Estava tudo certo para o grupo formado por Serigne Mame Mor Ngom e amigos assistirem a primeira partida de Senegal na Copa da Rússia. Pouco antes do início do jogo, a televisão da turma que vive em Caxias do Sul, na Serra, estragou. Mudaram rapidamente o endereço da comemoração. Os cerca de 20 imigrantes se reuniram, então, na loja de Abdou Lahat Ndiaye, um dos líderes dos senegaleses em Caxias. Foi ali que comemoraram emocionados os dois gols que garantiram a arrancada vitoriosa do Senegal no Mundial, por 2 a 1, contra a Polônia.
— Estávamos muito nervosos, com o (primeiro) gol a pressão diminuiu um pouco — disse Serigne.
Caxias do Sul tem cerca de 600 senegaleses, conforme estimativa do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM). O auge da população senegalesa na cidade foi entre 2014 e 2015, quando havia cerca de 3 mil imigrantes do Senegal em Caxias. Conforme a Irmã Maria do Carmo Santos Goncalves, do CAM, Caxias é um destino consolidado de imigrantes, que continuam chegando todos os anos. Recentemente porém, eles têm migrado de Caxias internamente para outras regiões do Estado e do sul do país.
Porto Alegre é um desses destinos. Na Capital, um apartamento na Rua Riachuelo, no Centro Histórico, chama a atenção pela bandeira verde, amarela e vermelha pendurada na sala. Os quatro senegaleses que moram no imóvel convidaram quatro amigos para apoiarem os conterrâneos.
Antes do apito inicial, o grupo se reuniu diante da televisão para matar um pouco da saudade e juntos entoaram o Hino Nacional Senegalês. A mais animada era a anfitriã Maimouna Ndaw, 32 anos. Foi ela quem comprou as tintas e avisou de antemão que pintaria o rosto de cada um.
— Eu sou assim, sempre feliz. Falei que ia pintar todo mundo e pintei — contou a ex-vendedora que deixou dois filhos em Dacar, capital e maior cidade do Senegal, para buscar aqui melhores condições de vida para eles.
Pela empolgação, nem parecia que não acompanha muito futebol:
— Só olho quando Senegal joga — enfatizou.
Se Maimouna era a mais alegre, Assane Sarr, 29 anos, se destacava pelo nervosismo. Antes de a bola rolar, o pizzaiolo depositava todas suas fichas em Sadio Mané, um dos principais nomes do Liverpool na última temporada. Explicou que deixou a filha de quatro anos, a mulher e a mãe do outro lado do Atlântico, mas que o futebol o aproximava delas. Para o confronto com os poloneses, projetou uma equipe ofensiva e foi quase certeiro no palpite.
— É um time que não fica na defesa. Vai pra cima — disse em um português meio arrastado, sugerindo que o jogo terminaria 2 a 0 para os africanos.
Quando veio o chute de Gueye, aos 37min do primeiro tempo, para fazer o primeiro gol, os oito senegaleses explodiram em gritos — indecifráveis, aliás, para quem entende nada de wolof, principal dialeto falado no Senegal. Entre desabafo e euforia, até ensaiaram uma dancinha chamada de noy moyto sa nonn. Eles acreditam que os passos afastam vibrações negativas. Tudo se repetiu, dança, gritos e muita alegria, aos 15 minutos do segundo tempo, com o gol de M'Baye Niang. O gol polonês, aos 41 minutos, até assustou, mas não estragou a festa.
Teve um momento em que o jogo ficou de lado. Às 13 horas, quando o segundo tempo estava prestes a começar, o futebol foi esquecido por cinco minutos. A religião avisava que era hora da terceira das cinco orações do dia. A maioria deles se ajoelhou sobre o tapete da sala e, virados para Meca, cidade sagrada para os muçulmanos, fizeram suas preces. No local, tratado com respeito, não se pode usar calçados e o repórter desavisado que pisou no tapete sem retirar os tênis ganhou um leve puxão de orelhas.
— A sola é suja. Não pode. É um lugar sagrado. Se tirar os tênis, pode subir aqui —pacientemente explicou Khalifa Kebe, 30 anos.