Pela terceira vez na história, o Grêmio está rebaixado à Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. O ano de 2021 será lembrado, assim como 1991 e 2004, como uma das temporadas mais dolorosas para o torcedor gremista. Mas há, na avaliação de históricos ex-dirigentes do clube, uma perspectiva boa para o futuro. A hora, segundo eles, é de aprender com os erros, levantar a cabeça e recolocar a equipe na Série A.
Para tentar entender o que levou o Tricolor ao rebaixamento, mesmo com uma gestão saudável fora de campo, e o que imaginam para o 2022 do clube, GZH fez contato com os seis ex-presidentes vivos do Grêmio. Confira, a seguir, o que disseram Duda Kroeff, Flávio Obino, José Alberto Machado Guerreiro, Luiz Carlos Silveira Martins (Cacalo) e Rafael Bandeira dos Santos — apenas Paulo Odone não atendeu às ligações da reportagem.
Duda Kroeff
Motivos para a queda
"Acho que há, sempre, mais de um fator para a queda, nunca é uma coisa só. Sempre falo que um clube grande, de massa, com uma torcida como a do Grêmio, quando fica na zona de rebaixamento por muito tempo, pode acontecer uma coisa psicológica, emocional, muito preocupante, que o jogador não consegue tranquilidade para jogar. Quando toma um gol, tem dificuldade de se recuperar. Como o Grêmio iniciou mal o campeonato, já fiquei com esse medo, porque conheço faz tempo, é difícil para o time de massa, seja quem for e o tamanho da folha.
O outro motivo que vejo foi a saída do Renato. Acho que foi um erro naquele momento. Não vou dizer que não precisasse sair, ele já dava demonstrações de cansaço. Mas deveria ter esperado até o fim do ano, para um novo treinador fazer uma retomada com mais tempo. Acho que esse foi um fator importante. Claro que ele não é perfeito, recomenda contratações que podem ser erradas, mas tem uma liderança muito importante sobre os jogadores e tem essa capacidade de recuperar. Lembro bem quando perdemos por 5 a 0 para o Flamengo e, em seguida, encarreiramos cinco vitórias no Brasileirão.
Outro motivo que vejo foi a saída do Renato. Acho que foi um erro naquele momento
DUDA KROEFF
ex-presidente do Grêmio
Penso que o grupo de jogadores está passando por aquele famoso momento de transição depois de um ciclo vitorioso. Alguns jogadores envelheceram, tem mais lesões. Maicon é um exemplo, era um jogador muito importante que não conseguia mais jogar. Geromel passou a se lesionar demais também. Mas, mesmo assim, não é grupo para ser rebaixado. O trabalho do Conselho de Administração é muito bom, não é por que faço parte, mas em termos de organização de clube, estrutura, finanças, está tudo bem. Superávit virou sinônimo de zoação. Mas, se não tivesse, seria muito pior. A queda seria muito mais traumática".
Expectativa para 2022
"Algumas coisas já estão sendo pensadas pelo presidente, pelo departamento de futebol. Já está pensando em como jogar a Série B, reestruturar o que não está bem, isso está sendo pensado. O Grêmio tem de focar, principalmente, em voltar para Série A. Mas claro que tem competições como a Copa do Brasil, que pode ser bem legal também. Mas o essencial é começar a trabalhar em quais jogadores vão ficar, quais contratações se pode fazer fazer, sempre pensando que tem de reduzir a folha para jogar a Série B. Isso vai acontecer ao natural, por alguns contratos que terminam, mas tem de haver algumas mudanças para ter um time competitivo para retornar à Primeira Divisão".
Flávio Obino
Motivos para a queda
"É difícil dizer. Vestiário é coisa muito difícil, é um organismo vivo. Tem muitas mudanças, não dá para definir sem estar lá dentro. Mas é evidente que o Grêmio está bem administrado, tem um presidente atuante, presente em todos os momentos, mas isso é coisa do futebol. A queda neste ano é inexplicável, não dá para acreditar, por isso tenho dificuldade em fazer qualquer manifestação. O que sei é que o Grêmio é o Grêmio, tem muita história e vai superar qualquer adversidade. Mas olhando o grupo de jogadores, sabendo o custo desse elenco, não poderíamos imaginar essa situação. Mas vamos nos levantar e logo voltar a buscar títulos, assim é o Grêmio".
