Andrés Nicolás D’Alessandro começou a tarde do seu jogo de número 400 pelo Internacional discutindo. Ainda não havia partida e D’Ale já estava brigando. Jean Pierre Lima separava um confronto antes mesmo de dar o primeiro apito no Gre-Nal 413. Estávamos ainda no cerimonial de abertura da partida, aguardando a protocolar moedinha definir quem-atacaria-para-qual-lado e o nosso capitão já discutia com o deles.
Jogar uma moeda para cima, dizem, entrega ao aleatório o poder de definir situações. Quando o juiz atira o objeto de metal para o ar, assume-se que os dois lados (cada um representando, ali, uma equipe de futebol) têm a mesma chance de acabar as suas piruetas no ar olhando para cima. Mentira. Ao se jogar uma moeda para o ar em março de 2018, não há possibilidade de a face gremista perder para a face colorada.
Essa moeda está viciada. Quebrou em alguma das subidas da gangorra, se perdeu em algum caminho entre Lanús e Lucas do Rio Verde. Não há acaso, aleatoriedade ou probabilidade matemática que permita ao Inter, em março de 2018, competir de igual para igual com o Grêmio. D’Alessandro sabe disso e, assim, mostrou qual vai ser o único jeito do Inter superar o tricolor - seja na moedinha para o alto ou no jogo jogado dentro de campo: na base do caos, da baderna e da insanidade.
Relembra comigo o primeiro tempo. Tu te recordas de ter visto algum banho de bola semelhante em algum Gre-Nal dos últimos 50 anos? Eu não. O Grêmio marcou dois gols, distribuiu dribles (inclusive os desgraçados chapéus do ainda-mais-desgraçado Pedro Geromel), trocou passes debochados, assumiu o total e completo controle da partida antes que alguém de vermelho pudesse tentar esboçar qualquer reação técnica ou anímica.
E, aí, o Grêmio mostrou o que é: um time técnico, habilidoso, frio, que joga fácil e se altera muito pouco. A maturidade dos jogadores gremistas é um troço impressionante. O Grêmio não se abala, não pisca, não balança em nenhum momento. Como se acostumou a superar os seus adversários sem grandes sustos - vale lembrar a Libertadores conquistada sem nenhuma gota de suor aparente, sem nenhum jogo verdadeiramente marcante ou vencido mais na superação do que na habilidade -, o time de azul assuma uma postura meio blasé e bastante irritante - ainda mais para quem está perdendo o jogo.
A palestra do intervalo deste clássico deve ter sido a mais brilhante já conduzida por qualquer treinador de futebol. Odair, sabe-se lá como, fez com que a possibilidade iminente de mais um fiasco fosse totalmente destruída. O Inter voltou indignado, brigador, maluco atrás da bola, dos gols, do resultado. Ali, o colorado mostrou que goza de uma das únicas virtudes que esse time do Grêmio não parece possuir: o poder de indignação, a vontade desesperada de arrancar (e é esse o termo) o resultado que seja necessário.
Enquanto esse Grêmio vencia campeonatos sem a necessidade de invocar a tal da “imortalidade” e aceitava tranquilamente as derrotas que lhe foram impostas (vide a Copa do Brasil de 2017, vide o time apático que sequer tentou jogar a final do Mundial), esse Inter foi se acostumando com um ambiente bélico.
Esses caras se firmaram no time com vidros quebrados após as partidas, com dois anos de puro sofrimento e tensão, com a necessidade de, rodada após rodada, superar uma monumental pressão em toda e qualquer partida que aparecia. Esse elenco colorado se formou em um sofrimento nunca antes navegado por nós e descobriu na superação a sua maior virtude em campo - mesmo quando todo o resto lhe falhava.
Foi assim, na base do sangue no olho e do abraço no caos que o Inter voltou para o segundo tempo. Fez gol, pressionou, criou chances, dominou o jogo, passou 45 minutos no campo de ataque. Nico teve dois ou doze chutes. Edenílson teve chance. Roger teve chance. Foi bonito de ver, mas não o suficiente - pelo menos hoje - para sair com resultado melhor.
Há um abismo entre os times de Grêmio e Inter nesse 2018 que se inicia. A diferença técnica é tamanha que nem parece que as equipes praticam o mesmo esporte. Nas condições normais de temperatura e pressão, não haveria chance de o Grêmio perder. Mesmo jogar uma moeda para o ar terá um resultado garantido: vitória do Grêmio.
Assim sendo, não vamos deixar essa moeda cair.
Vamos começar a discutir com eles enquanto ela ainda faz piruetas pelo ar.
Vamos querer vencer o jogo antes mesmo dele começar.
Vamos derramar em campo a raiva que acumulamos por termos enfrentado Boas Esportes, CRBês e Luverdenses.
Vamos superar esses caras na única virtude que eles não têm - e que nós temos de sobra: a superação, a vontade irada de vencer.
Ou essa moeda cai para nós, ou não cai mais.