O cronômetro marcava pouco mais de 30 minutos do segundo tempo quando a bola chegou aos pés do jovem ex-padeiro nascido em Guaporé. Na linha de fundo, cercado por dois adversários, arranjou o mais improvável cruzamento na história do esporte. Uma levantadinha sutil, seguida por um chute capaz de fazer a bola subir veloz e descer precisa, encontrando o destino que parecia impossível – e talvez, para um humano, não fosse mesmo possível.
Estamos falando de Renato. Embora o gol que tenha tirado a virgindade gremista em conquistas internacionais, em 1983, diante do já tetracampeão Peñarol, tenha surgido do mergulho de César, foi o milagroso passe de Portaluppi que mudou o mundo. A genialidade do lance protagonizado pelo eterno camisa sete permitia que César perdesse o gol que ainda assim ninguém reclamaria. Campeões da Libertadores veríamos todos os anos, mas um cruzamento como aquele o futebol nunca mais teve a chance de presenciar. Mas César guardou, pois a vida quis que a maior jogada de todos os tempos resultasse na libertação daquela torcida que sofreu tanto nos anos 1970.
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Em campo, Renato fez tudo. Apresentou ao Rio Grande um título mundial, enfileirou Gre-Nais e provocou adversários. Aposentado, poderia desfrutar a água quente das praias do Rio de Janeiro que sua imagem como maior jogador na história do Estado estaria eternizada. Mas, a cada grito por socorro, ele não hesita em voltar. Em 2010, transformou o possível rebaixado em classificado para a Libertadores. Em 2013, em vice-campeão nacional.
No seu terceiro retorno, Renato foi contestado. Em uma era onde a nerdice ganha força na casamata, é difícil aceitar que um bon-vivant como Portaluppi seja digno de estar entre os melhores. O que não se sabia, porém, era sua capacidade de fazer algo que nenhum livro ou curso na Europa ensina. Renato transforma jogadores desprezados em ferramentas letais dentro do seu esquema tático. Ramiro, depois de tantas lesões e insucessos em diferentes posições do campo, tornou-se elemento fundamental no time que conquistou o pentacampeonato da Copa do Brasil. Pedro Rocha, talvez o mais criticado, teria hoje condições de escolher por qual equipe da primeira divisão deseja jogar. Fernandinho, que tropeçava em sua própria ineficiência a cada chance que recebia, tornou-se um reserva de luxo, capaz de marcar até gols de falta. Renato, meus amigos, cura aleijados e transforma a água da Arena em Chateau Petrus.
Contestado no início da temporada, o elenco gremista perdeu Walace e Douglas, e viu o capitão Maicon virar reserva. Ainda assim, com Michel, Arthur, Bruno Cortez e, às vezes, Léo Moura, o Grêmio luta nas três frentes que se apresentam. Aparentemente, o único nome insubstituível é o de Renato.
E então Bressan. Depois de dar errado em duas passagens e ser liberado para tentar ser feliz em outros ares (onde reencontrou o mau futebol), Renato abraçou o retorno do zagueiro. Mesmo crítico do defensor, não lamentei. Ele estava voltando para algo maior. Era hora de ser curado. De deixar as falhas no passado e fazer valer a expectativa que se tem de um zagueiro espadaúdo e de pernas longas. Assim como Fernandinho, Bressan viraria um bom reserva e, quem sabe, um sucessor da coroa de Pedro Geromel.
E então Bressan. Logo começou a temporada e veio a primeira falha de posicionamento. "O processo de cura leva tempo", pensei. E então Bressan. Mais uma falha de posicionamento, uma bola perdida, um cartão bobo, uma falta desnecessária próxima área. E ontem Bressan. Com 4 a 0 de vantagem, Renato poupou Geromel, com desconforto muscular, e investiu em Bressan. Bastaram 15 minutos para que o zagueiro se atrapalhasse na marcação de Pablo e permitisse ao adversário o primeiro gol da noite, despertando um medo logo acalmado pelo tranquilizante gol de Pedro Rocha. As coisas ficaram tão calmas que Bressan conseguiu impressionantes seis desarmes e uma espécie de assistência para o segundo gol tricolor. Por quase um tempo inteiro, esqueceu-se do seu papel em campo, até que despertou e, desajeitado, cometeu a falta que resultou no segundo gol paranaense, já ao apagar das luzes.
Se um dia me opus à escalação de Bressan, hoje a entendo. Faz parte de uma ideia que vai além do resultado. É, antes de qualquer coisa, um lembrete e um pedido de calma de Renato para o eufórico torcedor. Sejamos cautelosos, pois Renato ainda é humano e nem todos podem ser curados.
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