Se o jogo for na quadra da escolinha do Flamengo em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, ao lado de crianças, ou então para milhares de pessoas no Santiago Bernabéu, uma coisa é certa. Vinicius Jr entrará com o mesmo sorriso estampado no rosto — já marcado na cabeça de milhares de torcedores do time carioca e dos "adeptos" do Real Madrid.
Nascido e criado no município carioca, ouviu seu nome na lista de Tite já no final — foi o último dos 26 chamados pelo treinador para representar a Seleção Brasileira na Copa do Catar. O “Malvadeza”, conhecido e reconhecido nas ruas e nos campos do mundo, teve seu começo em comunidade, assim como milhares de outros garotos espalhados pelo Brasil.
Aos seis anos, foi inscrito na Escolinha do Flamengo, no bairro do Mutuá, em São Gonçalo, onde morava, pelas mãos de seu pai, Vinícius José Paixão de Oliveira, de quem leva o nome. Ali, começou a dar seus primeiros passos em direção a uma carreira vitoriosa. A qualidade e a vontade eram tantas que o menino teve de jogar em categorias acima da sua idade.
Em determinado momento, Vini não passava a bola para os colegas de mesma idade e os pais das crianças começaram a reclamar para os coordenadores da escolinha. Nada que fosse problema para o prodígio que se criava ali. Subiu para jogar com os mais velhos e continuou encantando os professores. A curiosidade é que ele foi inscrito na sua primeira ficha mais atrás no campo, como lateral-esquerdo. Logo, Vinicius virou atacante, artilheiro.
— Vejo futebol como um dom. Com o foco e a vontade que o Vinicius tem, foi só melhorando e desenvolvendo esse dom que recebeu. Ele chegou aqui através do pai, aos seis anos. Fez a inscrição mesmo novo, mas ele já demonstrava estar acima da idade dele, futebolisticamente falando. Lembro muito dos pais de times adversários falando que era impossível marcar o Vini — conta Carlos Eduardo Beraldini, primeiro treinador de Vinícius Jr na escolinha do Flamengo.
A vontade de ficar dentro de um campo e chutar uma bola era tanta que o menino, em 2007, conciliava os treinos na escolinha do Fla em São Gonçalo com aulas de futsal no Canto do Rio, um famoso clube localizado no centro de Niterói. Lá, ficou até 2010. Um ano antes, chegou a ser reprovado no futsal do próprio Flamengo.
O clube viu potencial, mas achou o menino ainda muito novo e pediu para ele voltar no ano seguinte. Ele não voltou. Ou melhor, voltou, mas não para o futsal. E sim para jogar nas categorias de base da equipe de campo.
O bairro do Mutuá fica a 70km de distância do Ninho do Urubu, centro de treinamentos do Flamengo. A mãe, com o caçula José no colo, acompanhava Vinicius até a Gávea, onde o garoto pegava um ônibus até o Ninho, e ficava lá até o garoto retornar. A dificuldade foi minimizada quando a família conseguiu uma van que o levasse e trouxesse direto do treino. Depois, Vinicius passou a morar com um primo, para ficar mais próximo do Ninho, mas distante da família.
— Com 10 anos, a gente via que ele tinha algo diferente. A geração dele era muito boa, mas ele se destacava muito. Ele podia dar muito certo. Um atleta imprevisível dentro do campo, os dribles dele você nunca sabia para que lado ele ia. Aqui, no Flamengo, sempre procuramos deixá-lo à vontade para fazer o que quisesse em campo. Acho que isso foi evoluindo e cada treinador ajudava ele a evoluir essa volúpia — relembra Carlos Noval, dirigente da base rubro-negra quando Vinicius Jr chegou, e gerente de transição do clube atualmente.
À época com 10 anos, o garoto foi inscrito junto à Federação Carioca e, desde então, já era tratado como joia no Ninho, sendo o principal destaque da base. Logo que chegou, Vinicius foi reconhecido com estilo parecido com um antigo ídolo do Flamengo: Adílio, campeão mundial em 1981. E por conta daquela semelhança inicial, ganhou o número que remetia a Adílio: 8. Mais tarde, perceberam que o garoto era muito mais veloz que o meio-campista.
O começo de Vinicius na seleção foi logo aos 13 anos e já na sub-15, sob o comando do técnico Cláudio Caçapa, ex-zagueiro do Lyon. Não demorou para ser vice-artilheiro do Brasil campeão do Sul-Americano Sub-15: em seis jogos, fez seis gols e deu ainda cinco assistências. A história se repetiu dentro da CBF. O atacante, à época no Flamengo, nunca deixou de ser a “joia da coroa”. Ali, começou-se a moldar o jogador que no final de novembro irá representar o Brasil no Catar.
