Na tarde de sábado, um grupo de torcedores brasileiros resolveu começar uma batucada no meio do saguão do Prince Hotel, onde está concentrada a Seleção. Cantavam, na melodiada marchinha de Carnaval "Alá-lá-ô":
— Arigatô, ô-ô-ô, ô-ô-ô!
Os funcionários do hotel, obviamente, ficaram escandalizados. Os japoneses não estão acostumados com essas extroversões. O gerente foi até os torcedores, pediu que parassem com a algazarra. Um deles, com a camisa do Flamengo, se irritou. Gritou que era hóspede do hotel, brandiu a chave do quarto como prova e berrou para o consternado japonês:
— You: out! You: out!
O gerente japonês se foi, balançando a cabeça, humilhado, enquanto o brasileiro continuou, aos pulos:
— Arigatô, ô-ô-ô, ô-ô-ô!
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Às 2h25min da madrugada de sábado, a terra tremeu em Yokohama. Um terremoto. Nada parecido com o Tokai, o fatídico terremoto de nove graus na escala Richter que os japoneses sabem que vai acontecer, o tremor que, predizem os geólogos, partirá o Monte Fuji ao meio e destruirá Tóquio. Nada tão horrendo. Mas foi um autêntico terremo japonês. Os jogadores da Seleção Brasileira estavam dormindo, nem perceberam. Alguns membros da comissão técnica se assustaram. Quem mais ficou com medo, por ironia, foi o coronel Castelo Branco, chefe da segurança da delegação, homem que, por mister, tem de ser bravo.
O Sílvio Benfica, da Gaúcha, mal acabara de se deitar. Sentiu que sua cama se mexia sem que nenhuma atividade houvesse sobre ou sob ela. Pensou: ou é o Macedo sacudindo a cama ou estou sendo possuído pelo demônio que tomou o corpo da Linda Blair em O Exorcista. Optou pelo Macedo. Levantou a cabeça e perguntou:
— Qual é que é?
E o Macedo estava lá adiante, na escrivaninha, diante do computador. Ao que, ambos concluíram: foi terremoto mesmo! Eu estava trabalhando, nessa hora. O Mauro dormia no quarto. Não notei nada. Ou será que confundi com o ronco do Mauro? Pode ser. Só sei que fiquei frustrado. Perdi meu primeiro terremoto japonês.
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O filho mais velho de Luiz Felipe, Leonardo, chegou sábado a Yokohama, para assistir à final. Leonardo é o maior crítico de Luiz Felipe, está sempre questionando o pai, futebolisticamente falando, bem entendido. Leonardo é aquele quem diz, com sabedoria brasileira:
— O segundo é o primeiro dos últimos.
Quando se encontraram no Prince Hotel, pai e filho se abraçaram e Luiz Felipe tascou:
— Agora meu time está bonzinho, né? Não vai cornetear, né?
Leonardo não corneteou.
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Os japoneses fizeram um show ao mesmo tempo delicado e imponente, a uma hora e meia do começo do jogo. Gueixas e ninjas entraram em campo, as bandeiras dos países participantes da Copa foram carregadas em torno da pista atlética, as do Brasil e da Alemanha, maiores, ficaram no centro do gramado. De repente, um tambor do tamanho de uma pipa de vinho foi batido por um samurai e, no grande círculo, os ninjas acionaram um mecanismo que fez inflar um balão: era o sagrado Monte Fuji, com seu pico nevado.
O público uivava emocionado, nas arquibancadas, enquanto as gueixas, com seus quimonos laranja, olhavam impassíveis. São mesmo admiráveis, esses japoneses
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O campo do Estádio Internacional de Yokohama fica suspenso. Foi construído sobre pilastras, um andar acima do solo. Na parte de baixo, há um amplo estacionamento. Aproveitamento de espaço. Nada mais tipicamente japonês.
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Uma hora antes do jogo, a Fifa distribui as escalações oficiais para os jornalistas. Agora, na final, quando as cópias chegaram à bancada dos brasileiros, houve quem gritasse:
—Vê se o nome do Ronaldo tá nesta lista, pelamor de Deus! Todos lembravam da final de 1998, o dia da convulsão. Ronaldo jogou, para alívio geral, e ainda fez dois gols.
* Texto publicado originalmente em 1 de julho de 2002