada dos Quero-Queros ao lado de Fernando Bob e Eduardo Henrique.
Sem espaço desde o início de 2017, quando perdeu espaço com Antônio Carlos Zago, o venezuelano andou emprestado para a Chapecoense. Mesmo sem ter feito um bom ano, segundo ele mesmo, só retornou ao Inter porque o time catarinense considerava seu salário muito acima do teto. Desde janeiro, trabalha com os meninos.
E o venezuelano, com seu jeito tranquilo, voz baixa, em um portunhol mais para "portu" do que para "nhol", recebeu Zero Hora para uma entrevista de 40 minutos.
Como você está se sentindo?
É o momento de voltar à minha carreira e valorizar tudo aquilo que consegui. Hoje, que estou trabalhando com a molecada que está começando, que não sabe se vai dar certo ou não, valorizo tudo o que aconteceu comigo. É difícil para um guri de 15, 16 anos optar pelo futebol. Então, olho e falo "deu certo comigo". Mas às vezes não dá. Eu sou e fui abençoado. E, depois, tento ser um exemplo para os guris. Estou treinando como se estivesse no profissional. Os amistosos são momentos para tentar mostrar, não com palavras e sim com ações, que estou aí, brigando.
Não é pouco, pela tua história no futebol, pelos títulos, pela passagem na seleção venezuelana?
Se você colocar assim, pode ser. Mas o futebol é dia a dia, é presente. No final, a história pesa. Não achava que teria essa situação de agora, mas aconteceu. A situação é ruim, mas não posso deixá-la pior. Trabalho muito e tenho muita confiança de que alguma coisa vai aparecer no meio do ano.
Por que acha que está nessa situação?
Na verdade, não tenho resposta concreta. Tenho minhas deduções, que não gostaria de falar, até para evitar algum problema. Mas o rebaixamento pesou muito. Não sei se só nas minhas costas. Não acho que seja desse jeito. Mas pesa. E pesou. No ano passado, não consegui o meu melhor, não joguei com regularidade na Chapecoense, me machuquei muito, o que nunca tinha acontecido na minha carreira. É uma série de acontecimentos que faz com que o Inter decida isso.
Não tenho resposta concreta. Tenho minhas deduções, que não gostaria de falar, até para evitar problema. Mas o rebaixamento pesou muito. Não sei se só nas minhas costas (...) Mas pesa. E pesou.
SEIJAS
Jogador do Inter
Teve algum problema fora do campo? Alguma briga?
Não. Nunca. Nem com a diretoria anterior nem com a atual. Eles mesmos podem te confirmar isso. Sou profissional, trabalho, chego cedo. Acho que não tem relação com que está acontecendo.
Tem algo a ver com a nova direção?
Não. A saída no ano passado foi por uma opção técnica. Zago (Antônio Carlos, ex-técnico) não confiava em mim. Só joguei um amistoso começando a pré-temporada e não me deu confiança. Fiquei sem espaço. Aí saiu a chance de ir para a Chapecoense e achei que era o melhor. E eles também acharam. Mas não partiu deles a ideia de ser emprestado. Duas semanas depois, o Zago foi embora. Pensei que, se tivesse esperado, talvez pudesse ser diferente.
Mas, no fim do ano, o que falaram?
Falaram em 30 de dezembro, achei que não foi legal eles esperarem até essa data. Aconteceu assim: eu tinha passagens para me apresentar no dia 2 (de janeiro). Me ligaram para dizer que eu deveria me apresentar no dia 8 com um segundo grupo. Mesmo quando estive aqui, em Porto Alegre, fazendo a recuperação, eu não perguntei nada. O Inter estava disputando o acesso, e achei que não era legal tratar disso na época, por isso não teve conversa.
Como é a relação com o Odair?
É boa. Não cruzei com ele nunca mais (desde o afastamento do grupo principal), mas sempre foi um cara legal com a gente. O grupo tem química com ele. Por esse lado, fiquei um pouco surpreso (com a falta de oportunidades). É como eu falo: não tinha certeza que ia jogar ou que seria parte importante do grupo. Mas esperava que teria chance. E, aí, a bola estaria nos meus pés. Mas não foi o que aconteceu.
Como é a relação com os demais líderes do grupo, como D'Alessandro, Danilo Fernandes, Rodrigo Dourado...?
