Às 10h30min de 6 de agosto de 2015, Odair Hellmann cumpriu o objetivo que tinha na carreira desde a famosa sexta-feira de 2009 que foi ao Beira-Rio pedir emprego para Fernando Carvalho. As dores nas costas decorrentes do acidente com o ônibus do Brasil-Pel lhe impediam de seguir jogando e após reunir a mulher, Jacqueline, e os filhos para informar que "o pai não ia mais jogar", iniciaria a vida fora do campo. Haviam traçado uma meta: ser treinador de time profissional aos 40 anos. De preferência, do Inter.
Às 10h30min de 6 de agosto de 2015, Odair Hellmann tinha 38 anos. Auxiliar do time principal do Inter havia duas temporadas, depois de passar por todos os outros cargos de comissão técnica possíveis, tinha sido chamado por Dunga para compor o grupo principal em 2013. Havia trabalhado com o capitão do Tetra, com Clemer, com Abel Braga e com Diego Aguirre. Era no lugar do uruguaio que vinha sua oportunidade. Mal sabia ele que aquele 9 de agosto de 2015 seria chamado por ele e qualquer pessoa ligada de "aquele dia".
Naquele agosto de 2015, o Inter dava sinais de ter perdido o rumo. Eliminado na Libertadores na semifinal para o Tigres, Aguirre – que já não era a primeira opção da direção – estava desgastado. Três dias depois de um empate em casa contra a Chapecoense, precisamente ás 10h30min de 6 de agosto, a dupla Vitorio Piffero e Carlos Pellegrini demitia Aguirre e informava a Odair que ele comandaria o time interinamente até que um novo técnico fosse contratado. A estreia seria no domingo, na Arena, contra o Grêmio de Roger. A justificativa veio do ex-presidente:
– Valorizamos o Gre-Nal. Criamos um fato novo para o Gre-Nal.
Odair não teria tempo para montar o time como lhe agradava. Apostaria em um time sem invenções e "cascudo" para pegar um adversário em franca ascensão. O conjunto de precipitações, falta de planejamento e confusões transformou a chance de Odair em um pesadelo. O 5 a 0 é considerado o marco da virada da gangorra, que se confirmaria nos anos seguintes, com os títulos do Grêmio e o rebaixamento do Inter.
– O Inter tinha alguns problemas naquela época, e Odair tinha pouco tempo para arrumar o time do jeito que gosta. Mas mesmo assim, a derrota abalou muito, o Gre-Nal é superdimensionado aqui no RS, faz parte. Aquele dia, ele se sentia a pior pessoa do mundo. Falei para levantar a cabeça, se comportar como um vencedor, fui até meio ríspida. Disse: "O pior já aconteceu. Agora faz o time que tu acha melhor e ganha do Fluminense". E ele ganhou _ recorda Jacqueline, mulher de Odair, última pessoa de fora do Inter a falar com o treinador antes de qualquer jogo e primeira a falar com o treinador depois de qualquer jogo.
A vitória contra o Fluminense amenizou, mas não apagou o carimbo dos 5 a 0. E Odair obedeceu a mulher: levantou a cabeça para ser campeão. Sua atividade no Inter ganhou reconhecimento da CBF.
– Preciso do Papito – disse Rogério Micale quando se preparava para montar a comissão técnica que disputaria a Olimpíada do Rio.
Papito era considerado fundamental por seus conhecimentos de futebol e por outra característica marcante, a gestão de pessoas. Ele era a peça necessária para "domar" um vestiário jovem, mas estelar, com diversas celebridades da bola, como Gabriel Jesus, Gabigol, Felipe Anderson e, principalmente, Neymar.
Um das histórias sobre a participação de Odair naquele ouro olímpico é já consagrada no folclore do futebol brasileiro. Antes do jogo decisivo, goleiros do Brasil comentavam sobre os lados preferidos dos cobradores de pênaltis alemães. Um deles era Petersen. No vídeo recebido pela comissão técnica, o atacante tinha quatro cobranças: duas no canto direito e duas no canto esquerdo. Estabeleceu-se um debate sobre onde ele chutaria. Novo impasse. Weverton, goleiro brasileiro, consultou Papito. O treinador, então, falou: "Olha bem, os chutes do lado direito são em final de jogo, estádio lotado, pressão. Os do lado esquerdo são em jogo-treino. Agora, pula para a direita e defende". Justamente, o pênalti foi para a direita.
No meio de 2017, há outra data marcante para Odair – que talvez tenha até colaborado para sua efetivação no final do ano. O auxiliar tinha sido convocado para trabalhar no Torneio de Toulon, na França, em maio. Ao cruzar o Atlântico e desembarcar na Europa, recebeu uma ligação de Roberto Melo. A ordem era retornar imediatamente porque Zago havia sido demitido. E Papito voou de volta a tempo de dar um treino e comandar o time na vitória de 2 a 1 sobre o Palmeiras na Copa do Brasil. Foram 20 horas de voo e três de solo. Para quem tem medo de avião, um desafio.
Chegamos, então, a 25 de novembro de 2017. Ao final de Inter 2x0 Guarani, na última rodada da Série B, a direção do Inter divulgava que apostaria em Odair para o ano seguinte. A decisão havia sido tomada na madrugada anterior.
– Ele me ligou. "Eles querem que eu assuma o Inter", me disse. Só respondi: "Parabéns". Talvez ele estivesse em dúvida, mas somos assim, se um tem dúvida, fala com o outro que a dúvida vai embora. As coisas mudariam um pouco, haveria mais pressão, mais responsabilidade, a chance de dar a última palavra. Mas a pessoa não vai mudar. Ele continuaria sendo o mesmo – diz Jacqueline.
Bom, talvez a grana também mudasse com a mudança de cargo.
– Bem que eu queria dizer isso. Que o que mudou desde aquele dia foi a conta bancária. Mas isso não aconteceu ainda – brincou Odair na entrevista coletiva de sexta-feira.
Mas o fato é: Odair conseguiu, mesmo, ser treinador aos 40 anos. E do Inter. E no Gre-Nal.