Por Amanda Munhoz, Leandro Behs e Rafael Diverio
Odair Hellmann está curtindo os últimos dias de férias no Rio, mas o telefone não sai de seu lado. Em sua primeira oportunidade como técnico principal, justamente no Inter, o clube que o lançou para o futebol, não quer perder nenhum detalhe, nenhuma participação daquela que considera a chance de sua vida. De frente para a praia, Papito, como é conhecido entre os jogadores, atendeu a ligação de Zero Hora e falou sobre os cursos de aperfeiçoamento, o começo do trabalho, o modelo de jogo e a família.
Não é só férias que está passando aí no Rio?
Não, mesmo. Fui para Paris fazer um estágio no PSG. Quando terminou, em 8 de dezembro, cheguei ao Rio e fui direto para Teresópolis, fazer o curso da CBF, que foi até dia 17. Agora, vou curtir um pouco com a família nesses próximos dias. Mesmo assim, estou de férias, mas em conversa com direção e comissão técnica. Para te dar uma ideia: o Cristiano Nunes (novo preparador físico) está no Japão, tinha treino lá. Ele não podia falar antes do meio-dia. Aí marcamos uma videoconferência à 1h aqui e foi até 3h. Maurício Dulac, Cristiano e eu montamos planilhas de treinamentos, logística e tudo o mais na madrugada.
O que mais pode contar do curso?
Havia 105 profissionais, foi uma troca de experiências maravilhosa. Conversei com o Zé Ricardo, o Fábio Carille, o Jair Ventura, depois o Jorginho, o Cristóvão. Ali, vamos buscando situações para o dia a dia, que os caras já viveram. Fora o conteúdo do curso. Para mim, mostrou que eu estou no caminho certo, consolida a convicção.
Você falou em Zé Ricardo, Jair Ventura e Carille. Todos viveram sua mesma situação, auxiliar promovido a técnico.
Me encostei neles de propósito. Dei uma passadinha de braço num, para puxar o título do Brasileiro de um, do Carioca de outro, e assim por diante (risos).
Contaram um pouco do caminho?
Contaram tudo. Todos ficaram muito felizes pela oportunidade que me foi dada, me disseram que vão ter momentos que acontecerão turbulências, mas que é para eu seguir firme. Me encorajaram muito.
Antes disso, teve a temporada do PSG. Como foi?
Foi muito bacana. Fiquei oito dias, observei treinamentos, conversei com o treinador, vi métodos de treino, comportamento tático do PSG. Observando lá, vejo a distância para o futebol brasileiro. Por exemplo: o PSG tem 19, 20 jogadores no grupo, o restante são meninos da base. No jogo em que eu assisti, o time não tinha zagueiro no banco. Quando tem um problema de um jogador no treino, o auxiliar entra e participa. Imagina isso no Brasil.
Mas isso é uma questão cultural.
É cultural. O que eles fazem? Os 19 jogadores são destaques em todo o mundo. O time titular é uma seleção, os reservas também. O Di María, por exemplo, está no banco. Eles, culturalmente, têm grupos menores, investem muito nesses nomes. Nós, culturalmente, temos grupos maiores. Isso é uma das observações. A diferença de possibilidade de contratações é outra. Eles levaram o Neymar. Não tem como comparar. Mas tem outras coisas, como métodos de treinamento, que não são distantes do que temos aqui.
Tem também diferença de comportamento entre os jogadores.
Uma vez vi uma entrevista do Grafite, em que ele foi perguntado por que quando os brasileiros vão para lá, comprados por 15, 20 milhões de euros, são colocados para treinar separado, na reserva, sem reclamação. Ele respondeu que, se não estiver inserido no processo deles, da maneira como querem, vai treinar separado, sim. Aqui, precisamos ter essa situação, para criar um hábito de regra. Aqui, ficam bravos quando são tirados do time. Lá também tem uma cultura muito forte de uma espécie de rodízio. Quando eu cheguei, o Marquinhos não estava no banco. No outro jogo, era titular. É assim, dá ritmo para um, para outro.
Não existe crise em cima disso.
Não, não existe crise ou especulação quando isso acontece. É natural.
E dá para trazer isso para o Brasil?
Ah, eu acho que dá. É um processo, não é uma coisa que se faz no primeiro dia. Lá, fui ao estádio observar o jogo, o PSG estava empatando com um dos últimos colocados, e não teve vaia, desespero. No finalzinho, o PSG venceu.
Deu tempo para jantar com o Neymar?
Deu tempo, sim.
Você falou sobre as contratações: como tem visto a movimentação do mercado no Brasil?
Mercado é sempre assim, tem bastante conversa e pouca coisa concreta. Todo mundo fica especulando, empresário, jogador, clubes. Quando o mercado brasileiro não tem dinheiro para compras, precisa ser criativo.
