A poucas horas da estreia, pode-se dizer que Tite domou a Copa. O tamanho do Mundial e a magnitude do evento já não assombram mais o gaúcho criado em São Brás. Na entrevista concedida na ampla e confortável sala 1 do Qatar National Center Convention (QNCC), o técnico da Seleção Brasileira mostrou-se à vontade e seguro. Mesmo com as insistentes perguntas, tergiversou e não confirmou o time para enfrentar a Sérvia. Apesar de todos os indicativos apontarem para Lucas Paquetá no meio, como um segundo do setor, e Vini Jr. na ponta-esquerda.
Para quem acompanhou a entrevista coletiva de Rostov, há quatro anos, no dia anterior à estreia na Copa da Rússia, fica claro que estamos diante de um Tite diferente, totalmente seguro de si. Ele mesmo admitiu isso. Quando Juca Kfouri pegou o microfone e traçou exatamente esse paralelo entre 2018 e 2022, o técnico foi transparente:
— (O nervosismo) é menor, faço minha as palavras do Thiago (Silva), o aprendizado pode ser teórico, mas fundamentalmente prático. Estou mais leve, em paz, um pouco mais — resumiu Adenor.
Só faltou a caipirinha, a bebida preferida do técnico, para tudo ficar mais Adenor ali diante de mais de 100 jornalistas, muitos deles de outras partes do mundo. Quando a Seleção fala, o mundo ouve. Tite sabe disso. O que não o impediu de ser mais Adenor. Quando Thiago Silva, o primeiro a falar na coletiva, encerrou sua participação e se levantou para deixar a bancada, o técnico provocou:
— Falou praticamente que o Neymar vai jogar?
— Desculpe, professor. Não era a intenção — brincou Thiago.
Em seguida, Tite explicou a provocação. Na França, nos amistosos de setembro, Thiago interveio numa resposta do técnico, alertando-o de que estava falando além da conta sobre a forma de jogar do Brasil. Desde lá, a cena virou uma piada interna entre Tite e seu capitão. Piada, agora, externa, por óbvio. Nem mesmo o fato histórico de ser o primeiro treinador a seguir no cargo da Seleção mesmo depois de perder uma Copa causa ansiedade ou nervosismo.
— Tenho noção disso, é uma quebra de paradigma. O Brasil tem paixão pelo futebol, tradição forte. Me dá paz o fato de fazer um trabalho com início, meio e fim. Meu histórico foi embasado pelo tempo. Sou um privilegiado por estar no lugar em outros grandes técnicos poderiam ocupar. O Abel Braga, campeão do mundo me mandou uma mensagem hoje, ele poderia estar aqui. Assim como o Paulo Autuori, outro campeão do mundo — apontou.
Um repórter da TVE, da Espanha, questionou o técnico sobre a pressão de comandar um Brasil que não vence uma Copa desde 2002, acrescida da missão de se recuperar depois de cair nas quartas para a Bélgica em 2018. Tite interveio.
— Qual o seu nome?
— Davi.
— Davi, não me coloca nas costas a responsabilidade de 20 anos e da história da Seleção Brasileira, só te peço isso.
Em seguida, Tite seguiu, agora sendo, além de Adenor, o professor de educação física.
— É uma pressão pelo que o país vive. O Brasil é apaixonado, está nas ruas, a garotada, principalmente. O futebol serve como ferramenta de educação. Essa pressão existe, mas também as oportunidades surgem na vida e nos dão a chance de sonhar. O Tostão escreveu isso. se não formos campeões, vamos fazer o melhor que pudermos. Só um leva o título — ressaltou.
Em seguida, a entrevista voltou ao tema do time titular, como não poderia ser diferente. A grande interrogação é sobre quem começa o jogo e, principalmente, se Vini Jr. começa o jogo. Com controle total da entrevista, Tite passou a bola para o seu fiel escudeiro, o auxiliar Cléber Xavier, ao seu lado na bancada. Cléber repetiu o que o técnico vem dizendo há algum tempo. São duas formas treinadas de jogar, e o uso dependerá da circunstância. Ou seja, uma tem Fred no meio e Paquetá na ponta, e a outra, Paquetá no meio, e Vini na ponta. Ele ainda acrescentou que uma terceira, usada neste ciclo, com Neymar e Paquetá por dentro, sem o centroavante mais posicionado.
Ao final, o técnico ainda concedeu mais uns minutos, em bate-papo informal. Júnior e Casagrande se aproximaram. Logo, cheguei junto. O tema era a juventude da gurizada e o quanto eles mantêm leve o ambiente.
— Tudo com eles acaba em pagode, são muito alegres. Agora, na hora de trabalhar, são comprometidos, profissionais — disse Tite.
Antes de deixar a sala, dois jornalistas indianos pediram uma foto. Ele se abaixou para o registro. Um dos indianos, apressado, se atrapalhou com o celular. Tite o acalmou:
— Calma, fica tranquilo.
Realmente, ele está muito Adenor nesta Copa. O que é uma garantia de autenticidade e convicção no que está fazendo.