Grêmio

De frente com o ídolo

"Eu me garanto em todos os sentidos", diz Renato, ao comemorar um ano no Grêmio 

Treinador se diz incomodado com o conservadorismo de Porto Alegre, fala de Arthur, Valdir Espinosa, Bolaños, gestão, futuro, rechaça a fama de mascarado e se confessa tímido

Luís Henrique Benfica

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Marco Souza

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PORTO ALEGRE, RS, BRASIL, 15/09/2017:  Renato Portaluppi fala sobre um ano de Grêmio. (FOTO: ISADORA NEUMANN/ AGÊNCIA RBS)

O Grêmio havia perdido o rumo em setembro de 2016. Duas goleadas retumbantes, contra Coritiba (4 a 0) e Ponte Preta (3 a 0), haviam fragilizado de tal forma o trabalho de Roger Machado que o próprio treinador antecipou-se e pediu demissão. Para seu lugar, foi anunciado Renato Portaluppi, que desembarcou dia 19 para sua terceira experiência na casamata do clube em que ainda reina como maior de todos os ídolos.

Depois da dramática estreia, com vitória nos pênaltis contra o Atlético-PR e classificação para as quartas de final da Copa do Brasil, Renato ajustou a defesa, o setor mais crítico do time, e deu a objetividade ofensiva que a torcida reclamava. "Deu malandragem" aos jogadores, conforme resumiu naquele momento. Resultado: em três meses, o Grêmio erguia a taça de pentacampeão da Copa do Brasil, punha fim a uma espera de 15 anos e os torcedores mais empolgados pediram uma estátua para o treinador.

Nesta sexta-feira, por uma hora, enquanto tomava dois copos de chá, Renato recebeu  Zero Hora em sua sala no CT Luiz Carvalho, enquanto a chuva castigava a Capital. Suas declarações misturam a felicidade de treinar o time do coração com o orgulho do trabalho como gestor. Sem  meias palavras, Renato fala sobre a saída de Espinosa e Bolaños e revela uma fase desconhecida. "Não sou mascarado, sou é tímido". 

O que é motivo para comemoração neste um ano de Grêmio?
Tem vários motivos. Em primeiro lugar, é um privilégio treinar o Grêmio pela terceira vez. Isso comprova capacidade, acima de tudo. Porque uma coisa é você treinar um clube onde é ídolo e não dar resultado. De repente, você nem volta mais. Infelizmente, o Rogério Ceni é um exemplo. Outra coisa é ser ídolo, ser contratado para treinador e dar resultado. Se é a terceira, é porque as anteriores deram resultado. Não é só porque o Renato é ídolo. Na primeira vez, todos diziam que o Grêmio iria cair, estava em 19º lugar no Brasileirão e chegou na Libertadores. Em 2013, também não vinha bem e foi vice-campeão brasileiro. Na primeira vez, saí porque vi que ia ter problemas com o presidente. Na segunda, resolvi ir para o Fluminense porque não ia me acertar financeiramente. Agora, fechou com chave de ouro pelo título que conquistamos e pelo trabalho que estamos fazendo até agora neste ano.

Ter sido campeão como treinador teve o mesmo significado de ter sido campeão da Libertadores e do Mundial como jogador?
Do mundo, não. Este é imbatível. Mas, pela emoção, é como se tivesse sido campeão como jogador. Primeiro, porque é inadmissível um clube grande como o Grêmio ficar 15 anos sem conquistar um título nacional. Não pode, não pode. E fiquei feliz por ter sido comigo. Foi um momento muito especial, muito marcante, porque um treinador também vive de títulos. 

