O início da noite de 15 de dezembro de 1996, em que um Olímpico lotado vibrou com o bicampeonato do Grêmio no Brasileirão, ainda mexe com a cabeça de Ailton Ferraz. Há 20 anos, ele enchia o pé esquerdo para vencer Clemer e marcar o gol do título sobre a Portuguesa. Aquela foi a última grande taça erguida no estádio que hoje está em ruínas e aguarda pela implosão na Azenha.
Hoje treinador, Ailton mantém a parceria de sucesso com Roger Machado e Adílson Batista. Agora, no entanto, é na sala de aula. Os três campeões de 1996 realizam nesta semana o curso de técnico da CBF em Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. Entre hotéis e a Granja Comary, aprendem teoria e prática para aprimorar seus métodos de trabalho.
Leia mais
Grêmio apresenta proposta de renovação a Renato Portaluppi
Clube cogita até "contrato sem prazo" para renovar com Renato
Libertadores 2017: os classificados e quem luta pelas últimas vagas
– A gente conversa bastante, estamos no mesmo grupo de trabalho. Os treinadores do futebol brasileiro não estão parados. O 7 a 1 condenou a nossa classe, mas estamos estudando há muitos anos – observa Ailton.
Questionado sobre a frase do amigo Renato Portaluppi, após o título da Copa do Brasil, dizendo que "quem não sabe, vai para a Europa estudar", Ailton evita polêmica. E entende que a declaração não teve tom ofensivo:
– A gente sabe como ele é. Não falou por maldade, é uma coisa dele, até um personagem. Aqui no curso, a galera entendeu. É uma pessoa do bem, é o jeito dele. Jamais ele iria denegrir alguém.
Hoje com 50 anos de idade, o herói do bi brasileiro do Grêmio pendurou as chuteiras em 2002, pelo Uberlândia. Cinco anos depois, assumiu como técnico pela primeira vez no America, do Rio. Depois rodou por clubes do interior carioca até virar auxiliar de Jorginho no Goiás, em 2010. Separou-se dele em 2013, após passagem pelo Flamengo, e decidiu fazer carreira solo.
Teve sucesso no comando do Resende, conquistando a Copa Rio no ano passado. Agora, busca um novo clube para trabalhar. Mas nem por isso se descuida da família. Vive com sua mulher, Cássia, com quem está casado há 35 anos, e com a filha Melany, 22 anos, no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio.
Seu primogênito, Ailton, 31 anos, mudou-se para a República Tcheca há três anos. E Cristiano, o filho do meio, com 29, tentou a vida como jogador. Mas não conseguiu fazer carreira e hoje está em vias de se tornar pastor.
– Tem coisas por trás desta rotina de treinador que muita gente não sabe. Você acaba abrindo mão das coisas não para si, mas para a família – conclui.
O que mais te marcou naquela final?
Foi a chegada do Dinho até a beira do campo, pedindo para tirar ele e me colocar. O Felipão disse para aquecer, eu falei que não tinha como. Era entrar e "vamo que vamo". A bola parecia que só vinha em mim. Quando o Carlos Miguel alçou na área e o zagueiro Emerson rebateu de cabeça, só pensei em uma coisa. Gritei para o Paulo Nunes não ir na bola para eu chutar. Se fosse na arquibancada, azar. Mas quando vi a bola entrando, foi fantástico.
Como era o clima no Olímpico antes do gol?
Um funcionário do Grêmio tinha me dito que eu ia entrar e faria o gol. O Rodrigo Gral também, e o Wagner, zagueiro. Naquele momento, passou tudo isso na minha cabeça. Mas eu não entrava. O time tinha dado uma esfriada e não conseguia criar mais. Então, era preocupante. A torcida tinha dado uma calada, a equipe não estava criando situações para incendiar a arquibancada. O momento era de tensão. A gente poderia não conquistar o objetivo.
Sua comemoração teve tom de desabafo.
Eu fazia gols, mas não era um artilheiro. Fiz oito gols no campeonato, mesmo ficando alguns jogos de fora. Eu não estava tão mal assim. Mas as críticas eram pesadas, meu filho lia jornais e chorava. Quando as pessoas criticam, não atinge só o profissional, afeta toda a família, e até mandei a minha para o Rio. Disse a minha esposa que daria a volta por cima. Nunca saí de um clube por baixo, não seria diferente no Grêmio. A comemoração foi um desabafo, não com ódio de pessoas. Mas para eu mesmo. Uma resposta para mim sobre minha capacidade, minha espera.
Você viu o Olímpico desde que foi desativado?
Não vi. E, do jeito que me falaram, nem fiz questão. Sou emotivo, ia trazer lembranças felizes, mas, ao mesmo tempo, um sentimento de incapacidade. É um estádio em que tivemos vitórias, não tem como não se emocionar. Fui no Sul seis vezes neste ano, mas em nenhum momento quis passar lá. Eu sei o quanto isso ia acarretar uma tristeza profunda e uma saudade muito grande.
Ainda guarda relíquias daquele título de 96?
O que eu guardei foi a camisa que usei. Infelizmente, sumiu, não sei como. Apareceu com um rapaz em Porto Alegre. Ele não me contou como conseguiu. Era o bem mais precioso que guardava. Tá lá com o rapaz, que eu não consigo mais localizar. Contei toda a história para ele, acho que comprou de alguém que pegou de dentro da minha casa. Creio que foi algum funcionário que trabalhou para mim. Depois que este rapaz falou comigo, saiu do Facebook e não consigo localizar. O pior é que foi vendido por uma merreca. Se fosse para algum colecionador, teria sido por um valor maior. O consolo é que a faixa de campeão ainda está comigo.
Você se identificou com o gol do Bolaños na final da Copa do Brasil?
Eu estava torcendo. Não tem como não torcer para o Grêmio. O Renato é meu amigo, meu irmão. O Alexandre, auxiliar dele, também. Estive aí dando apoio na eleição do presidente Romildo (Bolzan Júnior). Não tem como a gente não estar ligado a tudo que acontece com o Grêmio. Imagino a alegria que ele passou, sentiu e está sentindo. Um gol em uma final representa muita coisa. Ainda mais quando representa um título. É claro que foi diferente, não foi um gol que definiu o placar, mas deu tranquilidade para administrar melhor a situação.
Pretende voltar ao Grêmio no futuro?
Penso, sem dúvida. Estou me preparando, terminando meu curso de licença A da CBF. Mais um curso que estou fazendo, me preparando para minha carreira. Penso em voltar sim, gosto do clube, amo a cidade. Minha mulher tem planos de voltar a mudar aí. Estou à disposição. Não quero tomar cargo de ninguém. Mas tu sabe que cargos às vezes ficam vagos. Estou preparado e capacitado para fazer parte de uma equipe tão grande, de tanto potencial como o Grêmio.
Acompanhe o Grêmio no Gremista ZH. Baixe o aplicativo:
Vinte anos depois
Autor do gol que deu o bi brasileiro ao Grêmio, Ailton relembra título: "Nunca saí de um clube por baixo"
Hoje técnico, ex-meia, que foi decisivo na final contra a Portuguesa, faz curso da CBF junto aos colegas Roger Machado e Adílson Batista
Adriano de Carvalho
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project