Um torcedor se aproximou de Leandro Vuaden, árbitro da primeira partida das finais do Gauchão entre Juventude e Inter neste domingo, às 16h, na Serra, e falou alto. Todo o entorno ouviu:
– Colabora com o meu time, ajuda o Juventude.
Vuaden, que vive em Estrela, mas estava na vizinha Lajeado, não se espantou, gritou ou afrontou. Levou na brincadeira, mas não riu. Ele não é muito de mostrar os dentes para quem não o conhece bem – muito menos para os jogadores que o conhecem muito bem desde a década passada, os que caem, os fingidos, os que inventaram o “piscinaço” (termo que os espanhóis criaram para classificar os brasileiros que inventam faltas), os falsos atores de chuteiras que gritam “pêêêênaltiiii” ou até mesmo os mais corretos.
– Você é que precisa ajudar. Vá ao estádio, torça. Eu não vou atrapalhar – respondeu.
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A resposta é padrão. Ele respeita os fãs do futebol, desde que eles o considerem também. Quando a brincadeira toma um ar mais sério, quando as acusações começam a povoar o ambiente com nuvens escuras, quando o perigo se aproxima, ele faz que não ouve. Vê, mas não registra.
– Entra por um ouvido e sai pelo outro. Não discuto futebol nem religião. Quem sou eu?
Vuaden é arbitro da Fifa, um dos melhores do Brasil – entra fácil no Top 3 nacional –, e foi cotado para representar o país em Copa do Mundo. Ele fala comigo da BR-386. Estacionou o carro nas proximidades do Polo Petroquímico, na entrada de Triunfo. É começo da noite e faz frio. Na FGF, na quinta-feira, ganhou o sorteio de Anderson Danroco, que trabalhará no jogo da volta no Beira-Rio, dia 8.
– A questão Gre-Nal me acompanha desde sempre. Mas quando botei o apito na boca não me preocupei mais. Fui trabalhar.
Vuaden, 40 anos, conta que na sua casa, ele que nasceu em Roca Sales, mas vive em Estrela desde os anos 1990, os filhos são mais Leandro Vuaden Futebol Clube do que gremistas ou colorados. Ele tem dois (os guris do Vuaden, como são conhecidos na cidade de cerca de 30 mil habitantes, no Vale do Taquari), dois apaixonados por futebol. Às vezes, eles esquecem os times preferidos e se conectam à TV no instante preciso do compromisso do pai, quando o juiz é perseguido por palavrões e corre 12 quilômetros em 90 minutos em busca da atuação perfeita.
– O Felipe, que tem 18 anos, é gremista. O Pedro Luis, com oito, é colorado. Tenho um Gre-Nal em casa (risos). Qual a família gaúcha que não tem?
Nas ruas e em restaurantes, a dupla já saiu fardada, o pai, faceiro, junto. A pergunta, óbvia, sempre chega. Faz parte do cenário da vida de Vuaden. Ele não dá bola.
– Claro, eles questionam os meninos, afinal, o pai é gremista ou colorado?
– E o que eles dizem?
– Dizem: pergunte ao meu pai.
– E o pai, qual o argumento?
– Digo que nem sei mais.
– Sério?
– Falo que é o meu trabalho. Que o torcedor luta pela sua paixão, mas que eu corro no embalo da razão. Tentamos acertar, independentemente das cores da camisas do outro lado. Erramos? Sim, óbvio, natural, às vezes, como o atacante perde o pênalti. Tudo bem, acontece. Levanto a cabeça e vou em frente.
Vuaden apitou sua primeira decisão de Gauchão em 2004, entre Inter e Ulbra (2 a 1). Deu colorado, campeão. Doze anos depois, entre outros jogos decisivos, ele volta. Está feliz, motivado. Pergunto se ainda corre um “friozinho” na barriga quando entra em campo.
– Sempre. O dia em que essa sensação sumir, pode apostar, coloco meu apito em cima da mesa e aviso que chegou a hora da aposentadoria. Saio, na boa, sem traumas.
Sem um enigmático Gre-Nal numa tarde fria de outono, com Inter e Juventude na decisão, tudo leva a crer que o trabalho do árbitro será facilitado.
– Não brinca. Pode oferecer menos mídia, porém as decisões são sempre imprevisíveis. Não importa o tamanho do estádio ou a força das equipes. O que me preocupa mesmo, mesmo, é não conseguir fazer uma grande atuação. Meu escudo Fifa se renova todos os anos. Não posso vacilar.
– Gauchão, Brasileirão, Libertadores ou Eliminatórias de Copa do Mundo?
– Sou Gauchão sempre, o campeonato local é o que me credencia a voos maiores.
Vuaden arranca o carro. Estrela é a próxima parada. A estrada anda, o asfalto avança, as placas de sinalização se multiplicam, mas Juventude e Inter não sai do seu campo de visão. A decisão já começou.