A queda neste ano é inexplicável, por isso tenho dificuldade em fazer qualquer manifestação
FLÁVIO OBINO
ex-presidente do Grêmio
Expectativa para 2022
"O Grêmio tem uma estrutura maravilhosa, é um clube bem organizado. Por isso não gosto da comparação com outros clubes como Cruzeiro e Vasco, que caíram e não conseguiram subir, porque eles têm problemas fora de campo. A situação do Grêmio é diferente, tenho certeza. Não há dúvida de que vamos subir, porque o Grêmio é imbatível e logo vai se recuperar".
José Alberto Machado Guerreiro
Motivos para a queda
"Sem dúvida, faltou qualidade ao Grêmio neste ano. Não podemos achar que não. O Grêmio ganhou muito nos últimos anos, então, de certa forma, nós nos iludimos com algumas coisas. Mas, se observarmos o time que vem jogando, daqueles vencedores temos dois ou três só. E em condições muito diferentes de três, quatro anos atrás. O Grêmio teve alguns momentos muito difíceis nesse campeonato. Posteriormente ao Gauchão, teve aquele surto de covid-19 que afetou boa parte do elenco. Não dava para repetir a escalação, alguns jogadores perderam a sua condição física, como o Diego Souza. Claro que isso abalou.
E sempre digo que time grande quando fica muito tempo na zona de rebaixamento para se mover dali é muito mais difícil, porque as cobranças são muito maiores, a responsabilidade que o jogador tem cresce. Os atletas de clube grande não estão acostumados com isso, diferentemente daqueles que atuam em equipes menores, porque já chegam sabendo que a briga vai ser essa. Clube grande sempre entra para ganhar, almeja título.
Foi feita uma péssima gestão de futebol. Na razão de ser do clube, o Grêmio teve muitos problemas
JOSÉ ALBERTO GUERREIRO
ex-presidente do Grêmio
As trocas de treinadores também foram, digamos assim, muito mal colocadas. Não é uma crítica, é uma constatação. O Tiago Nunes e o Felipão não têm nada a ver um com o outro. Que pensamento de futebol é esse? Não tem. É água e vinho. Acho que isso teve muito a ver com a dificuldade do clube neste ano.
São opiniões pessoais minhas. Tenho cuidado com as críticas, porque aprendi enquanto dirigente que quem conhece mesmo a situação é quem está lá dentro. De fora, é muito fácil falar. Mas com certeza cometemos muitos erros. É difícil tu cair, mas é mais difícil ainda retornar. Para cair, tem que perder 19, 20 jogos. Imagina se tivesse empatado cinco ou seis desses. Poderíamos ter feito e não cairíamos. Perdemos jogos no finalzinho, como para o Santos, isso mostra uma certa desatenção.
O Grêmio tem uma gestão muito boa fora de campo, sou testemunha disso. Mas uma péssima gestão de futebol. Na razão de ser do clube, o Grêmio teve muitos problemas. Agora, a gestão da instituição é muito bem feita. Talvez das melhores do Brasil. Mesmo se cair, vai cair tendo superávit, dinheiro. A torcida não gosta de ouvir isso, porque o futebol é o motivo do clube, e no futebol não foi bem. Foram feitas más escolhas em todos os sentidos. Foram essas coisas todas que levaram o Grêmio à Segunda Divisão".
Expectativa para 2022
"Espero que o Grêmio tenha aprendido a lição. Não adianta ter dinheiro só, é preciso cuidar do futebol. Tenho confiança no presidente Romildo. Ele tem que se assessorar melhor no futebol. Não faço o comentário sobre o Dênis Abrahão e o Sérgio Vasques, que assumiram já em um momento crítico, prova de puro gremismo deles. Estão há um mês no clube. Mas a gestão do futebol antes disso foi complicada, muito mal feita. Espero que o clube tenha aprendido e escolha melhor as pessoas para o departamento de futebol.
Fui vice de futebol no primeiro rebaixamento do Grêmio. Assumi em fevereiro de 1992, já na Segunda Divisão. É uma coisa terrível. Naquela época era pior porque não tínhamos dinheiro. Mas o Grêmio vai precisar de outro tipo de jogadores. É muito diferente a Série B, e o clube tem de começar a pensar nisso desde agora, com a necessária pressa, porque não pode querer se organizar só no ano que vem.