O que pode falar dos jogadores que o Inter contratou (Gabriel Dias, Ruan e Roger)?
São jogadores que se destacaram nos clubes deles. Ruan é um jovem lateral de muita força, se destacou na Série B. Roger é um jogador experiente, com características de centroavante, próximas às de Damião. É importante para ter no grupo, fora a experiência de vida dele. E o Gabriel também. Foi bem no Paraná, que tinha um time bem ajustado, com ele bem inserido neste sistema. Foi uma oportunidade de mercado. Além de ter feito excelente Série B, tinha contrato terminado.
Quantas contratações precisam para fechar o grupo?
Estamos conversando sobre situações pontuais, mas não podemos ficar engessados. O Inter tem de estar sempre aberto para negócios. Não posso te dizer que vamos trazer 10 ou 15. O Inter tem muitos jogadores no grupo, voltando de empréstimo. Precisa de uma composição, sem determinar um número. Estamos analisando o mercado para sempre aumentar a qualidade do grupo.
Tem alguma posição mais carente?
Não vou falar diretamente sobre isso. A direção está indo atrás que falamos. Mas em nome da preservação do grupo, não vou falar disso. Isso é feito no bastidor.
E de saídas? Imagina perder alguém, como Pottker, Dourado?
Acho que temos grandes jogadores que podem receber ofertas a qualquer momento. Se a gente conseguir contar com todos e agregar qualidade, melhor. Mas se for bom para todo mundo, não tem como segurar, a negociação vai acontecer. Mas até agora, não estou vendo especulação em cima disso, não tenho essa informação.
Da turma que volta de empréstimo, quem fica?
Estamos fazendo a avaliação ainda. São muitos jogadores, outros tem propostas que podem ser colocados em negócios. Tudo isso a gente está conversando.
O mesmo vale para a base, de aproveitamento dos jogadores?
Vale o mesmo. Não podemos ter 40 jogadores no grupo, e isso tudo é uma composição que vai ser feita. Mas a base vai ser olhada com muito carinho, sou um profissional da base. Vou me orgulhar em dar oportunidade aos meninos.
O que vai ser mais difícil em 2018?
Todas as competições são difíceis, mas o Inter sempre disputou bem elas. Tivemos um ano difícil na Série B, e agora é passado. Temos de construir uma nova situação com confiança, como o Inter sempre teve. Claro que almejamos grandes situações, mas no primeiro momento, temos de construir um time, um grupo, consolidar uma maneira de jogar e, certamente, vamos estar consistentes para qualquer competição. Disputar com confiança e garra como sempre. Esse momento de oscilação deve ser esquecido. Só vamos lembrar dele para nunca mais voltar.
Como fazer valer isso?
Nós todos sabemos que seremos cobrados quando um resultado não vir. O torcedor está aí para isso, e temos uma das maiores torcidas do mundo. Agora, temos que ter convicção sobre o que estamos fazendo, trabalhar muito que, com certeza, as coisas vão acontecer. O que não podemos é oscilar no pensamento quando o resultado não vem. Se todos dentro do processo estão vendo que o trabalho está sendo bem feito, é ter confiança para passar por esses momentos de oscilação.
Vai ser a primeira vez que um time terá a cara de Odair. Até hoje, sempre que assumiu foi para apagar incêndios e tapar buracos. Qual é o estilo Odair?
As situações que eu assumi são pontuais e específicas. Naqueles momentos, não tinha tempo para treinar e colocar as ideias. Era mais estratégia do que modelo de jogo. Agora, não. Então vamos trabalhar forte todas as fases do jogo, as duas transições, ofensiva e defensiva. Vamos passar ideias e característica de modelo de jogo, inserir em algumas situações pressão mais alta, marcação bloco médio. Mas depende também dos jogadores. Não adianta trabalhar em bloco baixo, querer transição rápida, se não tenho velocistas. Agora, se tenho velocistas e armadores, eu tenho como trabalhar as duas transições. Tanto em troca de passes quanto na busca por profundidade. Como eu tenho essas características todas, posso trabalhar tudo isso. Vou dar ênfase em todas as fases de jogos. Não quero caracterizar que o Odair vai jogar em bloco baixo e no contra-ataque. Porque, se eu tenho o D'Alessandro, tenho possibilidade de fazer contra-ataque e uma transição ofensiva com troca de passe. Não preciso abrir mão da profundidade de jogo, mesmo tendo a característica de posse de bola. Acredito que um time de futebol pode ter uma transição mais direta, em velocidade, mas ele pode ter troca de passes, bola no chão, com qualidade. Vou trabalhar todas as fases para que, quando precisar usar, não tenha problema. Não me preocupo com sistema de jogo, com os números, 4-3-3, 4-1-4-1 e outros. Me preocupo é com o conceito: o que o time faz com a bola e sem ela. E é isso que vamos buscar.
