O momento de menor tensão para Magali Becker durante a Copa do Mundo foi nesta segunda-feira (7). Seu filho foi o primeiro nome da lista de convocação da Seleção Brasileira. Com aquele sotaque mezzo serra gaúcha, mezzo zona leste paulistana, Tite disse:
— Alisson, Liverpool...
Assim, deu início à nova chance para um dos melhores goleiros da história a trazer o troféu para casa. Mais maduro, pelo esporte e pela vida, o "guri" de Novo Hamburgo é uma das estrelas que buscam o Hexa no Catar. Ao contrário de outras casas, houve certa serenidade no lar de Alisson, pois ele é uma unanimidade na lista.
Os últimos quatro anos, entre a Copa anterior e a que vem por aí, foram de muita intensidade para os Becker. A vida cumpriu um ciclo extenso, de todas as fases. Esse período, tão intenso, será contado em seguida.
É que antes, para tudo fazer mais sentido, é preciso voltar quase duas décadas no tempo. Retornar à época em que Alisson era o irmão caçula de Muriel, um então destacado jogador da base, já observado pelos técnicos das seleções brasileiras de diferentes categorias. E, para "azar" da família, ambos goleiros.
Quem vai a futebol sabe: mãe de goleiro só sofre menos do que de árbitro. Em qualquer idade. Não importa o campeonato. E lá estava Magali, todo final de semana, sentada em algum canto de arquibancada torcendo para seu filho não falhar. Em seu caso, agravante: mesmo quando não falha, acaba culpado quando o resultado não vem.
Por isso, quando os filhos eram criança, ficava afastada dos outros pais. Tentava se aproximar o máximo possível dos meninos. Não só para dar apoio a eles. É que isso ajudava a não ouvir reclamações. Indesejadas ou injustas.
— Ficava enfurecida quando ouvia alguma coisa. Mas me controlava. Meu marido me dava a mão e ficava quieta. Acabou que sempre recebi elogios pelo comportamento na beira do campo. Não era fácil — recorda a corretora de imóveis Magali Lino de Souza Becker.
O tempo passou, e a vida de Muriel e Alisson foi amplamente conhecida. Até porque os dois foram goleiros do Inter, inclusive chegaram a dividir súmulas, um titular, outro reserva — fazer o quê, só joga um. O mais velho ficou no futebol brasileiro, o mais jovem transferiu-se para a Europa, destacou-se na Roma e no Liverpool, virou titular da Seleção.
Porém, como foi dito há pouco, mãe de goleiro sofre sempre, não importa a idade nem o campeonato. Vale para crianças, no interséries da escola, vale para adulto, na Copa do Mundo. Houve quem culpasse Alisson pela eliminação na Rússia. "A Bélgica chutou uma vez e ganhou por 2 a 1", foi falado por aí. Como se o camisa 1 tivesse alguma chance de impedir o gol contra de Fernandinho e o chute cruzado de Kevin De Bruyne, na bochecha da rede.
É aí que entra a intensidade da vida nesses quatro anos. Não que precisasse, mas Alisson encontrou apoio nos colegas de time e na família. Deu resposta esportiva imediata. De 2018 para cá, foi campeão da Premier League, da Copa da Inglaterra, da Copa da Liga, da Champions League, do Mundial de Clubes, tudo pelo Liverpool.
E da Copa América pela Seleção. Individualmente, foi o primeiro a receber o troféu Lev Yashin, o troféu dado pela France Football para fazer justiça aos goleiros na Bola de Ouro. Uma posição tão diferente merecia uma premiação própria. Recebeu a mesma distinção da Fifa. E foi eleito para as seleções do Campeonato Inglês, da Champions e da Copa América.
No ambiente familiar, Alisson e sua mulher, Natália, que já tinham Helena, ampliaram a prole com a chegada de mais dois meninos, Matteo e Rafael. A casa em Liverpool está cheia. Mas no Brasil, um vazio desde fevereiro de 2021. E justo num dos lugares mais queridos pela família.
Naquele verão, o pai de Muriel e Alisson — marido de Magali, o homem que segurava sua mão e ajudava a controlar o ímpeto quando alguém reclamava de seus meninos — José Agostinho Becker, estava na fazenda da família em Lavras do Sul, Região da Campanha, e foi dar um mergulho. Não voltou mais. Seu corpo foi encontrado no açude da propriedade.
Havia situação pior do que falhar no campo ou ouvir xingamentos injustos, e uma onda de solidariedade tentou aplacar a dor dos Becker. Alisson, que havia voltado a jogar uma semana após a morte do pai, viveu um momento mágico três meses depois da tragédia. Em um jogo contra o West Bromwich, saiu de sua área para fazer, de cabeça, o gol da vitória do Liverpool.
— Só consegui pensar no pai. Sei que ele está extremamente feliz e orgulhoso. Infelizmente, não está aqui com a gente para celebrar este momento, mas sem ele nas nossas vidas, nada do que aconteceu comigo seria possível. É para ti, pai — declarou, com os olhos marejados.
Claro que uma emoção assim será difícil repetir. Foi o primeiro gol de goleiro da história do Liverpool. Na Seleção, o feito é inédito. A magia seria ainda maior.
Mas para os Becker, nem precisa disso. José, lá de cima, ou Magali, aqui embaixo, ficarão contentes se Alisson pouco aparecer na Copa do Mundo. Com o Hexa nas mãos, que o filho mal toque na bola. Família de goleiro já sofre demais mesmo.