O retorno da dupla Gre-Nal aos treinamentos acendeu um debate sobre quando o Gauchão poderá ser reiniciado. Após reunião com o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Luciano Hocsman, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, descartou recomeço imediato do torneio, mas a polêmica permanece.
Para os defensores do retorno aos jogos, os números positivos de combate ao coronavírus apresentados no Estado (com 90 mortes registradas até o fim da manhã desta quinta-feira) possibilitariam flexibilização maior em relação ao restante do Brasil, onde não há previsão mínima de retomada.
Um dos exemplos citados é Portugal, que deve retornar a sua competição nacional em breve. Mas por que o futebol no país de 11 milhões de habitantes, na Europa ainda traumatizada pelo impacto da pandemia, está sendo retomado? Enquanto países como Itália e Espanha superam os 25 mil mortos por covid-19, os lusitanos contabilizam pouco mais de mil vítimas.
— Aqui não teve "lockdown" porque não precisou. Os hospitais deram conta de atender às pessoas. Quando os casos começaram a explodir, ainda em fevereiro, todos ficaram mais atentos, usaram máscaras. O decreto saiu apenas no dia 18 de março, mas muito antes do governo decretar estado de emergência as pessoas desapareceram das ruas. Não havia penalização se não ficassem em casa, mas elas entenderam que a forma de combater o vírus era não se movimentar. Depois é que as medidas foram sendo tomadas uma em cima da outra. As escolas cancelaram as aulas, as empresas fecharam as portas — aponta o jornalista gaúcho Lucas Rohan, que cursa doutorado na Universidade Nova de Lisboa.
De acordo com o último boletim apresentado pelo governo português, o país contabilizou um total de 1105 mortes — bem acima dos óbitos apontados pelo governo gaúcho até as 13h30min desta quinta-feira (7).
Mas se os europeus registraram o maior número de vítimas fatais em um mesmo dia (37 mortes) há um mês, no Rio Grande do Sul a curva de contágio e de óbitos ainda é ascendente. Na última terça (5), por exemplo, o Estado contabilizou nove mortes em um único dia — maior número até então.
Mesmo enfrentando números diferentes, as duas regiões vivem a retomada do futebol de maneira semelhante. Em Portugal, o primeiro clube a voltar aos trabalhos foi o Nacional da Ilha da Madeira, líder da segunda divisão, ainda no dia 13 de abril. Uma semana depois, o Sporting se tornou o primeiro da elite a fazer o mesmo.
Os demais retornaram apenas na última segunda-feira (4), em uma realidade muito parecida a que se vê em Porto Alegre: atletas e funcionários submetidos a testes, e atividades físicas conduzidas ao ar livre, em campos diferentes, com o elenco dividido em grupos.
O último passo dado na retomada da vida esportiva em Portugal veio por meio de uma sinalização do governo, projetando que o campeonato volte a ser disputado no final do mês de maio. Porém, nada está garantido ainda.
—Essa decisão está condicionada à avaliação da Direção-Geral da Saúde. Ainda depende de saber em que estádio vai se jogar, já que há locais que não são preparados. Serão exigidos quatro vestiários, sendo dois para cada equipe, e fala-se também que as delegações terão de viajar em dois ônibus separados. E ainda existe a possibilidade de nem haver mais campeonato — afirma Sérgio Pires, repórter do site Mais Futebol.
Debates polêmicos
Com regulamento idêntico ao do Brasileirão, com 18 clubes envolvidos em competição de pontos corridos, o campeonato português estava a 10 rodadas do final quando foi paralisado no dia 12 de março (quatro dias antes do Gauchão). Dois clubes tradicionais brigam pelo título, com o Porto aparecendo um ponto à frente do Benfica.
De acordo com Pires, esta não é a principal justificativa para o reinício da competição, já que todas as demais modalidades esportivas, como basquete, vôlei e handebol, seguem canceladas.
— O mais curioso é que até a segunda divisão de futebol foi suspensa. Ficou decidido que os clubes seriam compensados com verbas do fundo da Liga Portuguesa e da federação, num total de 2,5 milhões de euros (quase R$ 15 milhões) a serem divididos entre todos. Mas essa verba, na primeira divisão, é quanto vale a transmissão de apenas um jogo do Benfica ou Porto. Então, o cancelamento da primeira divisão causaria um rombo financeiro gigantesco e, por isso, há uma diferença de tratamento que faz com que os clubes da segunda divisão reclamem. Principalmente os que pensavam em subir. Além disso, há a questão do título e da classificação direta para a Liga dos Campeões. Se a Liga terminasse neste momento, o Porto ganharia 40 milhões de euros. Veja bem o dinheiro que está envolvido — conclui o repórter português.
Além disso, está em discussão se ocorrerão rebaixamentos na elite. Os dois últimos da segunda divisão cairão para a terceira divisão, que será criada a partir de 2021.
— Esta decisão é uma vergonha e viola claramente os princípios de ética do desporto e da própria sociedade. Gostaria de ver se o Porto B e Benfica B ocupassem os lugares de descida se a decisão teria sido a mesma — disse João Alves, técnico do Cova da Piedade, um dos clubes rebaixados.
Para todos efeitos, os europeus são regidos por um calendário diferente ao do Brasil. Mesmo que a primeira divisão não seja disputada agora, uma nova temporada, com novos torneios, será iniciada entre agosto e setembro. Ainda assim, se é verdade que os portugueses estão mais próximos de uma retomada, não quer dizer que os debates não sejam tão ou mais calorosos por lá.
Comparações entre Rio Grande do Sul e Portugal:
- População
RS: 11,3 milhões de pessoas — Portugal: 10,2 milhões de pessoas
*dados IBGE (2019), Pordata (2018) - Densidade demográfica
RS: 39,7 habitantes por km² — Portugal: 111,5 habitantes por km²
*dados IBGE (2018), Pordata (2018) - Primeiro registro
RS: 10/3 — Portugal: 2/3 - Primeira morte
RS: 24/3 — Portugal: 16/3 - Recorde de mortes
RS: 5/5 (9 mortes) — Portugal: 3/4 (37 mortes) - Total de mortes
RS: 90 — Portugal: 1105 / até o início da tarde de quinta-feira (7) - Paralisação do campeonato
RS: 16/3 — Portugal: 12/3 - Volta aos treinos
RS: 5/5 — Portugal: 20/4 (apenas o Sporting) - Volta prevista da competição
RS: sem previsão — Portugal: 30/5 - Número de clubes na competição
RS: 12 clubes — Portugal: 18 clubes - Quantas rodadas faltam para a final
RS: 7 jogos (em caso de um novo campeão no segundo turno) — Portugal: 10 rodadas