— Foi um grande trabalho em todos os aspectos. Nossos observadores e olheiros sempre tiveram um olhar crítico e clínico em relação ao Vini. Sabíamos que ele precisava melhorar algumas questões, principalmente o comportamento nas fases de jogo. Quando ele chegou na seleção, precisávamos mostrar a importância que seria vestir a camisa mais pesada do futebol. Também precisamos formar também esse lado pessoal do jogador — diz Guilherme Dalla Déa, ex-treinador na base da seleção, onde ficou até 2021 e acompanhou a ascensão de Vinicius Jr com a amarelinha.
Sempre prematuro, Vinicius foi galgando seus espaços nas categorias que passava. Mas a fama de fato veio em 2017, quando Vinícius participou pela primeira vez da Copa São Paulo de Futebol Júnior, e, mesmo tendo três anos a menos do que a idade permitida, foi um dos destaques do torneio.
Da reserva no primeiro jogo, foi titular na final contra o Corinthians, quando o Flamengo terminou derrotado. As atuações fizeram com que ele ganhasse mundo afora o apelido de "novo Neymar”.
A partir daí, tudo foi muito rápido, mais ou menos na velocidade como Vini passa pelos seus adversários em campo. Da Copinha, foi promovido ao time principal do Flamengo. No dia 9 de maio daquele ano, já trabalhava com a equipe profissional. Quatro dias depois, fez sua estreia, trajando a camisa 20.
Com 16 anos e 10 meses, Vinícius entrou aos 37 minutos do segundo tempo no 1 a 1 com o Atlético-MG, pela 1ª rodada do Brasileirão. Mas nem tudo saiu como se esperava. Segundo estatísticas do jogo, os números de Vinícius na partida foram: dois cruzamentos errados, dois passes certos, um passe errado, três perdas de bola e 13 segundos de posse de bola.
As estatísticas podem apontar que a escolha foi precipitada, mas o Flamengo sabia exatamente o que tinha nas mãos e o que estava fazendo em relação a um dos melhores atletas já revelados pelo clube.
— Construímos ambiente onde ele foi se adaptando ao dia a dia do profissional, chegando ao momento de estreia contra o Atlético MG, no Maracanã. Desde muito cedo percebemos que era um caso em que propor novos desafios seria melhor estratégia de desenvolvimento do atleta. Nessa transição, mesmo jovem, não foi diferente. Juntando talento e dedicação, só pode dar coisa boa. Não surpreendeu o seu rápido sucesso — relembra Zé Ricardo, técnico que protagonizou a estreia de Vinicius em 2017 e hoje está no Shimizu S-Pulse, do Japão.
Sete dias depois, aos 16 anos, o jovem era vendido para o Real Madrid por cerca de R$ 164 milhões, maior venda da história do Flamengo. Apesar disso, só saiu do clube carioca em julho de 2018, quando completou 18 anos e, consequentemente, pôde se apresentar ao time espanhol.
Previsto em contrato, Vinicius teve seu começo na Espanha no Real Madrid Castilla (basicamente o time B). E o carioca de São Gonçalo voltou a quebrar paradigmas quando chegou ao time principal dos Merengues.
Na estreia, contra o Atlético de Madrid, tornou-se o primeiro jogador a nascer após a virada do milênio a atuar na equipe principal de um dos maiores clubes do mundo. Aí engatou uma sucessão de “recordes”: segundo mais jovem a marcar na história do Real e mais jovem do clube a atuar como titular em um mata-mata de Champions League estão entre eles.
No começo de 2019, sua rápida ascensão no Real Madrid rendeu a primeira convocação para a Seleção principal, para amistosos contra Panamá e a República Tcheca. No entanto, foi cortado depois de lesão em uma partida da Champions League. A sua estreia aconteceria meses depois na derrota para o Peru, quando permaneceu 16 minutos em campo.
Mas nem tudo foram rosas. Sob comando de Zidane, ídolo dentro e fora dos gramados no clube espanhol, Vinicius conviveu com a reserva em alguns momentos. Mas foi com um italiano multicampeão que voltou a viver o seu auge. Carlo Ancelotti apostou em Vini e o carioca foi a dupla de Benzema na conquista da 14ª Champions. E não poderia ser melhor.
Aos 13 minutos do segundo tempo, no gramado perfeito do Stade de France, o camisa 20 do Real Madrid recebeu o cruzamento do uruguaio Valverde e precisou apenas de um toque. Meio caindo e para quem tinha dificuldades de finalização no início da carreira, Vini chutou perfeitamente de direita para vencer o compatriota Alisson e escrever ainda mais seu nome na história do Real e do futebol — tornou-se o primeiro sul-americano com 21 anos ou menos a ter 10 participações em gols em uma edição da Champions League desde Messi, em 2008/09.
Muitos o chamariam de predestinado, mas Vinicius Jr é apenas mais um jovem formado na periferia do Brasil, que aprendeu com a vida a fazer o que ama: jogar futebol. A velocidade, a ousadia, a facilidade para passar pelos marcadores, tudo isso é dom. Quando você soma isso com trabalho e com a leveza de estar realizado, não existe nada nesse mundo que impeça você de ser uma estrela. Do Hexa? No dia 18 de dezembro, a gente descobre.