A série DNArquibancada apresenta 12 matérias, uma para cada equipe que disputa Gauchão 2024, e a relação visceral de pessoas com os clubes do coração. Nelas, aparecerão personagens do passado e do presente. Gente muito conhecida e outros que são anônimos para muitos, mas que resumem em sua personalidade a identificação máxima com o seu time de coração. A terceira reportagem conta a história de Palito, ex-jogador do Santa Cruz que teve um fim de carreira trágico e trabalha há 40 anos no clube.
Era para ser um lance prosaico em uma partida entre clubes do Interior. Mas a dividida de Palito, então atacante do São Borja, com o goleiro Casagrande, do Caxias, teve consequências severas a ponto de encerrar a carreira aos 26 anos de um centroavante de bom de cabeceio. A bola entrou, mas ele, estatelado no chão, não sabia que seria o último gol de sua carreira.
O lance causou fratura na perna e rompimento de ligamentos. Era 1981, época em que a medicina esportiva não encontrava tantas soluções como hoje. Foram dois anos sem conseguir caminhar direito. Se tornou inviável pular entre os zagueiros com o mesmo vigor. No final do período de recuperação, o telefone tocou. Do outro lado da linha, um dirigente do Santa Cruz o convidava para ser funcionário do clube. O fim de sua vida nos gramados o levou para onde tudo havia começado.
O convite marcou a retomada de uma relação iniciada nas categorias de base nos anos 1960. Não demorou muito para a ascensão aos profissionais. No começo da década 1970, Palito marcava gols no Ave-Cruz.
— É uma vida dentro deste clube. Hoje, sou o primeiro a chegar e o último a sair. Estava lesionado em casa, fazendo tratamento. Recebi o convite para trabalhar aqui. Foi um espetáculo. Consegui me manter aqui por 40 anos, não é fácil — conta.
Depois de ser revelado nos Plátanos, percorreu o Rio Grande com as camisas de Estrela, São Paulo-RG, 14 de Julho e São Borja.
Batizado Luiz Carlos Marques, Palito agregou aos seus gols como jogador uma longa lista de funções e seus serviços prestados ao Santa Cruz. Começou nas categorias de base e escolinhas. Logo, trocou o campo pelo escritório, dedicando-se a questões administrativas. No momento, atua como gerente de logística.
Teve um tempo em que a missão de pagar o bicho para os jogadores era de sua responsabilidade. O mesmo posicionamento perspicaz para se antecipar aos zagueiros se repete para se antecipar aos problemas. Certa feita, no fim dos anos 1980, a premiação de um jogo era paga antes do seguinte, mas os cofres estavam raspados. Chegara a hora de viajar para a partida seguinte.
A combinação com o presidente da época foi criativa. Palito datilografou um por um os cheques de pagamento para todo o elenco sob ordem de só entregá-los depois que o ônibus que levaria os jogadores para a cidade do próximo confronto estivesse na estrada. Assim, eles seriam depositados apenas na segunda-feira, quando o caixa do clube estaria mais forrado. Em outros momentos, as medidas precisaram de maior extremismo.
— As rescisões no final do ano também eram complicadas. Tinha para pagar o mês, mas não tinha para pagar as férias. Aí não era cheque, era uma promissória. O que foi combinado era cumprido, só demorava um pouquinho — assegura.
Palito vivenciou de tudo como funcionário do clube. Viu o Santa Cruz e o Avenida serem um só. Foi testemunha na efêmera união dos rivais. Comemorou títulos e se manteve firme na época das vacas magérrimas, com uma década antes da elite gaúcha. A vida protegendo as esporas do Galo, por vezes, o deixavam desprotegido ao tentar apartar brigas nos vestiários.
— Já levei bordoada de graça — relembra.
Tanta dedicação lhe rendeu o Esporão de Ouro, a maior honraria dada pelo clube.
— Sempre tive bom trânsito com jogadores, diretorias. É uma vida para mim. Como diz minha esposa: “a tua casa é o Santa Cruz, porque tu está mais lá do que aqui na nossa casa — explica.
É uma vida e uma casa com muitas histórias na relação entre Palito e o Santa Cruz.