O Ticiano Osório, editor aqui de ZH e gremista até o último fio das costeletas que ele insiste em cultivar contra todos os prognósticos, foi quem melhor resumiu a tempestade sem chuva ou ventania que se abateu sobre a Província de São Pedro esta semana. Refiro-me, é claro, à saída de D'Alessandro, que já deve estar acomodado em sua espaçosa casa de Buenos Aires, agora como jogador do River Plate. A indexação do contrato em dólar e a correta avaliação de clube e ídolo acerca da hora certa de sair, aos 34 anos (35 em abril), decidiram pelo fim de uma relação que foi muito além dos 10 títulos em oito anos, pontuados por um incrível cartel em Gre-Nais: 27 jogos, 13 vitórias e só cinco derrotas.
Pois foi a partir do desempenho em Gre-Nal que o Ticiano abordou o fim da Era D'Alessandro. É um universo mais amplo, por não tratar apenas de D'Alessandro e Inter. É o universo do futebol gaúcho. E o que é o futebol gaúcho sem a rivalidade Gre-Nal? Nós amávamos odiá-lo - escreveu o Ticiano, do alto de sua insuspeita devoção pelo Grêmio, e já projetando os riscos de enfrentá-lo na Libertadores, caso o River cruze o caminho do time de Roger Machado este ano.
Aí está a dimensão do que significa a saída de cena de um personagem como D'Alessandro, que aprendeu a interpretar a alma de uma rivalidade por ser produto da maior delas no mundo. Se um dia você for à Argentina e tiver a chance de assistir ao vivo a um superclássico, na Bombonera do Boca Juniors ou no Monumental de Nuñez do River, faça isso. Você nunca mais será o mesmo. Aquilo ali é a mais completa loucura. É o futebol levado ao seu nível mais delirante de paixão. O sujeito entra no estádio e imediatamente sai da casinha, como se entrasse em um transe por 90 minutos.
Mas voltemos ao fato da semana. D'Alessandro não deixou apenas órfãos colorados, mas gremistas também. Esse é o ponto que talvez resuma o seu tamanho enquanto personagem da história do futebol gaúcho. Qual a graça de pegar no pé de um Fernando Bob, por exemplo? Ou mesmo de um jogador de Seleção, como Alisson? Detalhe: não basta só provocar ou revidar provocações. Isso qualquer Zezinho faz. É preciso vivê-las. Senti-las. E, claro, ter um temperamento explosivo. Tem de ser autêntico. Você imagina Fernandão ou Marcelo Grohe se metendo nessas ronhas?
O último a assumir este papel de jogador-torcedor com credibilidade, sem preocupação com o politicamente correto e sem gerar dúvidas acerca da sinceridade de sentimentos foi Danrlei. Os colorados também amavam odiar Danrlei. Atingi-lo era atazanar o Grêmio e os gremistas. Pegar no pé dos Rodrigos, Mendes ou Fabri, não surtia efeito algum. Era picolé de chuchu. Danrlei podia tomar um raro frango na quarta-feira, mas no domingo de Gre-Nal lacrava a goleira tricolor. Colorados adorariam ter um goleiro como Danrlei para venerar. Gremistas entoariam cânticos e teceriam trapos por camisa 10 como D'Alessandro.
Ambos, Danrlei e D'Alessandro, cobriram o peito de faixas, mas o alicerce da idolatria eterna que conquistaram, e que será contada e repassada por várias gerações, está na maneira como incorporaram a rivalidade. Os colorados amam D'Alessandro por tudo o que fez. Os gremistas, como disse o Ticiano, amavam odiá-lo. O que é a paixão, se não uma tênue linha imaginária a separar amor e ódio?
O ex-capitão do Inter se foi deixando uma legião de órfãos nos dois lados de uma rivalidade da qual foi protagonista. O fim dos quase 10 anos da Era D'Alessandro é também o fim de uma era do futebol do Rio Grande do Sul.