Quanto tempo demora 36 anos? Em futebol, o suficiente para que aproximadamente 70% da população de um país tão tradicional como a Argentina não lembre ou não tenha visto a seleção ser campeã mundial. Até 18 de dezembro de 2022. O glorioso fim de uma sina.
A expectativa foi proporcional ao tempo de espera. Da noite de sábado, quando monumentos foram iluminados com as cores da seleção e com frases de apoio aos jogadores ao apito inicial, Buenos Aires vivia tamanha tensão que talvez ela pudesse ser vista no ar. Por isso, ao longo da madrugada, ouvia-se alguns "Vamos, Argentina" perdidos pelas ruas.
Desde que amanheceu, a torcida passou a ocupar a principal fan fest da capital. A Praça Intendente Seeber, com seus dois telões, ganhou apoio de outro parque, do outro lado da rua, ao lado do Rosedal. Falou-se, no total, em 60 mil pessoas.
Uma delas era Monica Mella. Pintada com as cores da bandeira, ela tinha o otimismo contido dos argentinos:
— Espero que ganhemos. Estamos bem e podemos bater a França.
Quando finalmente chegou a hora do jogo, nem parecia decisão. A superioridade argentina no primeiro tempo foi tão grande que nem parecia ter do outro lado a campeã de 2018. A cada toque de Messi e de Di María, a iminência do gol era clara.
Até que veio. No pênalti (meio mandrake) que até a transmissão da TV argentina estranhou, Messi converteu e iniciou a loucura pelo país. Pouco depois, Di María fez 2 a 0. Era um vareio. A qualquer momento, parecia que viriam o terceiro, o quarto. Mas terminou o primeiro tempo. E se tem uma coisa que argentino não abre mão é da superstição, chamada por aqui de cabala.
Por isso, a comemoração no intervalo era relativamente contida. "Faltam ainda 45 minutos", ouvia-se. O que são 45 minutos para quem esperou 36 anos e meio?
A TV já fazia os discursos de "Estes muchachos nos representam" e quase uma contagem regressiva. Faltavam 15 minutos. Sabem o que são 15 minutos medidos em Mbappé? Muito. Os dois gols do camisa 10 esfriaram tudo. "Que deporte de mierda", disse o comentarista da TV, enquanto pedia desesperadamente o fim do jogo, porque parecia que a França viraria.
Seria mais sofrido ainda. Prorrogação. A essa altura, só estava na sombra quem não gosta muito de futebol — ou quem entrou em transe.
A sete minutos do fim, Messi parecia acabar com tudo. É agora. Sofrimento, bola que mal cruza a linha, torcida que não sabe se foi ou não, se estava impedido ou não. Foi gol! Foi gol!
Mas Mbappé tinha um plano. E fez o terceiro gol dele na decisão. Sabe o que é fazer três gols na final da Copa?
Vamos para os pênaltis. Ou não? No último lance, um francês apareceu sozinho com o goleiro, bola quicando. Um torcedor chegou a fechar os olhos esperando o pior. Só abriu no grito da torcida. Milagre de Emiliano Martínez, apelido Dibu.
Aquela defesa foi a senha para a confiança nos pênaltis. Mbappé fez, Messi também. A TV filmou o goleiro. Imediatamente, os torcedores começaram:
— Dibu! Dibu!
E ele defendeu. Cabala. Dali por diante, todas as cobranças teriam o grito.
Deu certo numa, na outra não. Mas os argentinos iam convertendo. Agora vai.
O gol de Montiel, cria do River Plate, fez todos os que estavam com camisa e boné do Boca gritarem. Do Boca, do Estudiantes, do Independiente, do Racing, do Newell's, do Rosario Central, do San Lorenzo. San Lorenzo do Papa Francisco, que em algum lugar do Vaticano deve ter desejado estar com seu povo.
Um domingo eterno em Buenos Aires. Um domingo de verão inédito. Na sombrinha, o casal Jose Alejandro Gonzalez, 38 anos, e Isamar Lozano, 31, comemorava com a filha Catarina, de um ano.
Eles — e 100% dos argentinos que estavam em algum lugar do planeta em 18 de dezembro de 2022 — podem dizer: viram a Argentina ser campeã do mundo.