Bellini, Mauro, Carlos Alberto Torres, Cafu e Dunga. Dois zagueiros, dois laterais e um volante, respectivamente. Todos homens de defesa. O que mais eles têm em comum? Ergueram a Copa do Mundo para o Brasil. Em 18 de dezembro de 2022, Thiago Emiliano da Silva pode se tornar o novo membro deste dourado grupo e ser uma das Estrelas do Hexa.
Jovem opção em 2010, líder questionado em 2014 e titular seguro em 2018. Uma trajetória notável. Acumula-se aí mais dois Jogos Olímpicos, duas Copas América e uma Copa das Confederações. Encerrada a Copa da Rússia e a necessidade de renovação da equipe após uma dura eliminação nas quartas para a Bélgica, era improvável pensar em Thiago Silva num novo ciclo. Três mundiais não eram suficientes? O tempo, porém, provou o contrário.
Thiago Silva chegará ao Catar com a confiança em alta. Tanto que Tite lhe devolveu a braçadeira de capitão nos últimos amistosos e assim permanecerá no Mundial. Mesmo com uma idade mais avançada, mantém-se atuando em alto nível no futebol europeu e, em 2021, sagrou-se campeão da Liga dos Campeões pelo Chelsea.
Aos 38 anos, será o segundo jogador mais velho a vestir a camisa da Seleção Brasileira em Copas, atrás apenas de Daniel Alves (39), superando Nilton Santos (37), Cafu (36) e Bellini (36). Além disso, é o zagueiro com mais jogos com a amarelinha (109) e o quinto no total — atrás de Cafu, Roberto Carlos, Daniel Alves e Neymar.
— Eu sabia que, me cuidando, poderia jogar em alto nível mesmo com a idade mais elevada. Nessa idade, os atletas já encerraram ou estão encerrando, mas estou num momento único na minha carreira. Nunca imaginei que com 38 anos eu viveria esta fase — disse Thiago Silva à CBF TV.
Chelsea com Jorginho, Kanté ou Havertz; PSG com Mbappé, Cavani ou Ibrahimovic; Milan de Nesta, Maldini e Pirlo, ou Fluminense de Conca, Thiago Neves e Washington. Todos esses foram times e companheiros da carreira de Thiago Silva. Mas poucos lembram que, embora seja carioca da gema, as origens futebolísticas do zagueiro foram no Rio Grande do Sul.
Depois de ser reprovado em Flamengo, Botafogo, Madureira e Olaria, Thiago Silva atuou por quatro anos nas categorias de base do Fluminense, quando fazia um tremendo esforço para se deslocar do bairro Santa Cruz, onde morava, até Xerém, local de treinamento das categorias de base do Tricolor Carioca.
Em 2003, contudo, foi parar em Alvorada, região Metropolitana de Porto Alegre, para atuar no RS Futebol Clube, equipe formada por Paulo César Carpegiani. O time era comandado por Julinho Camargo, atual gerente de transição do Inter, e utilizava um uniforme com as cores do Estado, com o amarelo predominante. Naquele ano, chegaram até as quartas de final do Brasileirão Série C, sendo eliminados pelo campeão Ituano.
— Tive o prazer de trabalhar com ele até os 19 anos. Vi a evolução, o quanto ele era muito comprometido, focado nos seus objetivos e determinado para alcançar as metas. Se percebia, com facilidade, a que nível ele iria chegar. Tenho muito orgulho daquele caminhar. Agora ele desfruta de uma experiência enorme e tenho certeza que vai estar muito bem preparado para nos ajudar no sonho do Hexa — comenta Camargo.
Mesmo sem o acesso, a jovem equipe chamou a atenção dos grandes clubes gaúchos e, consequentemente, o meia Éderson foi contratado pelo Inter, enquanto o zagueiro Naldo e o então volante Thiago Silva foram para o Juventude. Nos anos seguintes, todos vestiram a camisa da Seleção Brasileira.
Mas, ainda em 2003, os três atuaram também pela Federação Gaúcha de Futebol em um campeonato Sub-20 de selecionados estaduais organizado pela CBF. Ficaram com o vice-campeonato. Os mineiros, conduzidos pelo centroavante Fred, empataram nos acréscimos e levaram o título nos pênaltis.
Foi em Caxias do Sul que Thiago Silva debutou nas principais competições do país e teve a oportunidade de enfrentar um Maracanã lotado, seu sonho de infância, pela primeira vez. Pelas coincidências da vida, sua estreia no Juventude ocorreu em um jogo da segunda fase da Copa do Brasil justamente diante do Fluminense. A eliminação com um gol nos acréscimos foi dolorida, mas mostrou que o garoto de 18 anos estava pronto para tudo.
Também foi na Serra Gaúcha que Thiago Silva tornou-se zagueiro. Quando criança, inspirava-se em Romário e Bebeto para ser atacante. No início das categorias de base tornou-se volante, até o recuo no Alfredo Jaconi. Com Naldo e Índio, ídolo do Inter, à disposição, o técnico Ivo Wortmann encontrou em um esquema 3-5-2 a melhor forma de encaixar todos os defensores.
— A gente teve muita sorte. A cada dia eles jogavam melhor, um aprendeu com o outro. Ele era volante, mas como eu jogava no 3-5-2, puxei ele para ser zagueiro pela esquerda —comentou o ex-treinador.
Além de técnico, Ivo tornou-se uma figura fundamental na vida de Thiago. Foi através dele que o português Jorge Mendes, um dos empresários mais relevantes do futebol, teve a certeza de que estaria agenciando um jogador de elite.
Desse modo, o zagueiro nem chegou a terminar aquele Brasileirão pelo Juventude e foi negociado com o Porto, que meses antes havia erguido a Liga dos Campeões e vendido Ricardo Carvalho e Paulo Ferreira ao Chelsea. Nos Dragões, o brasileiro chegou junto com Pepe, que levou a melhor e se firmou no time principal. Silva, sem conseguir corresponder ao que era esperado, atuou na equipe B e depois foi vendido ao Dínamo Moscou, da Rússia.
Em Moscou, Thiago Silva descobriu que estava com grave tuberculose, que teria contraído ainda em Portugal. Foram cinco meses de tratamento em um hospital de condições muito precárias.
Na época, os médicos russos recomendavam que o jogador encerrasse a carreira e fosse submetido a uma cirurgia de retirada de parte do pulmão. Wortmann, ao chegar na Rússia, em 2005, justamente para comandar o Dínamo, salvou a vida do zagueiro.
— Cheguei lá e me apavorei. Liguei para o Jorge Mendes e disse: vamos tirar o Thiago daqui urgentemente. A medicina dos russos não está ajudando, o que ele está passando é inadmissível — lembrou Ivo Wortmann, que conseguiu encaminhar o retorno de Thiago para Portugal, onde realizou um tratamento adequado:
— A mãe dele me chamou de anjo. Realmente nós salvamos a vida dele.
O "anjo" Wortmann voltou a proteger Thiago Silva no ano seguinte, em 2006, quando foi treinar o Fluminense e indicou a contratação do zagueiro, passando por cima das desconfianças sobre a condição física. Em um time com Roger Machado, Pedrinho e Petkovic, foi nas Laranjeiras que Thiago Emiliano virou o Monstro.
Com ele presente, nada passava pela defesa do time carioca. No ataque, gols importantes como o da semifinal da Libertadores contra o Boca Juniors, na Argentina, quando o time foi vice-campeão, e no armário o título da Copa do Brasil de 2007.
Ali a carreira de Thiago Silva decolou e lhe credenciou para ser uma estrela do Hexa.