
Com quatro títulos no currículo nos últimos 20 meses, incluindo o pentacampeonato da Copa do Brasil e o tri da Libertadores, Geromel e Kannemann já têm cadeira cativa na galeria das melhores duplas de zaga do Grêmio. É de se imaginar, portanto, o peso que recai sobre Paulo Miranda cada vez que ele é chamado para atuar no lugar de um dos dois. Como irá ocorrer na partida deste sábado (29), no Engenhão, contra o Fluminense. Com os dois defensores titulares preservados para a partida de volta pelas quartas de final da Libertadores, terça, frente ao Tucumán-ARG, o zagueiro que o Grêmio buscou na Áustria estará ao lado de Bressan.
Aos 30 anos, Paulo Miranda, ou Jonathan Doin, como o leitor saberá algumas linhas abaixo, diz já ter superado a fase da carreira em que se assustava com os desafios.
— Não me sinto pressionado. Até porque sei da responsabilidade que é jogar no Grêmio. Trato de me dedicar ao máximo para as coisas darem certo — observa, com a economia de palavras que o caracteriza.
Episódios curiosos fora de campo marcam seus 11 anos de carreira. A entrevista de apresentação no Grêmio, por exemplo, é lembrada até hoje. Questionado sobre a dificuldade de fazer concorrência aos ídolos Geromel e Kannemann, Paulo Miranda, em ato falho, fez uma referência justo ao maior rival:
Hoje, ele sorri ao lembrar do episódio. Embora confesse ter sido tomado por um certo pânico ao ser alertado do erro pelo então vice de futebol Odorico Roman, que estava sentado ao seu lado, junto com Thaciano, também apresentado no mesmo dia. Restou um constrangido "desculpa pela falha aí".
— Na hora, enquanto seguia a entrevista, ia pensando comigo mesmo: "não é possível que eu falei isso". Depois, eu vi que teve muito meme na internet. Mas sou um cara de boa, sabia que iriam pegar no meu pé — conta.
O fato mais curioso na trajetória do paranaense da cidade de Castro, nascido em 16 de agosto de 1988, deu-se ainda quando ele se iniciava na profissão. Aos 19 anos, levado para atuar nos juniores do Iraty, Paulo Miranda foi, digamos, rebatizado. Tudo porque Jonathan Doin, o nome que consta em sua certidão de nascimento, havia sido considerado impróprio para um zagueiro pelo técnico Karmino Colombini.
— Depois do primeiro treino, ele me chamou e disse que Jonathan era meigo para um zagueiro. E disse que era preciso achar um nome mais forte, de respeito. Que começasse por Paulo — puxa pelo memória o defensor gremista.
Paulo Assunção foi a primeira sugestão apresentada pelo técnico. Vieram outras combinações, até Colombini lembrar-se de Paulo Miranda, zagueiro que havia atuado por Atlético-PR, Vasco e Flamengo. O novo nome pegou de imediato entre o grupo e logo foi assimilado pelo novato. Nos treinos, quando alguém chamava por Paulo Miranda, o atual zagueiro do Grêmio atendia na hora. Transmitido pela televisão para todo o estado do Paraná, o jogo entre Iraty e Coritiba, dias depois, pelo campeonato de juniores, serviu como cerimônia informal de batismo.
— Quando me passaram a prancheta para eu assinar a súmula, preenchi Paulo Miranda. Como o locutor passou a tarde inteira me chamando assim, não teve mais volta — recorda o jogador.
Hoje, só a mãe ainda usa o Jonathan. Para os filhos, Maria e Pedro, o pai chama-se Paulo.
— Não sei se eu agradeceria ao Colombini caso o encontrasse hoje por ter trocado meu nome. Mas não daria certo mesmo um zagueiro ser chamado de Doin. Ele tinha razão — admite.
No Iraty, foram seis meses, tempo suficiente para ganhar visibilidade e ser contratado em 2008 pelo Palmeiras. Com 20 anos, Paulo Miranda caiu nas mãos de Vanderlei Luxemburgo e passou a atuar com jogadores do status de Marcos, goleiro que havia sido pentacampeão mundial pelo Brasil em 2002, o chileno Valdívia e Kleber Gladiador. Como havia zagueiros de sobra no elenco, foi emprestado ao Oeste, clube do interior paulista. Também passou pelo Bahia, até chegar ao São Paulo, em 2011. São desse clube as melhores lembranças, como o título da Copa Sul-Americana de 2012. Na decisão, contra o argentino Tigre, foi lateral direito numa defesa que se completava com Rogério Ceni, Tolói, Rhodolfo e Cortez, hoje companheiro de Grêmio.
— Joguei muitas vezes na lateral. Ainda hoje, se o técnico precisar, posso atuar ali — avisa.
Se custa a receber uma chance no time de Renato Portaluppi - em nove meses, foram 17 partidas - Paulo Miranda aproveita cada chance para aprender com os titulares. Entende que os títulos e as convocações para as seleções brasileira e argentina são argumentos suficientes para que Geromel e Kannemann sejam idolatrados. Mas não se furta a analisar as virtudes de cada um.
— Geromel tem facilidade para roubar a bola, é rápido, consegue antecipar as jogadas. E cabeceia bem também. Kannemann é mais raçudo, doidão. Os dois se completam. Para mim, servem de espelho — afirma.
O elogio ganha ainda mais força por partir de um zagueiro que, em duas ocasiões, foi eleito o melhor da posição na Áustria, onde Paulo Miranda atuou entre 2015 e 2017, pelo RB Salzburg. No futebol europeu, ele diz ter adquirido maior profissionalismo, que o impede de repetir erros do início da carreira. Também está convencido de que a passagem pelo Salzburg fez dele um jogador melhor.
— Na Europa, joga-se de um modo diferente, eles fazem mais pressão quando o adversário tem a bola, nunca desistem da jogada. Você acaba assimilando o estilo deles. Estou mais experiente, com uma mentalidade diferente de anos atrás.
Se conquistar uma vaga na defesa já era difícil pela concorrência com Geromel e Kannemann, a lesão no ombro esquerdo, sofrida em partida contra o Botafogo, dia 28 de abril, criou um problema a mais para Paulo Miranda. O tratamento levou quase um mês e a volta só ocorreu dia 23 de maio, quando entrou no lugar do lateral-esquerdo Marcelo Oliveira, já no segundo tempo da vitória por 1 a 0 contra o Defensor-URU, pela Libertadores. Episódios que ele encarou sem queixas.
— Quando vim para cá, já sabia qual seria a zaga titular. Mas tenho na cabeça que preciso trabalhar. Não me acomodo no banco. Vim decidido a jogar e conquistar títulos. Se houver uma brecha, estou na cola — brinca.