O regulamento é o mesmo. São 20 clubes jogando pontos corridos em turno e returno. As regras quando a bola rola são as mesmas. Mas o diferencial entre as Séries A e B do Brasileirão está no que não foi escrito.
Saem os melhores gramados do país e entram em cena campos pesados e de dimensões reduzidas. As arenas padrão Fifa cedem espaço para estádios mais acanhados. A geografia da competição invade cidades do interior brasileiro. Em alguns jogos, os voos fretados serão substituídos até por viagens de ônibus em alguns jogos. Uma nova e dura realidade.
Os meandros da Segunda Divisão requerem estratégias específicas. Entre elas, a formação de um novo elenco. O Grêmio terá de criar um molde diferente daquele que está acostumado a usar quando vai ao mercado à caça de novos reforços. A direção definiu o perfil de atletas que serão buscados. A intenção é de contar com jogadores copeiros, de muita transpiração, competitivos, mas com qualidade técnica, segundo o vice de futebol Dênis Abrahão.
Se o mapa da competição é diferente, as coordenadas seguidas para contrações também são distintas. Analistas de mercado consultados pela reportagem apontam ser necessário o foco em dois ângulos. O primeiro é o perfil técnico e físico dos atletas. O segundo necessita de um olhar mercadológico peculiar. O biotipo estereotipado por Abrahão não é uma unanimidade.
— Geralmente falam que tem de montar um time com características de Série B. Gosto de uma equipe técnica. Por ser uma competição longa, não se pode depender apenas da equipe titular — avalia Ney Franco, técnico do CSA na Segunda Divisão desta temporada.
Outro ponto mais profundo precisa ser levado em conta. O perfil rastreado não passa apenas pelas características técnico-atléticas. Outro aspecto se apresenta como primordial.
— A primeira questão é emocional. Tem de botar o pé no chão e respirar a Série B. Penso um pouco do contrário — complementa Ney.
Nas últimas edições do torneio, equipes com elencos experientes têm tido resultados satisfatórios. O Avaí, um dos promovidos este ano, tinha uma linha defensiva (contando o goleiro) com nomes com alta quilometragem no mundo da bola, com Gledson, no gol, mais Edilson, Betão, Alemão e Diego Renan à sua frente.
Indo para sua terceira temporada na Série B, o Cruzeiro começa a apostar em jogadores tarimbados. Entre os contratados para 2022 estão o goleiro Jailson, o lateral Pará e os zagueiros Maicon e Sidnei. Como atletas com esse perfil passaram a linha dos 30 anos há algum tempo, ter um grupo numeroso para aguentar o tranco de 38 partidas de muita correria se torna imperioso.
— A Série B é mais dolorosa. É preciso ter muita resiliência, muita renúncia por parte dos jogadores. A competitividade em campo é maior. A questão de querer é maior. Em campo, hoje, o sistema é muito parecido. Tanto na A quanto na B têm todo mundo voltando para marcar — observa Magno Alves, artilheiro do Brasileirão em 2000 e da Série B em 2014.
Durante o processo de seleção, a singularidade da temporada terá peso na tomada de decisão. Em uma perspectiva de que no ano seguinte o clube estará de volta à elite, será preciso avaliar quais dos contratados quebrarão o galho na Segunda Divisão, mas não servem para um nível mais elevado e devem assinar contrato por um período curto.
Mas tudo começa com a identificação das valências do próprio elenco, não somente pelo viés técnico, mas também pelo financeiro. O Palmeiras rebaixado em 2012 viveu situação análoga à do Grêmio. Dos 44 jogadores que caíram, somente 17 viraram o ano como atletas do clube. Gilson Kleina, assim como Vagner Mancini, seguiu como técnico. A diferença é que apesar da queda, o clube paulista estava classificado à Libertadores por ter vencido a Copa do Brasil.
— Clubes como Palmeiras e Grêmio contratam o atleta. Não é por que cai de divisão que se perde o tamanho para contratar. A Série B é mais física, mas tem que investir em qualidade. O entendimento de que jogar a Série B é só pegada ficou só para trás — argumenta Kleina, atual técnico da Ponte Preta, um dos adversários gremistas em 2022.
Para ele, uma edição com Grêmio, Cruzeiro, Vasco, Sport, Bahia e Guarani transforma a competição em uma Série B com cara de Brasileirão, o que ressalta a importância de ter um time qualificado. Uma campanha como a do Palmeiras em 2013, com a classificação vindo com seis rodadas de antecedência se mostra improvável, de acordo com Kleina.
Entre os contratados para o treinador montar aquele Palmeiras estavam o atacante Leandro, do Grêmio, o centroavante Alan Kardec e o meia Felipe Menezes, ambos vindos do Benfica, o zagueiro Henrique, então vinculado ao Barcelona, e o goleiro Fernando Prass.
Com tantas nuances para encarar uma competição estranha ao Grêmio, a montagem no elenco não será uma tarefa simples.