Como é viver com o peso de ser muito mais cobrado, tanto nas vitórias quanto nas derrotas, por ter tido esta história vitoriosa dentro do Grêmio?
Tudo se resume em uma só palavra: capacidade. Eu me garanto em todos os sentidos. Eu sei que as cobranças em cima são sempre maiores por ser ídolo. Mas, para eu estar aqui, como treinador do Grêmio, tomar as decisões que tomo e dar resultados, tem que ter capacidade. Eu não vou ganhar tudo. Tanto é que o Grêmio estava há 15 anos sem ganhar e vários treinadores passaram aqui. É lógico que o Grêmio vai ter derrotas. Mas, nas derrotas, todos têm sua parcela de culpa, como nos títulos. Acima de tudo, é capacidade. E capacidade é o que não me falta. Só quem convive aqui dentro sabe do que eu faço aqui dentro.

Qual sua maior contribuição em outros setores do clube?
Acho que é aquilo que já falei para vocês. Eu administro as coisas todas que acontecem aqui. Coisas que a maioria dos treinador não faz. É me meter em outras áreas para as coisas andarem. Muitos treinadores não se metem. Eu respeito. Até porque muitos não entendem ou não querem bater de frente com alguns departamentos. Comigo, não tem essa. Porque sei que tudo vai estourar lá dentro (do campo). Então, vou me meter em tudo, sim. Trocando ideias, conversando. Mas, se eu achar que tem de mudar alguma coisa em outra área, vai ser mudada, sim.

Você faria a mesma coisa em outro clube em que não tivesse tanta história?
Faço a mesma coisa.

E é aceito assim tão pacificamente?
Bom, em primeiro lugar eu me meto porque eu conheço. Em segundo lugar, eu provo para as pessoas que, se estiver mudando alguma coisa, é para o bem do clube. É aquilo que falo: você tem que se garantir. Porque tudo num clube, quando as coisas não andam, estouram no cara que está na beira do campo. Então, para se garantir, ele precisa ter conhecimento de tudo o que acontece dentro do clube e se tiver de mudar, ele vai mudar.  

Um exemplo em que sua interferência fora de campo foi positiva foi na renovação de Pedro Rocha, que você aconselhou a renovar contrato. Há outros exemplos? Você tem tempo para tratar dessas coisas, mesmo com tanta coisa para fazer dentro de campo?
Tenho. Meus olhos enxergam longe, muito longe.

Que hora você chega aqui ao clube?
Sempre chego muito cedo. Uma hora, uma hora e meia antes de todo mundo. Porque troco minha roupa e já circulo no clube, vou aqui, vou ali, vou lá. Porque já sei algumas coisas que estão acontecendo ou vão acontecer. Agora, que fique bem clara uma coisa. O clube tem o presidente e a diretoria que comandam. Agora, eu me meto nas coisas e mostro onde precisa ser modificado para o bem do clube. Se vou ser atendido ou não, é outra história. 

Mas uma coisa é Renato circular aqui e dar sugestões. Outra é um treinador de fora fazer isso ...
Mas aí não vou me meter no trabalho dos outros. Uma coisa é ter coragem e capacidade. Não adianta você querer interferir em outras áreas se não entende do assunto. Vai tomar patada de tudo que é lado. Outra coisa é conversar, trocar ideias e, se achar que tem de mudar, vai mudar, sim.

Uma marca de seu trabalho é sempre achar soluções para os problemas que surgem, como fazer o time dar certo mesmo perdendo jogadores como Walace, Maicon e, agora, Pedro Rocha?
Agora quem pergunta sou eu: você tem alguma dúvida? Eu não tenho nenhuma. Quantos jogos o Grêmio joga sem vários titulares e eu não me queixo, como agora, contra o Botafogo? Não treino um time, eu treino um grupo. No futebol, sempre há jogador machucado, suspenso ou vendido. Não me queixo, mas as soluções eu arrumo. E não foram em dois jogos, foram muitos jogos.

Você acha que já superou aquele rótulo de que é só motivador?
Deixa eu falar uma coisa para você. O treinador de futebol precisa ter qualidades. As principais qualidades eu falo de cara. Uma, é ser gestor. Outra, é ser motivador. Você tiver todas as qualidades, entender taticamente, ser grande gestor, entender de futebol, mas também precisa saber motivar seu grupo. E eu, graças a Deus, entendo demais de futebol e sou um grande gestor e motivador. Há alguns meses, depois do campeonato gaúcho que perdemos, eu dei uma entrevista para vocês e disse que não era bom, era muito bom. É muito fácil dar uma declaração dessas quando se ganha um título. Eu dei quando nós perdemos. E o resultado está aí, nessas três competições que o Grêmio estava disputando.

