Uma análise de fósseis encontrados no interior do Rio Grande do Sul permitiu uma nova descoberta paleontológica. O trabalho, liderado por pesquisadores brasileiros e britânicos, revelou que o processo de evolução dos mamíferos foi mais dinâmico e diversificado do que se imaginava. O estudo foi publicado na revista científica Nature,
Por meio da investigação, os cientistas encontraram detalhes anatômicos dos fósseis datados de antes da separação evolutiva entre os mamíferos e outros grupos, como répteis e dinossauros. As novas evidências contribuem para compreender o desenvolvimento do ouvido e da mandíbula dos mamíferos, e como os ossos dessas articulações se separaram, gerando novas estruturas mais sofisticadas.
Constatamos que há pelo menos dois grupos diferentes de animais que se desenvolveram de formas diferentes e resultaram na mesma coisa.
CESAR LEANDRO SCHULTZ
UFRGS
— Antes, se pensava que os registros fósseis mostrariam uma linha contínua dessa evolução, mas constatamos que há pelo menos dois grupos diferentes de animais que se desenvolveram de formas diferentes e resultaram na mesma coisa. Nesse período do Triássico, todos esses animais pequenos tinham o problema da mastigação junto com a audição, e eles desenvolveram uma mesma solução para isso — afirma o paleontólogo Cesar Leandro Schultz, que é professor do Programa de Pós-graduação em Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Coautor do estudo, o pesquisador da UFRGS diz que o Rio Grande do Sul tem papel estratégico na investigação da origem dos dinossauros e mamíferos, por ter sido lar de diversos animais ao longo da história.
Os fósseis analisados datam do final do período Triássico e permitem entender as modificações que os organismos foram sofrendo até chegar aos mamíferos. A pesquisa começou a ser conduzida em 2019 e conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), além da colaboração com cientistas da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Pequenos animais
O trabalho investigou duas espécies: Brasilodon quadrangularis e Riograndia guaibensis, cujos fósseis foram encontrados próximo aos municípios de Candelária e Faxinal do Soturno. Eram animais pequenos, semelhantes a camundongos, medindo cerca de 20 centímetros de comprimento.
O professor explica que a descoberta revela a transição entre os animais que ainda possuíam várias peças ósseas na mandíbula e no crânio, e os que desenvolveram uma estrutura única, deixando outros ossos para a formação do ouvido – ossos conhecidos hoje como estribo, bigorna e martelo.
Técnicas avançadas
Justamente por serem tão pequenos, os fósseis desses animais são difíceis de serem analisados, além de muitos terem se deteriorado ao longo do tempo. Por isso, tecnologias avançadas tiveram papel importante na pesquisa, como a tomografia computadorizada de alta resolução, utilizada por meio da parceria com a Universidade de Bristol.
Os equipamentos permitiram captar detalhes, como as cavidades internas dos ossos, o que levou os pesquisadores a constatarem a importância das estruturas internas para as classificações entre grupos evolutivos.
— Além da dificuldade de enxergarmos, por serem bichinhos muito pequenos, geralmente esses fósseis estão amassados ou quebrados. É aí que entram estas técnicas mais modernas. Com a tomografia de alta resolução, é possível reconstruir ossos, incluir elementos que estão faltando e encaixar as coisas no lugar certo.
A equipe de pesquisadores brasileiros foi a Bristol em 2019 para levar os fósseis e analisar as estruturas em conjunto. A pesquisa segue em andamento, com desdobramentos que devem surgir a partir da investigação de outras estruturas internas dos animais, como os nervos da face.