Os clubes brasileiros conseguiram criar uma competição com começo e fim. E nada no meio. Assim é a Primeira Liga, retomada hoje depois de quatro meses no esquecimento.
Serão quatro jogos decisivos, entre eles confrontos entre da dupla Gre-Nal com os gigantes mineiros Atlético-MG e Cruzeiro. Flamengo e Fluminense também figuram nos matas, em jogos com os paranaenses Paraná Clube e Londrina. Ou seja, a competição tinha tudo para mobilizar torcedores e fazer bombar a noite de quarta-feira. Só que não. Porque a Primeira Liga se tornou um fracasso.
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O mais esquizofrênico dessa competição foi que os próprios clubes a fizeram definhar. Lançada no final de 2015 como símbolo de combate ao poder da CBF e embrião de uma futura liga nacional e independente, ela nunca decolou por incompetência dos próprios organizadores, que jamais souberam pensar nos interesses de forma conjunta. No sua edição de estreia, a Primeira Liga saiu de improviso, numa ação para marcar posição. No segundo, quando deveria ganhar corpo e se estabelecer, acabou esfacelada pelas disputas por cotas de TV. Tanto que Atlético-PR e Coritiba a abandonaram.
– Uma competição depende de apelo. A Primeira Liga virou um fiasco. É o maior fiasco do futebol brasileiro dos últimos tempos. Se a CBF é ruim, os clubes conseguem ser piores – critica o consultor de marketing e gestão esportiva Amir Somoggi.
Quando fala de apelo, Somoggi se refere ao esvaziamento promovido pelos próprios clubes. O Inter, envolvido com a Série B, até usou titulares nas duas primeiras partidas. O Grêmio, no entanto, mandou reservas nas duas primeiras rodadas e a equipe de transição na terceira – o que também foi feito pelo Inter. Agora, para as quartas de final, ambos irão com suplentes. O resultado é que os jogos viraram eventos fantasmas. Em levantamento feito por ZH, a média de público pagante nos 24 jogos de 2017 foi de 6.364 por jogo. A de renda, de parcos R$ 136.395. Só dois jogos tiveram públicos superiores a 20 mil pagantes: Flamengo x Grêmio (20.224, no Mané Garrinha) e o clássico Atlético x Cruzeiro (20.792, no Mineirão)
– Essa competição mostra a capacidade gerencial dos clubes. Se são incompetentes até para gerenciar seu marketing, o que se dirá de bombar uma competição organizada por eles? Fizeram a Primeira Liga ser mais insignificante do que os Estaduais – compara Somoggi.
Os clubes parecem querer se descolar da competição. ZH procurou o CEO da liga, José Rodrigo Sabino, para ouvi-lo sobre o futuro dela. Sabino, de forma educada, disse que as manifestações oficiais são feitas pelo presidente, Gilvan Pinho, que é também o mandatário do Cruzeiro. A assessoria de imprensa do clube disse que Gilvan não atende a pedidos de entrevistas especiais. Uma declaração por WhatsApp foi solicitada. A resposta foi curta:
– Ele não concordou.
Procurado em Porto Alegre, o presidente do Grêmio, Romildo Bolzan Júnior, um dos entusiastas da liga, atendeu ao telefone, mas estava em audiência. Em novo contato, alegou estar em reunião e impedido de falar no momento. Procurado através da assessoria de imprensa do Inter, o presidente Marcelo Medeiros estava envolvido com a presença da Seleção Brasileira no Beira-Rio e incomunicável até as 18h30min. Não houve retorno depois disso.
Talvez um dos poucos entusiasmados com a competição, o presidente da Paraná Clube, Leonardo de Oliveira, lamentou que a disputa tenha definhado. O Paraná, ao lado do Londrina, será o único a usar força total nos jogos desta noite. Para Oliveira, a competição trouxe ao clube a chance de se balizar para a Série B contra adversários de melhor nível, o que seria impossível no Estadual.
– A Primeira Liga começou como movimento muito político, que acabou quando a bola rolou. Os interesses na competição e financeiros desvirtuaram a competição. Ela acabou sem o sucesso que poderia ter – resume o dirigente.
O motivo do fracasso da Primeira Liga vai além da dificuldade dos clubes em pensar de forma coletiva na opinião do CEO da Universidade do Futebol, Eduardo Tega. Para ele, o erro está na origem da criação da liga e foi estratégico. Tega elogia a iniciativa dos clubes nesta reação ao poder da CBF e das federações, classificado por ele como "arcaico". Mas diz que a competição deveria ser um segundo passo.
– Os clubes deveriam primeiro pensar numa associação para uni-los e não numa competição. Faz muito mais sentido uma associação de defesa dos interesses dos clubes diante da tentativa de enfraquecimento (pela CBF) de poder deles em decisões fundamentais – observa Tega.
Como o jogo está marcado e vendido para a TV, a Primeira Liga será finalizada de qualquer modo neste ano. O contrato de televisionamento vale por mais um ano. Mas ninguém garante o futuro da competição. Nem os clubes fazem força para garanti-lo. O desfile de reservas nesta quarta-feira é a prova disso.
* ZH Esportes