Por falar em ser gestor, você recebe convites para dar palestras?
Recebo muitos convites.

Dentro de Porto Alegre?
Também. E muitos fora. Não vou por dois motivos. O primeiro, por não ter tempo. E outro motivo deixo para lá.

Seria financeiro?
O financeiro, também. Às vezes, pagam pouco ou dentro das condições que possam pagar e para mim não vale a pena porque já tenho pouco tempo. Se sair da minha rota de trabalho, tem que valer a pena. E também não vou ficar ensinando ninguém a trabalhar.

Sua personalidade o ajuda a tomar algumas decisões com jogadores que, por vezes, podem ser delicadas?
Não é nem a personalidade, é o gestor. Eu trato todo mundo igual. Eu preciso tanto dos que jogam como dos que não jogam. Não posso dar tratamento diferenciado. Trato todo mundo igual, brigo com eles todos os dias, cobro da mesma forma, se tiver de dar um puxão de orelhas, vou dar. Meu tratamento é igual para todos, na boa e na ruim. Alguns enxergam um palmo na frente, alguns enxergam 10 metros, eu enxergo um quilômetro lá na frente. Algumas decisões não são para agora, são para não deixar abrir um buraco lá na frente. Claro, posso errar, mas é difícil. Quando tomo decisões, eu sei o que estou fazendo. 

Como é para o treinador saber que, a qualquer momento, pode perder um jogador importante, como aconteceu com Pedro Rocha?
Mas hoje o Grêmio está bem resguardado para isso. A maior prova é Arthur, não é porque foi convocado para a Seleção. Ontem mesmo (quinta), no aeroporto do Rio, eu já tinha falado para ele abrir o olho porque poderia ser convocado. Se isso acontecer, mantenha os pezinhos no chão, não muda em nada. E não desanime se não for. Até ontem, você não era ninguém. Sempre disse ao presidente,  lá atrás, que era uma das galinhas dos ovos de ouro do Grêmio. Quando o presidente falava em problemas financeiros, eu dizia que eles logo seriam resolvidos. 

Tem alguma outra galinha dos ovos de ouro no clube?
Tem o Luan.

Mas outra que ainda não seja uma afirmação ...
Está vindo uma safra de garotos que estamos trabalhando. Fazemos tudo. E eu sei muito bem como trabalhar um garoto. Agora, o fundamental são eles dentro de campo. Até cinco meses, ninguém sabia quem era o Arthur. E hoje ele joga em qualquer time da Europa, pode ter certeza. O Tite falou que muito da convocação de Arthur se deve ao papo que teve comigo. Só estou falando porque ele disse hoje (quinta-feira), na coletiva. 

Quando vocês conversaram?
Foi em Curitiba, no hotel, na véspera do jogo contra o Atlético-PR, pela Copa do Brasil. Eu falei: "Fica de olho nesse moleque,  ele vai jogar em qualquer time da Europa". Treinador conversa com treinador. Ninguém conhece melhor o jogador do que o treinador. Eu acho muito bom este trabalho que o Tite faz, de ligar para os técnicos. 

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Você prometeu para a família que, desta vez, encararia a carreira de treinador com mais seriedade do que antes?
Não que eu não estivesse encarando. Seria dar uma sequência maior no trabalho. Porque a vida de treinador não é fácil. Ainda mais do jeito que eu gosto de trabalhar. Eu controlo tudo, é muito desgastante.

O conservadorismo de Porto Alegre te incomoda?
Incomoda em algumas coisas. Porque eu tenho uma cabeça totalmente diferente da que eu tinha. Fiz 55 anos e moro há 33, 34 no Rio. Sou gaúcho, me orgulho disso, mas morei no Rio a maior parte da minha vida. É a cidade que escolhi para morar o resto da minha vida. 

