Outro estádio, outro ambiente, outra situação, mas os mesmos clubes ligados eternamente por uma batalha. Sem circunstâncias épicas aparentes, Grêmio e Náutico voltam a se reencontrar nesta sexta-feira (8) em uma partida de Série B 17 anos depois daquele 26 de novembro de 2005, um sábado com um desfecho dos mais eletrizantes.
O embrião dos fatos vistos naquele dia foram plantados quase um mês antes, quando o Grêmio enfrentou o Santa Cruz, em Recife. O jogo válido pela segunda rodada do quadrangular final fez brotar o espírito de guerra entre pernambucanos e o clube gaúcho. O sonho era que os dois clubes de Pernambuco subissem.
— A Batalha dos Aflitos começou contra o Santa Cruz, no Arruda. Ali, pela primeira vez, o Grêmio sentiu pressão forte e teve de estabelecer estratégias como trocar de hotel sem que ninguém soubesse. O clima estava preparado porque queriam que Santa Cruze e Náutico estivessem classificados — relembra José Alberto Andrade, repórter da Gaúcha nos Aflitos.
A equipe que cobriu o jogo também contou com o narrador Pedro Ernesto Denardin, o comentarista Ruy Carlos Ostermann e o repórter Silvio Benfica.
— O ambiente era muito forte. O estádio estava lotado. Tinham pintado o vestiário. Muita coisa aconteceu naquele dia — ressalta Pedro.
Para evitar problemas antes do jogo, o Grêmio ficou afastado do centro de Recife. Os treinos também ocorriam longe da capital pernambucana. Para disputar a partida no sábado, a delegação viajou na quarta-feira. Todo um aparato estratégico foi montado.
Cientes de que poderiam ser impedidos de entrar no gramado antes da partida, dirigentes do Grêmio levaram ferramentas para arrombar o portão e permitir o ingresso no campo.
Apesar de alguns eventos marcantes, o jogo, em que o Grêmio precisava de um empate, transcorria com alguma naturalidade. O Náutico tinha perdido um pênalti, e o gremista Escalona tinha sido expulso. Então, quando o cronômetro apontava exatos 36min56seg, o árbitro Djalma Beltrami...
— deu pênalti. E o Patrício deu um peitaço nele. Levou vermelho, o Patrício. Se desmancha o Grêmio. Pênalti marcado pela arbitragem no final do jogo. Só um milagre poderá salvar o Grêmio — bradou Pedro naquele instante na transmissão da Gaúcha.
— Nunes foi expulso — emendou Zé Alberto.
Um bolo em torno do árbitro se criou. A polícia apareceu. Mano Menezes, então técnico do Grêmio, tentou afastar seus comandados. Sem sucesso. Houve confronto entre atletas gremistas e os policiais. Patrício caiu no chão com a mão no rosto. Aos 38 minutos, a confusão atingiu um novo patamar.
— O Cacalo (ex-presidente do Grêmio) apareceu por aqui e tá levando o Patrício — anunciou Benfica. — O Patrício prefere não falar — continuou.
Junto com Cacalo, outras pessoas vinculadas ao Tricolor invadiram o campo. A confusão se estendeu por longos minutos. Domingos foi expulso. O Grêmio ficou com quatro atletas a menos.
— O Grêmio reclamou do pênalti e criou um tumulto perigosíssimo. Foi um caos — rememora Zé Alberto.
Dono de uma memória das mais privilegiadas, Zé conta uma das situações que mudaram o rumo da história.
— O Mano saiu do reservado e foi para o meio-campo. Lá ele chamou o Renato Moreira, então vice de futebol. O Mano disse assim: "Doutor, se nós sairmos de campo, não vamos ganhar nada. Se ficarmos, a gente até não leva gol — relata.
A poeira assentou. Ademar foi o escolhido para cobrar o pênalti. Com quase uma hora de segundo tempo. Aos 59min45seg, Galatto defende a cobrança. Faltavam, naquele momento, 72 segundos para a façanha gremista.
— O Náutico sentiu o pênalti. Tanto que foi um pós-jogo sem revolta. Estavam abatidos. Foram aniquilados pelo que aconteceu — explica Zé.
No meio desse minuto e 12 segundos até o gol de Anderson, o zagueiro Batata foi expulso para, instantes depois, Pedro fazer uma narração memorável.
— Cobrada a falta. Bola para o Anderson, fechou na grande área, entrou livre, vai marcar o gol, tem apenas o goleiro. Atenção, atirou, goooooooooool. Gooooooooooool. Inacreditável. O Grêmio está fazendo sua façanha. O mundo nunca viu disso. Uma façanha que não tem na história do futebol mundial — sentenciou o narrador naquela quente tarde de sábado que ficou para a história.