Inter está em busca de volantes. A ideia é jogar com três volantes?
A ideia é ter um conceito de jogo, independentemente de quem estiver em campo. Não me preocupo com os nomes de quem está em campo, vejo é a função de jogadores. Tem times que jogam no 3-4-3 e dizem ser defensivo. Mas por que, se jogam com dois zagueiros de boa saída de bola, mais um volante fazendo a defesa e todos os outros são meias? Eu não gosto dessas nomenclaturas de três volantes. Se tiver qualidade, chegada frente, marcação, por que não jogar? O 4-3-3 e o 4-1-4-1 são sistemas que usam um tripé por dentro. Ele pode ter três volantes, pode ter um volante e dois meias e outras. Vai depender do modelo do jogo e da característica que quer ter. No início, vou trabalhar duas situações: um modelo e uma variação. Não acredito em ter 10 variações já na largada. Acredito na consolidação de um modelo de jogo e na variação que pode dar com jogadores do banco.
O que é melhor: ganhar de 1 a 0 ou de 4 a 3?
É melhor ganhar. O melhor, mesmo, é ganhar jogando bem. Acredito que jogar bem te deixa mais perto da vitória. Além disso, tem uma frase que sempre escrevia no quadro nas concentrações da base: vamos corrigir ganhando. É mais fácil arrumar as coisas nas vitórias.
Quando você foi anunciado como treinador, os jogadores disseram que era muito exigente. O Odair treinador vai ser o mesmo Odair auxiliar?
Uma das coisas que observei no curso, em termos de metodologia, a maioria dos treinadores estão com boas ideias, bons treinamentos, tudo parecido. O diferencial é a gestão de pessoas, a relação humana. Preciso olhar para aqueles caras primeiro como ser humano. Sempre tive boa relação interpessoal e quero manter isso para a minha carreira como treinador. Vai ser uma relação de sempre dizer a verdade, mesmo que tenha de dizer "não, hoje não pode". Não vou prometer nada que não possa cumprir. Acho tão importante isso que se perguntar o que faz mais diferença, se parte tática ou gestão de grupo, não sei qual tem mais valência. Vou manter uma relação de respeito, que não significa que eu vá dizer sempre sim. Sei os momentos de descontrair, de brincar, mas também a hora de falar sério. Esse lado psicológico é muito importante, há muitas cobranças, pressão em todos os sentidos, e isso se reflete também no jogo.
Para a estreia no Gauchão (18 de janeiro, contra o Veranópolis), a ideia é já sair com titulares?
A gente se apresenta no dia 2. Vamos fazer os exames médicos. Se todos estiverem em boas condições, a ideia é iniciar com o titular, ou o mais próximo disso, para buscar um time o mais rápido possível. Se dia 18 conseguirmos, ótimo. Se não, vamos trabalhar o mais rápido por isso.
Como é para o cara de Salete (SC) que chegou ao Inter na adolescência chegar a treinador? (pausa) Estou emocionado agora. Não foi fácil (pausa). Mas o que eu sinto é orgulho, honra. Não é fácil receber oportunidade em um clube como o Inter. (pausa) Desculpa, é que vem a vida toda na mente. Quando passei o acidente com o Brasil-Pel., me machuquei muito. Tive um problema grave nas costas, sentia muita dor. Pensei: "o que vou fazer? Vou voltar a ser jogador?". Então resolvi parar para estar preparado em nove, 10 anos. Conversei com a família e planejei encerrar a carreira. Fui ao Beira-Rio em uma sexta à tarde, o Tite era o treinador, Cléber Xavier o auxiliar e Fernando Carvalho, o vice de futebol. Conversei com o Fernando e disse que estava encerrando a carreira e precisava de uma oportunidade. Disse a ele: "Não tenho dinheiro para me especializar agora, mas prometo me qualificar durante o processo". Ele me olhou uns 10 segundos e disse: "Segunda, tu começa". Fui para as avaliações técnicas. Conversei com minha mulher e fizemos como se fosse uma faculdade: em cinco anos, deveria terminar, evoluir. Naquela época, ganhava R$ 1,5 mil e tinha um dinheiro na conta. Daí fizemos uns cálculos e vimos que precisávamos de mais dinheiro para não quebrar. Tive que tirar os filhos do plano de saúde, do colégio particular. Devo tudo à família, eles foram ao fundo comigo e agora voltaram. Foi um sacrifício que valeu a pena, sair das avaliações técnicas para o juvenil, depois para o júnior e para o profissional, quando o Dunga me subiu, em 2013. Lutamos muito, nos sacrificamos e o papai do céu me oportunizou, por meio do (presidente) Marcelo Medeiros, do (vice de futebol) Roberto Melo, (do executivo) do Jorge Macedo. Tenho muita vontade de que chegue o dia 2 para trabalhar muito. Tomara que dê certo.