Isso vai pesar em sua decisão no final do ano?
Nem parei  para pensar. Falei que ia trabalhar e vou trabalhar. Aqui ou qualquer outro lugar. Nunca falei que vou embora no final do ano. O resultado do trabalho está aí. Um tempo atrás, tive uma proposta maravilhosa de um grande clube e nem levei para a diretoria. descartei. Depois de uns três, quatro dias, chamei meu vice-presidente e falei que tinha descartado. Você já fica sabendo por mim.

Financeiramente, essa proposta era melhor do que a do Grêmio?
Foi uma proposta maravilhosa. Eu não quis. Minha preferência sempre será pelo Grêmio. Não me falta nada aqui. Tenho liberdade de trabalho, um maravilhoso relacionamento com presidente e a diretoria, um grupo maravilhoso de trabalho, tenho a força da nossa torcida. Aqui, tudo o que peço, me dão.

Seu desejo é renovar com o Grêmio?
Sempre é o desejo, mas não quero pensar nisso. Eu quero é pensar em ser campeão. Às vezes, Odorico (Roman, vice de futebol) me pergunta algumas coisas, quer que eu tome algumas decisões para o ano que vem. Isso faz parte, mas eu peço calma. Enquanto tivermos chances de ser campeões, quero trabalhar para isso.

Mas você já observa nomes de jogadores para 2018?
Eu estou sempre na frente. Não espero terminar o ano, eu me movimento.

Qual seu sentimento em relação a Bolaños, que pediu para ir embora?
Ele disse que não queria mais ficar, a família não queria mais ficar. Então, não adianta. Como vamos ficar com um cara desses? Mesmo que ele fique, onde estará a cabeça dele? Eu quero jogadores comprometidos com o trabalho, com o clube. Se não for assim, não serve. Ninguém mandou Bolaños embora. Ele quis ir embora, não quis ficar, não quis ser ajudado.

É uma postura diferente da de Luan?
Sim. Converso com ele quase todos os dias. Luan não é problema, é solução. Tanto poderia ficar, como ficou, ou ser vendido e o Grêmio iria ganhar muito dinheiro. 

Você diz a todo momento que se garante, que enxerga longe. Para muitos, isso soa pretensioso. Você se acha, Renato?
Eu me acho capacitado. Nada mais do que isso. Para eu falar o que falo e dar os resultados que dou, tenho de ser capacitado. Tem muitos colorados que querem tirar foto comigo, dizem que me admiram e que gostariam que eu estivesse lá no Inter, porque você é muito bom. O próprio  colorado fala isso. Eu me acho capacitado. E muito, não é pouco não. Muita gente me chama de mascarado. Não sou. Sou é tímido. E teria todas as ferramentas para ser mascarado. É meu jeito. Quem me conhece, sabe que sou tímido.

Em que momentos sua timidez se manifesta?
Muitas vezes uso óculos até para me proteger. Quando viajo sozinho, ponho óculos e boné para ninguém me reconhecer. Quando estou sozinho, fico quase perdido. As pessoas dizem que é mentira minha, mas não é.

Quando você entrou com seu busto na sala de imprensa, sua intenção era apagar o incêndio da saída de Espinosa?
Parabéns. Você sacou. Eu só falei para o presidente, pois precisava da autorização dele para tocar o menos no assunto Espinosa. Ele gostou. Decidi levar porque iriam falar mais nisso e menos no incêndio. Há horas que você precisa ver lá na frente. Ninguém queria deixar de falar no Espinosa, só queríamos diminuir o incêndio. Para deixar bem claro: Espinosa é meu pai, foi ele que me descobriu, me trouxe para o Grêmio. Um dia, talvez vocês fiquem sabendo o que aconteceu realmente aqui dentro. Eu fui o primeiro a falar com ele depois do episódio. Perguntei se ele queria eu intercedesse, ele disse não. Insisti: tem certeza? Se você quiser que eu interceda, me telefone. Então, respeitei a opinião dele.  




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