Em 1992, tínhamos apenas 14 jogadores, sendo alguns da base. As condições eram terríveis. Me lembro do primeiro jogo, em Campo Grande, a grama deveria ter um metro. Chegamos em um campo que não tinha como jogar e tivemos de esperar ser aparado. Imagina a qualidade. Claro que faz 30 anos, mudou muita coisa. Mas jogar a Série B é completamente diferente. É outro jogo, os jogadores são diferentes, tanto que tem alguns que são especialistas em série B. Mas é o que temos e teremos de enfrentar, mas é importante ter essa consciência".
Cacalo
Motivos para a queda
"Nesse período todo, durante muito tempo me manifestei nesse sentido, e falei até na reunião de ex-presidentes do clube, que eu divergia da forma como era conduzido o departamento de futebol do Grêmio. Em determinado momento, nem vice-presidente de futebol tinha. O presidente chegou a acumular a função. Ele é um cara capaz, mas não tem como exercer as duas funções, de presidente e vice de futebol, por todas as outras demandas do clube. Falo isso por experiência própria, o presidente não pode fazer o dia a dia do futebol. Por isso acho que houve equívocos na condução do departamento de futebol, claro que tudo de boa fé. Mas o clube errou, e muito, na contratação de jogadores nos últimos anos, como Thiago Neves, Diego Tardelli, André, só pra citar alguns. Isso custa caro.
O clube errou, e muito, na contratação de jogadores nos últimos anos
CACALO
ex-presidente do Grêmio
Acho que até não faltou qualidade para o grupo. Os jogadores até têm qualidades, mas muitos estão desgastados com o tempo, sem ambição, sem o que buscar na carreira profissional. Talvez tenha faltado dedicação, claro que nunca de má fé. Mas na reunião que tivemos, aliás, fui um dos únicos a expor a minha opinião. Eu divergia da forma como era conduzido o departamento de futebol. Mas não vi problema de gestão, mas uma certa dificuldade. Me disseram que tenho ideia antiga, mas no futebol algumas coisas não mudam. O Grêmio estava acostumado a vitórias e muito se deve ao Renato. Quando ele saiu, faltou uma valorização maior da gestão de futebol".
Expectativa para 2022
"Acho que tem de haver uma reformulação. É difícil falar porque não vivo o dia a dia. Mas, quando assumi o futebol em 1993, tínhamos jogado a Segundona em 1992. O presidente Fábio Koff me convidou em 1993 e procurei, dentro das possibilidades, remontar o time. Tínhamos oito, 10 jogadores só, sendo quatro goleiros. Tivemos de refazer um time às pressas. Era um time no máximo médio, para jogar de imediato, e fomos campeões gaúchos. Mas tive autonomia plena do presidente e procurei, dentro das possibilidades, responsabilizar ninguém. Tive a ideia de diminuir ou afastar todos aqueles jogadores de Segunda Divisão, para que não tivesse jogadores acostumados a perder no grupo. Isso fiz parcialmente, porque evidentemente não dava para tirar todo mundo.
Mas o que quero dizer é que tem que ter alguém que comande o futebol com conhecimento de futebol. Não só de Grêmio. Tem que saber de futebol e, a partir disso, montar uma equipe dentro da realidade financeira, mas que tenham ambição. Essa é uma palavra chave no futebol. Há jogadores que ganhar, perder ou empatar é a mesma coisa. Quem assumir, não sei se vai ser o Dênis, tem que ter capacidade de formar uma equipe disposta a vencer, com jogadores que tenham essa ambição e queiram realmente vestir a camisa do Grêmio.
Fui o primeiro dirigente do Grêmio, e digo isso com orgulho, que contratou um diretor remunerado em 1997. Eu contratei como diretor de futebol o Márcio Bolzoni. Agora, na minha maneira de avaliar, a política, a filosofia do departamento pertence ao vice-presidente de futebol. O diretor executivo está lá pra executar essa política, essa filosofia. Por mais profissional e capacidade que ele seja, tem de prestar contas ao vice de futebol, que é quem responde pelo clube mesmo. O treinador a mesma coisa, se faz tudo que o treinador quer, depois vai embora e tu fica com os jogadores dele. A política tem que ser do vice de futebol. O executivo tem de trazer o seu conhecimento, a sua capacidade e agregar àquilo que pensa o dirigente. Tem que se valer da análise de desempenho, todas as tecnologias, mas quem define o departamento de futebol não é nem o presidente, é o vice de futebol, que tem que contar, evidentemente, com o apoio do presidente.
