As mesmas mãos que salvaram o Grêmio na Batalha dos Aflitos agora se ocupam com caneta, planilhas e frutos do mar. Aos 34 anos, Rodrigo José Galatto, o goleiro que marcou seu nome na história do clube com atuação heroica contra o Náutico em 2005, garantindo a volta à Série A, agora é representante comercial.
Embora não dê a carreira no futebol por encerrada, Galatto não quer saber de aventuras. Tanto que descarta jogar onde o salário demora mais de 30 dias para cair na conta. Garantir a estabilidade da esposa Jacieli, 28 anos, e da filha Lívia, dois anos, é sua maior preocupação.
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Mesmo que ainda não tenha se aposentado de fato, Galatto soube se preparar para o momento de pendurar as chuteiras. Poupou, investiu e fez patrimônio. Não é milionário, como outros com quem conviveu na carreira, mas vive confortavelmente num condomínio fechado em Gravataí.
Afastado dos gramados desde o ano passado, quando assinou com o Juventude, mas deixou o clube sem nem sequer estrear, Galatto recebeu o convite para trabalhar com frutos do mar do amigo Daniel Kampff. Ele é seu fiel escudeiro desde os 10 anos de idade, quando os dois se criaram na parada 72, em Gravataí.
Há quatro anos, Kampff abriu um escritório de representação da empresa Frumar e expandiu o negócio. Vende salmão, atum, camarão, filé de anjo, panga, entre outros, a supermercados e restaurantes - principalmente os de culinária japonesa.Com o apoio de Galatto, lançou um serviço de entrega a domicílio.
Inicialmente, dedicaram-se a condomínios e edifícios. Depois, ampliaram a atuação: com catálogo online, recebem encomendas por WhatsApp e entregam, com uma van, na Região Metropolitana. Em média, atendem 10 pedidos por dia.
– Em relação a peixe, não sabia quase nada. Mas, com o convívio na empresa, fui aprendendo. O que mais sai é salmão e atum, que são vendidos frescos e não congelados. Por isso, têm um sabor especial – explica Galatto.
Apesar da dedicação ao novo trabalho, o goleiro segue no aguardo de propostas para voltar a jogar. Em uma academia de Gravataí, realiza treinos para manter a forma. Mas a rotina de vestiário, com concentração e jogos, lhe faz falta.
– Dá saudade. Mas hoje, jogador é mercadoria. Há muitas promessas não cumpridas e dinheiro envolvido. Não desisti da carreira. Se aparecer uma proposta, vou analisar. Mas sei que é difícil por já estar um tempo parado – reconhece o goleiro.
Embora evite pensar na hora de parar, Galatto deseja seguir no futebol depois que encerrar a carreira. A ideia de trabalhar como executivo faz seu olho brilhar, já que pensa em se inscrever num curso de gestão esportiva. Mas não descarta seguir ligado aos campos, atuando como preparador de goleiros.
– Estudar nunca é demais. Você nunca sabe o dia de amanhã, precisa estar preparado. Em 2005, quando surgiu a chance de ser titular, eu estava preparado. Não deixei escapar – lembra.
Enquanto tenta acertar com um novo clube, Galatto mata a saudade do futebol com visitas ao CT Luiz Carvalho. O goleiro consulta o zelador Moacir da Luz para saber os horários de treinos. Prefere ir ao local no turno inverso ao das atividades.
– Tomo chimarrão com o Fernandão (segurança), o Moacir, o Alemão da rouparia (Marco Severino) e também com o seu Verardi (supervisor). É como se eu estivesse em casa. Só vou quando não tem treino, até para fugir um pouco dos holofotes – conta.
Entrevista Galatto, ex-goleiro do Grêmio: "Não botei dinheiro fora"
Você conseguiu se preparar para encerrar a carreira?
Consegui. Por isso, aos 34 anos, não estou jogando em time pequeno. Não botei dinheiro fora. Não gastei com carro, nem com festa. Fui aplicando, fazendo investimentos. Tomei este cuidado para não ter sustos. Estes dias vi uma reportagem sobre o Dagoberto, que parou de jogar e tem dois restaurantes em Curitiba. Ele disse que tem feriado, final de semana. Me identifiquei. Deixei de fazer várias coisas. Estava plantando para colher agora.
Dá conselhos aos mais jovens para se prepararem?
No Criciúma, tinha jogador que recém tinha subido para o profissional e tinha carro de R$ 80 mil. Aí eu perguntava: você está morando no carro ou na casa própria? O guri financiava um carro, que amanhã vai valer menos que a metade, e morava de aluguel. Quando comecei a jogar, comprei um apartamento. Eu tinha um Gol 1.0 e, quando renovei, comprei um Golf. Meu pai me puxou a orelha. Aí dei o carro de entrada e comprei um apartamento na planta. Assim, fui criando patrimônio.
Você sempre lembra da Batalha dos Aflitos?
Tenho a camiseta do jogo lá em casa. Está exposta em um corredor onde tenho alguns troféus, placas de homenagens. Então, a gente lembra. Quando estou na rua, num restaurante, recebo muito carinho do torcedor.
Você guarda objetos que usou naquela partida?
As luvas, eu não tenho mais. Perdi no hotel em Bento Gonçalves, na pré-temporada 2006. A camiseta está guardada. A chuteira, eu doei para um roupeiro da base do Grêmio. Não sou um cara que se apega a objetos.
O Grêmio o reconhece da forma como deveria?
Em nenhum momento fui procurado para apertar a mão do presidente. Mas o torcedor faz questão de vir me cumprimentar diariamente. Lá no túnel da Arena tem minha foto, sou orgulhoso. Já se passaram quase 12 anos, mas parece que para o torcedor é recente. Já ouvi gente dizendo que alguns presidentes não queriam tocar no assunto porque foi Série B. Joguei na Espanha e me disseram que, se fosse na Europa, teria um contrato em branco para virar embaixador do clube. Mas estou na foto do título, estou na história. Isso nunca vai se apagar.
Qual é sua lembrança mais marcante daquele jogo?
O ano todo foi marcante. Em janeiro, eu seria emprestado ao Brasil-Pel. Mas, após a saída do Andrey, eu fiquei. Depois, o Eduardo e o Márcio também saíram, sobrou só eu. Depois que subiram o (Marcelo) Grohe e o Cássio. Não sei como suportei aquela pressão. O presidente chegava no vestiário e dizia que, se a gente não subisse, ele não sabia o que seria do Grêmio. Quando aquele segundo pênalti foi marcado, veio um filme do ano todo na cabeça. Mas, felizmente, fiquei marcado de forma positiva.
Era tão complicada assim a situação do Grêmio?
O quadro financeiro era terrível, não tinha dinheiro para nada. O plantel se reapresentou com sete jogadores no início do ano. Não é o caso do Inter, que está na Série B, mas está estruturado, com sócios e estádio. Naquela época, o Grêmio tinha poucos sócios. Hoje tem quase 100 mil. É uma realidade totalmente diferente.
O clube atrasava salários naquela época?
O grupo começou com sete jogadores, não chegava a ter atrasos. Só que os salários também eram muito diferentes do que se paga hoje. Naquela época, para ganhar R$ 20 mil, tinha que fazer três gols por jogo. Quando contrataram o Somália, ele veio ganhando R$ 40 mil. Iria ser o cara para resolver nosso problema. Os outros ganhavam R$ 2 mil, R$ 3 mil, R$ 1,5 mil por mês.
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