São caras excepcionais. Nunca tive problema com nenhum deles. D'Ale era meu colega na concentração, conversávamos muito. Danilo era meu vizinho quando morávamos em outro condomínio. Com Dourado, tinha contato até no tempo da Chapecoense.
Eles te procuram, falam contigo agora?
Não. E eu também não procuro muito. É uma situação delicada, entendo. Mas Uendel escreveu para me parabenizar pelo gol em São Gabriel. Achei legal, achei um lindo gesto.
Como tem sido jogar com o time B pelo Interior? Até por tua relação com a torcida...
Muitas pessoas falam que os torcedores gostam de mim porque eu falo. Acho que não é verdade. É a minha visão. Tentei o melhor. E, às vezes, o momento coletivo faz com que o individual não ressalte. No primeiro semestre, fiz cinco gols em 20 partidas. É uma boa média. Quanto ao jogo lá em São Gabriel, foi como voltar ao sub-15, sub-17. Levei com tranquilidade, curtindo com a gurizada. O Inter tem um grupo bem legal entre os guris que querem fazer seus nomes como jogador. E este é o meu momento de falar alguma coisa. O jogo foi bem pegado, com a torcida xingando a gente. Foi o mais parecido a um jogo normal. Aproveitei por isso. Semana que vem, acho que vai ter um amistoso contra o Novo Hamburgo. E os gols para mim foram importantes, são uma vitória pessoal. Estou me sentindo bem, no meu melhor momento técnico e físico. Lamentavelmente, não tenho onde mostrar.
A ideia é voltar ao time principal?
Não perco a esperança. Em futebol, as coisas mudam rápido. Tenho bem claro que as chances são quase nulas. Então, daqui a pouco acontece a troca. Futebol está cheio de lesões. Minha ideia era que isso acontecesse (ser reaproveitado). Também porque a minha família está muito bem. Estamos felizes porque nossos filhos estão curtindo. Ainda tenho um ano e meio de contrato.
Não perco a esperança (de voltar ao time principal). Em futebol, as coisas mudam rápido. Tenho bem claro que as chances são quase nulas (...) Minha ideia era que isso acontecesse. Também porque a minha família está muito bem. Estamos felizes porque nossos filhos estão curtindo.
SEIJAS
Jogador do Inter
A situação é semelhante à do Cláudio Winck (chamado ao time principal depois de se destacar pelo Inter B)?
Acho que é diferente pela idade do Winck, pelo perfil dele. Naquele momento, o William tinha saído, e a posição estava aberta. Mas não perco a esperança.
Você recebeu propostas de outros clubes neste período?
Sim. Chegaram duas propostas. E eu achei que não eram boas. Para mim, o melhor era esperar e falei que não. Não sei se isso fez com que a direção ficasse com um tipo de desconforto, mas eles entenderam os meus motivos. Estou em um momento da minha vida que não penso só em mim. Tenho de levar em conta minha esposa, meus filhos. Coloquei tudo na balança e decidi que o melhor era esperar. E sigo achando. Agora, abre a janela de novo, os times começaram a procurar depois dos Estaduais.
A direção chegou a propor rescisão?
Sim. Saiu na imprensa. Mas achei que os termos não favoreciam. E por isso essa conversa não prosseguiu.
Você vê espaço no grupo?
Espaço tem, né? O campo é bem grande (risos).
E pelas características?
Gostaria de pensar que sim. Acho o grupo bem qualificado. Se a diretoria e o corpo técnico acham que eu não tenho espaço, não posso discutir. Até porque tem bons profissionais lá agora.
Gostaria de pensar que sim (vê espaço no time). Acho o grupo bem qualificado. Se a diretoria e o corpo técnico acham que eu não tenho espaço, não posso discutir.
SEIJAS
Meia do Inter
De repente não como titular, mas parte do grupo.
Eu gostaria. Acho que mereço uma oportunidade. E o Inter decidiu que não.
Quem disse em algum momento, após 2016, o motivo de você ter saído do grupo? Era por ser caro?
Na verdade, não sei. Sei que meu 2017 foi ruim por muitos motivos. Não consegui dar o meu melhor, tive problemas internos. Vejo hoje que, em 2017, eu tinha de procurar uma ajuda, um psicólogo. Tinha de desabafar muitas coisas, e o meu erro foi esse. Foi muito ruim. Cheguei a pensar que tinha esquecido como se joga. Entrava no campo e sentia que algo ia dar errado. Passei por coisas que jogadores passam e não enfrentei como deveria. Por isso, machuquei muito.