Exerci as duas funções e, quando fui vice de futebol, tinha esse aval do presidente. Nós do futebol escolhíamos e eu falava com o presidente para pagar. Eu nunca contratei tratando do dinheiro, eu tratava da parte técnica. Um dia falei com o presidente Koff que queria o Mauro Galvão. Ele me disse que era ex-atleta. Aí levei o Felipão até a sala do presidente, insistimos e trouxemos por 100 mil dólares. Ele jogou duas partidas e o presidente veio falar comigo, me dizer que tinha razão e que ele ainda jogava muito.
Mas para o ano que vem, não tenho dúvida de que o presidente saberá escolher melhor o grupo, os dirigentes. Sempre faço questão de dizer: ele é um homem capaz, inteligente, honesto e se preocupa com o clube. Pode cometer erros, assim como eu cometi erros também. Acredito que ele tenha capacidade e força nos pulmões para oxigenar novamente o clube e buscar bons resultados dentro de campo".
Rafael Bandeira dos Santos
Motivos para a queda
"Hoje eu acompanho o Grêmio como torcedor. Naturalmente, no futebol, é importante as informações de dentro do clube para fazer a melhor avaliação, mais correta possível. De fora, é complicado. Podemos imaginar mil coisas, mas é difícil dizer, porque não temos todas as informações do vestiário. E o vestiário é algo muito complexo. Passei inúmeros anos nessa vivência, então sou muito cuidadoso para emitir opiniões de fora. Não disponho de informações sobre esses detalhes de vestiário.
Esperamos que esse próximo ano passe rapidamente, que a gente se recupere e termine logo esse sofrimento
RAFAEL BANDEIRA DOS SANTOS
ex-presidente do Grêmio
O Grêmio, neste ano, em comparação com rebaixamentos anteriores, foi completamente atípico. Um clube em situação financeira invejável, como poderia cair? É uma situação bem diferente de Cruzeiro, Vasco, que caíram, basicamente, por falta de recursos. O Grêmio, neste ano, inovou. Por isso digo que é difícil avaliar, porque o futebol é muito complexo. Alguém do clube, certamente, dispõe dessa avaliação e deve ter sido feita uma avaliação sobre quais foram os problemas. Eu acredito que o presidente sabe o que está fazendo. Esperamos que esse próximo ano passe rapidamente, que a gente se recupere e termine logo esse sofrimento".
Expectativa para 2022
"O Grêmio que cai neste ano é diferente do Grêmio que caiu outras vezes. Lembro quando nós retiramos o Grêmio da Segunda Divisão pela primeira vez. Muita gente diz que o time caiu comigo, ok, mas é metade da verdade. No ano seguinte, tiramos o time da Segunda Divisão. Mas até que ponto isso é semelhante aos dias de hoje? Será que a experiência aquela poderá servir? Cada momento é diferente. Talvez se aproveite alguma coisa, mas cada ano é diferente. O próprio campeonato foi diferente neste ano, com equipes que cresceram inesperadamente e outras que não tiveram o mesmo desempenho de outros anos.
Acho que é preciso esperar mais alguns dias para avaliar isso corretamente. Não gostaria, não me sinto à vontade para adivinhar o futuro. O Grêmio vai continuar sendo imortal. Aprendi, na minha vida, que passamos muitas dificuldades e superamos todas elas. O dia seguinte é outra coisa.
Ninguém é mais gremista do que ninguém. De qualquer maneira, uma temporada é sempre um aprendizado. Aprendi muito nos vestiários do Grêmio em que tive a oportunidade de colaborar que passamos por inúmeras situações. Em 1989, estávamos sendo rebaixados do Campeonato Gaúcho e jogamos o famoso jogo de Vacaria. Era vencer ou vencer. E naquele ano conseguimos superar, saímos do risco de rebaixamento e fomos campeões. Em seguida, ganhamos a primeira Copa do Brasil. Então, essas experiências os dirigentes assimilam. E parto do princípio de que quem está lá é inteligente e vai assimilar o que foi feito nesta temporada e o que precisa melhorar".