Há uma jogada tradicional no futebol que é quando o lateral ou o ponta vão até o fundo do campo e cruzam pra dentro da área, esperando que alguém toque a bola pra dentro do gol adversário. Principalmente no final da partida, naquela ideia de "botar a bola na área", vale tudo. Muito se reclama quando os treinadores não utilizam esse recurso em seus times.
Mas qual será a real validade disso? Será que o cruzamento é um recurso eficiente no futebol? O que os números nos dizem sobre isso? Para responder a essas perguntas, recorri a base de dados InStat em busca de estatísticas que ajudem a entender melhor o valor dos cruzamentos.
Para não enlouquecer com um caminhão de números, restringi o estudo a uma temporada apenas (2017/2018). E, para validar a tese, peguei as cinco principais ligas da Europa, onde há uma grande taxa de acerto de passes e a qualidade técnica é a mais alta do mundo.
E para não achar que o problema é apenas na esfera dos clubes, aproveitei para esticar o estudo até os jogos da última Copa do Mundo, a fim de entender como os cruzamentos foram aproveitados pelas maiores seleções no mais importante torneio do planeta.
Cruzar para que?
Sim, a pergunta é pertinente. Para que cruzar uma bola na área? A taxa de acerto deste fundamento é, no geral, bem baixa. E há vários estudos que comprovam a correlação entre o número de cruzamentos e os resultados das partidas. Geralmente, quem cruza muitas bolas termina fazendo menos pontos.
Analisei 2.615 cruzamentos realizados nas ligas de Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália com a seguinte pergunta: após o cruzamento, o que aconteceu com a bola? Ou seja, qual o resultado prático daquela jogada? Então, separei nas seguintes opções: gol, escanteio, pênalti, lateral, falta direta, retomada da posse do ataque (e finalizações que não foram gols) e posse ou contra-ataque da defesa.
Veja que 56.5% dos cruzamentos terminaram em posse ou contra-ataque do adversário. Quer dizer que a maioria dos cruzamentos de um time, na verdade, termina sendo uma devolução da bola pro adversário. Com a desvantagem de permitir um contra-ataque que pode ser mortal.
Apenas 3.3% dos cruzamentos terminaram em gols. Pênaltis, apenas 0.1%. Retomada de posse – algumas terminando em finalização até – foram fruto de 19.7% dos cruzamentos. Isso significa que apenas 23.1% dos cruzamentos foram favoráveis aos times que os realizaram.
Na Copa não foi diferente
Copa do Mundo, melhores jogadores do planeta em campo, gramados maravilhosos, clima de competição. Deveria mudar o aproveitamento dos cruzamentos. Mas a verdade é que segue sendo um fundamento aleatório, com baixa taxa de aproveitamento.
Foram 53.8% de cruzamentos desperdiçados devolvendo a bola ao adversário, permitindo contra-ataques. Apenas 2.7% dos cruzamentos terminaram com a bola na rede. Realmente muito pouco.
E a dupla Gre-Nal
No Brasileirão do ano passado, o Inter foi o segundo time que mais cruzou: total de 984 cruzamentos, acertando 212 (21.5%). Já o Grêmio foi o terceiro que menos cruzou, com total de 761, acertando 172 (22.6%). A busca pela referência na área é um princípio do modelo de jogo colorado, e isso aparece muito claro nos números.
Fazendo a mesma leitura dos clubes europeus, vamos dar uma rápida olhada nos cruzamentos da Dupla em dois jogos do Gauchão. Contra o São José, o Inter realizou 13 cruzamentos, dos quais apenas um terminou em finalização. O Zequinha ficou com a bola em 30.7% dos cruzamentos colorados.
Já o modelo de jogo tricolor não é tão afeito aos cruzamentos, prefere mais as tabelas e toques curtos em busca da chance de finalizar. Contra o Juventude, o Grêmio cruzou apenas sete vezes – e em 57.2% desses cruzamentos a bola terminou voltando para posse gremista, gerando inclusive uma finalização.
A questão é bem clara: o cruzamento não é um recurso eficiente. Contar com a sorte e a aleatoriedade de acertar bolas cruzadas é um risco, inclusive se formos ver que a tendência estatística dessas bolas é devolver a posse ao adversário e até mesmo gerar contra ataques.
Por mais que seja tentador saber que há um centroavante lá dentro da área esperando aquela bola, a verdade é que se apenas dois em cada cem cruzamentos terminam em algo favorável. A não ser que seja final de campeonato, 0 a 0 no placar, até o seu goleiro vai pra área, esperando aquele cruzamento salvador que pode dar o título tão sonhado. Ah, o futebol...