Cléber Carvalho de Farias chegou para o almoço naquele sábado do inverno de 2000 aflito. O campeonato de futebol sete que disputava no Areião da Rótula, na Cohab Blocos, em Sapucaia do Sul, estava no intervalo. No início da tarde, seu time jogaria a semifinal. Mas a aflição de Cléber não era pela decisão de logo mais. Sua angústia era para contar ao pai sobre a descoberta de um diamante. O pai, Vivaldo Marinho, o Biba, era conhecido em Sapucaia pelo passado como ex-jogador rodado pelo Interior e pela escolinha Lance, que administrava no campo do Sesi, próximo dali:
– Pai, tem um guri lá no campeonato, ele tem nove anos, é o menor de todos. Mas não tem medo e passa por dentro dos caras. Tu tens de ver.
A intuição de Cleber estava certa. Nessa manhã de inverno no Areião da Rótula começava a surgir Douglas Costa. O piá valente e bom de bola que enchia os olhos de todos ao redor do campo era Douglas Costa. Igualava com talento a diferença de quatro anos e alguns quilos a menos em relação aos adversários, quase todos na faixa dos 13 anos. O time dele, orquestrado por seus gambitos e uma habilidade incomum, é claro, ganhou da equipe de Cléber. Perdeu a final. Mas tudo bem. O destino já havia feito sua parte.
Cléber saiu a perguntar aos moradores da Cohab quem era o pai do projeto de craque. Ele estava mais perto do que pensava. Como o treinador do time de Douglas cabulou o campeonato, Douglas levou a gurizada até sua casa, para ajudar a convencer o pai a assumir como interino. Seu Antônio gostava de futebol, dava seus chutinhos na várzea de Sapucaia do Sul no time dos cunhados, esses, segundo ele, os bons de bola a quem o filho deve ter herdado o DNA de craque. Nem foi preciso a gurizada insistir muito para fazer Seu Antônio gastar na beira do campo a folga na indústria em que trabalhava como mecânico. Sua primeira medida, é claro, foi colocar Douglinhas, como chama o filho, de titular. Os outros guris, mais velhos, olharam desconfiados. Mas tiveram de aceitar a decisão. Afinal, o treinador interino estava ali de favor.
Douglinhas fechou o sábado como craque e goleador do torneio. Já durante o campeonato virou o xodó da torcida. Quem chegava mais forte nele logo ouvia uma reprimenda ou um alerta dos torcedores que faziam uma cerca humana ao redor do campo. E ameaça na Cohab Blocos é algo a ser levado a sério. Ainda mais quando se envolve um filho da comunidade. O bairro é formado, como sugere o nome, por um conjunto de dezenas de prédios de quatro andares, com as escadas visíveis do lado externo. Foi inaugurado em 1984, financiado pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), para ser endereço dos operários que colocam em funcionamento as indústrias de calçados e de siderurgia da região. Logo virou bolsão e um lugar de pouca conversa e muita ação na hora de resolver diferenças. Ação até demais.
A tarde daquele sábado de inverno caiu, e cada um tomou o caminho de seu bloco ou do barzinho vizinho ao campo. Douglas e Seu Antônio preparavam para rumar ao 24B, o endereço do apartamento de três dormitórios que abrigava a família de quatro filhos quando foram abordados por Cléber.
– Meu pai tem uma escolinha, a Lance. O senhor pode levar o seu filho lá na terça-feira?
A resposta, é claro, foi positiva. Mas havia um obstáculo, a mensalidade de R$ 25 – além das passagens. Na terça-feira, no horário combinado, lá estavam Douglas e a mãe, Dona Marlene. Ela havia ajeitado a agenda de faxinas nas casas de classe média alta em Porto Alegre para realizar o sonho do filho, o segundo entre quatro (há ainda Anderson, hoje com 32, Amanda, 22, e Vitória, 21). Douglinhas mostrou-se tímido no ambiente novo. Mas Biba percebeu a joia que estava por trás daquele menino de olhar desconfiado e escassas palavras. A conversa foi rápida com a mãe foi rápida:
– Não precisa pagar nada, é só trazer o menino.
Douglas era assíduo e pontual. Nunca faltava e cumpria qualquer determinação. Também seguia à risca o acordo feito em casa: só jogaria se as notas na escola estivessem azuis como a camisa do seu Grêmio. Poucos meses depois, Douglas estreou em seu primeiro campeonato. A Lance não seguia conceitos competitivos, apenas de formação. Mas disputava o Encosta da Serra, com times de Ivoti, Estância Velha, Portão e outras cidades da região. Em seu primeiro jogo, chutou a bola e viu sua chuteira rasgar. Criou-se ali um problema. Ele era o craque do time, e a família não tinha recursos para comprar uma nova. Rapidamente, os outros pais se cotizaram, um deles foi à loja de esportes mais próxima e voltou com um par reluzente, colorido. De chuteira nova, Douglas foi o destaque, goleador e revelação do campeonato.
Foram três anos na Lance. Até que Biba percebeu que sua escola havia ficado pequena para seu diamante. Levou-o ao Grêmio em 2001. Era a época da ISL, em que dinheiro jorrava no caixa do clube. O responsável pela categoria sub-12 na época gostou do guri. Queria ficar com ele, mas alegou falta de recursos para bancar as passagens entre Sapucaia do Sul e o Olímpico. Biba pegou Douglas pelo braço e o entregou no Novo Hamburgo em 20002.
Em janeiro de 2003, o Novo Hamburgo enfrentou o Grêmio em um torneio em Flores da Cunha. Douglas barbarizou. Um dos dirigentes que assistia à partida reconheceu-o como o guri indicado por Biba meses antes. Percebeu o tamanho do erro cometido por aquela sovinice. Semanas depois, Douglas estava no Grêmio. Aos 13 anos, tomava o caminho do sucesso. Dois anos antes do prazo dado pelo pai numa conversa franca entre eles.
– Se chegar aos 15 e não tiver surgido nada no futebol, tu vais largar a bola e iniciar um curso profissionalizante no Senai – havia avisado Seu Antônio.
Aos 15 anos, o Senai de Douglas já era a seleção brasileira sub-17. Com 17, havia estrado na sub-20. Com 18, estreado como profissional do Grêmio com um gol no Botafogo, diante de um Olímpico lotado. Embora fosse mais descontraído em casa, ele era de econômicas e certeiras palavras. Por isso, congelou a espinha do Seu Antônio ao chegar de um treino no final de 2009 e avisar de supetão:
– Pai, vou para a Ucrânia.
Em janeiro de 2010, por 6 milhões de euros (R$ 14,5 milhões na cotação do dia), Douglas embarcou para a distante e gélida Ucrânia. Nos primeiros meses, Seu Antônio e Dona Marlene ficaram com ele. A adaptação no Shakhtar Donetsk levou pouco tempo. Douglas manteve no leste europeu a mesma determinação dos tempos de guri. Sabia que era uma escala para um clube de ponta da Europa. Em 2015, o Bayern de Munique atendeu ao pedido de Guardiola e pagou 30 milhões de euros (R$ 103,5 milhões) pelo meia. No último dia 7, a Juventus exerceu o direito de compra e pagou 46 milhões de euros ao Bayern. O guri do Areião da Rótula se transformou na maior venda já feita pelo gigante clube alemão. E isso nem mesmo o olho clínico de Cléber naquela sábado do inverno de 2000 podia imaginar.
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