Coisas pessoais?
Não. Da profissão mesmo. E isso me atrapalhou. Sei que meu 2017 foi abaixo do que posso dar. Hoje, estou trabalhando com um psicólogo esportivo que me ajuda. E o meu bom momento é porque me sinto mais leve.
É uma palavra muito forte. Acho que não foi bem depressão. Mas foi algo parecido (...) A gente é humano, tem problema, coisas que mexem com a cabeça, preocupações (...) Tive vontade de largar tudo, de não jogar mais.
SEIJAS
Jogador do Inter
Chegou a ter depressão?
É uma palavra muito forte. Acho que não foi bem depressão. Mas foi algo parecido. O torcedor, às vezes, não sabe. Ele paga e vai no campo, mas não vê o que tem atrás. A gente é humano, tem problema, coisas que mexem com a cabeça, preocupações. Mesmo que economicamente, para muitos torcedores, eu não tenha preocupações. Assim como ganho bem hoje, no ano que vem, fecha a torneira e acabou. Não sou um cara novo. Tive vontade de largar tudo, de não jogar mais. Falei com a minha esposa. Eu, graças a Deus, tenho uma família que me ajuda. E maturidade para enfrentar o que vinha depois. Foi bem difícil.
Sente-se melhor agora?
Hoje eu tenho vontade. Não penso mais em parar. Mas 2017 foi difícil.
Chegou a se arrepender de vir para o Inter?
Claro que não. Para mim, é uma pena. Em seis ou sete jogos, estive no meu melhor. Mas o time não estava bem. Tivemos momentos bonitos, a vitória contra o Santos, o gol contra o Fluminense. São coisas que vou lembrar para sempre. Para mim, como venezuelano, é muito difícil conseguir algumas coisas. Ainda mais em um país como o Brasil. Hoje tem o Guerra (no Palmeiras), Otero (no Atlético-MG), que estão voando. Conseguir chegar a jogar no Brasil é uma conquista para mim. É impossível que me arrependa.
Claro que não (me arrependo). Para mim, é uma pena. Em seis ou sete jogos, estive no meu melhor. Mas o time não estava bem. Tivemos momentos bonitos, a vitória contra o Santos, o gol contra o Fluminense. São coisas que vou lembrar para sempre. Para mim, como venezuelano, é muito difícil conseguir algumas coisas. Conseguir chegar a jogar no Brasil é uma conquista para mim. É impossível que me arrependa.
SEIJAS
Meia do Inter
Sente algum tipo preconceito por ser venezuelano?
Normal. Mas já aprendemos a conviver. Joguei na Colômbia, na Europa, e, batalhando, consegui minhas coisas. Se parasse hoje, ficaria feliz com as coisas que fiz. Faltou só jogar a Copa do Mundo.
Bom, mas daí nenhum venezuelano jogou (risos). Vocês ainda foram os que chegaram mais perto.
Verdade. Sempre ficamos a dois, três pontos de conseguir a vaga. Fizemos a melhor Copa América da história da Venezuela (em 2011), estou no top-10 dos jogadores que mais jogaram na seleção.
Estão sendo divulgadas muitas investigações sobre a gestão Vitorio Piffero, quando você chegou ao Inter. Percebeu algo naquele momento? Isso interferiu no vestiário?
Não. Naquele momento, não tinha notícias disso. Acho que o rebaixamento passou mais pelo mental, por não conseguir assimilar o que estava acontecendo. Tinha momentos em que, se tomássemos um gol, acabava a partida. Não reagíamos. Claro que falar com o jornal de segunda-feira sempre é mais fácil. Mas vejo que o rebaixamento aconteceu em dois jogos: Santa Cruz e Ponte Preta, ambos em casa. Mesmo perdendo para o Vitória, para o Corinthians. Nas férias, com a cabeça mais fria, olhei a tabela. Ganhamos jogos difíceis, com Flamengo, Santos. Mas quando precisou dar o salto, diante de Santa Cruz e Ponte Preta, não conseguimos. Diziam que nosso time era ruim, mas não era. Tinha grandes jogadores, que inclusive ainda estão no time.
Tem relação de amizade em Porto Alegre?
Sim. Temos uns uruguaios amigos do outro prédio. Minha esposa conheceu uma venezuelana, com o marido brasileiro e torcedor do Inter fanático, que tem até tatuagem do símbolo do clube. E fizemos uma boa amizade.
E no futebol?
Sim. No futebol, como falo, como estou nessa situação, se afastou um pouco. Amizade se fortalece no dia a dia do clube. Mas tenho pessoas bem leais, e no final, é isso que vai ficar. Na Chape, também tenho. Rui Costa é um dos melhores dirigentes que conheci na carreira, pelo trato pessoal com os jogadores. No ano passado, apesar do meu problema pessoal, a Chapecoense acabou bem, fez a melhor campanha da história. Depois daquilo que aconteceu (o acidente aéreo que vitimou 71 pessoas). E isso também era difícil de assimilar. Mas aí o grupo deu a volta. Na Chape começamos bem, depois tivemos uma queda de rendimento. E ficou ruim porque as feridas estavam recentes, havia comparação com os companheiros que estavam no avião...
O acidente mexeu com vocês.
Claro. Eu chorei muito. Minha esposa também. É difícil não se colocar na situação. Ainda mais aqui no Brasil, que é um país muito grande. Antes do acidente, falava que nas minhas férias não iria curtir nada se acontecesse o rebaixamento. Mas o acidente me fez entender que futebol é futebol e a vida é outra coisa. Minhas férias foram tranquilas por saber que fiz tudo o que podia (para evitar o rebaixamento). É difícil não pensar que a vida não vale nada. Impossível não sentir.
Você se priva de fazer alguma coisa por esse momento?
Não. Nunca me privei. Na época do rebaixamento, tentava. Mas o jogador precisa ter a vida normal. Sei que tem a pressão do torcedor. Até um momento da minha vida, quando perdia um jogo, não fazia nada. Depois, quando nasceu minha filha, mudei. Não vou ficar trancado em casa só porque perdi um jogo do campeonato. Até porque nunca foi um cara de excessos, no máximo saía para jantar com minha esposa, tomava um vinho. Aliás, se tem alguma parte boa na situação atual, é essa, de conviver com a família. Levo a Olívia (filha de três anos) na escola, busco. Coloco ela para dormir, conto histórias. Em 2017, elas ficaram aqui quando fui para Chapecó e perdi muitas coisas. Isso foi difícil. Sentia que a Olívia não estava tão apegada a mim. E isso mexeu comigo.
Já recebeu alguma proposta?
Não, ainda não. Mas já comecei a pressionar o empresário para tentar fechar alguma coisa. Se for para fora, melhor. Estou em uma idade que quero conhecer outras coisas. Se chegasse uma proposta da Arábia, dos Estados Unidos, por exemplo, eu iria. É bom para as crianças e para mim conhecer mais lugares.
Não, ainda não (recebi propostas). Mas já comecei a pressionar o empresário para tentar fechar alguma coisa. Se for para fora, melhor. Estou em uma idade que quero conhecer outras coisas. Se chegasse uma proposta da Arábia, dos Estados Unidos, por exemplo, eu iria. É bom para as crianças e para mim conhecer mais lugares.
SEIJAS
Jogador do Inter
Quanto tempo dura a sua carreira?
Eu vou para 32 anos, acho que mais três ou quatro anos. Posso continuar se sentir que estou bem.
E depois deixa o meio do futebol?
Estou fazendo master de gestão esportivo. Estou entendendo muitas coisas, como se administra um clube, uma carreira. Não acho que seria treinador. Mas tenho a ideia de fazer um projeto e não ter de ficar no futebol. Adoro e amo futebol, ele me deu muitas coisas. Mas gostaria de ficar fora. Tem algumas coisas no futebol que não concordo. Se puder ficar de fora, fico de fora.
Poderia voltar para a Venezuela? Como vê a situação lá?
Está bem complicado. A gente comenta que as famílias venezuelanas só se encontram por Skype. Todos vão embora do país. Meus irmãos foram embora, os irmãos da minha esposa foram também. Ficaram só os nossos pais. E que o que chega de notícias aqui é só a ponta do iceberg. Embaixo, tem muito mais coisa que acontece. Os venezuelanos, antigamente, quando viajavam, pediam presentes. Hoje, pedem remédios. Uma Aspirina, mesmo. Minha sogra tem artrite, lá não tem medicação. E se tem, tem que pagar 15 vezes. Eu, graças a Deus, posso estar fora e moro fora, minha casa é na Colômbia. E isso é graças a futebol.