Alisson sempre foi um cidadão do mundo. Desde guri. Tudo bem que, na infância, era do Mundo Novo, um loteamento com 1.368 apartamentos no bairro Canudos, o mais populoso de Novo Hamburgo. Mas aquele conglomerado de blocos bastava para ele. Principalmente, porque ali havia um campo de futebol no lado de fora das grades do condomínio e uma quadra de areia no lado de dentro. Foi nessa última, principalmente, que o Brasil começou a ganhar um goleiro para a Copa da Rússia.
Alisson morou no Mundo Novo até os 10 anos. Pode-se dizer que foi uma década bem vivida. Protegidos pelas grades do imenso condomínio, ele e o irmão, Muriel, se esbaldavam no campinho de areia com dimensões de quadra de futsal e piso de areia grossa, de obra. Mas isso era detalhe. A única condição imposta pela mãe, Magali, era de que avisassem quando descessem do apartamento do bloco 65 para brincar. E que voltassem na hora combinada – que nunca era cumprida e vinha sucedida pelo sedutor pedido para permitisse "só mais uns minutinhos".
– Eles estudavam de manhã, Depois de fazer os temas, podiam ir para o campinho. Muita briga eu tive para fazê-los voltar para casa – diverte-se Magali.
Eles deixavam o campinho, mas não a bola. O futebol seguia, mesmo dentro do apartamento. Para desespero da vizinha de baixo. Numa ocasião, Magali teve de dar uma saída rápida e deixou a dupla sozinha em casa. Quando voltou, a III Guerra Mundial estava prestes a estourar. Alisson e Muriel correram e pularam tanto atrás da bola na sala de casa que fizeram despencar o lustre da vizinha em cima da mesa da sala.
Os vizinhos dos outros blocos também padeciam com o futebol da gurizada. Um deles, mais idoso, implicava. Vetava o gramado diante de sua janela. As mães do condomínio saíam em defesa dos pequenos. Vera Lúcia Raubert mora há 30 anos no Mundo Novo e se lembra como se fosse hoje dos "guris da Magali". Ao vizinho idoso que implicava, ela vaticinava:
– Quando um deles chegar à Seleção Brasileira, o senhor vai pedir autógrafo e não vai ganhar!
É impossível contar qualquer história de Alisson sem mencionar Muriel. Os dois eram inseparáveis. Muito pelo fato de Alisson ignorar a diferença de cinco anos em relação ao irmão mais velho. Muriel sempre foi goleiro. Isso lhe garantia vaga nos jogos na quadra do Mundo Novo. Mesmo entre os mais velhos. Difícil era fazer Alisson entender que, aos oito, nove anos, não havia espaço em um jogo de guris de 14, 15. Mas ele insistia, rondava, reclamava e, com frequência, levava alguns cascudos dos mais velhos para que parasse de incomodar.
Mas foi por essa insistência que Alisson garantiu um lugar na escolinha do Inter. Em 2000, o então vice-presidente Eduardo Lacher chegou a Imbé e ficou impressionado com as defesas acrobáticas do neto do vizinho em um Gre-Nal de adultos na praia. Procurou saber quem era o pai. Quando seu José Becker se apresentou de camisa do Inter, sentiu-se seguro. Mas Muriel, com 13 anos, já atuava pelo Grêmio e levá-lo ao Beira-Rio dependia de uma conversa mais alongada.
Lacher voltou da praia e incumbiu o diretor da base Mário Cassel da missão de convencer a família a trocar o filho de clube. Cassel marcou uma reunião na casa dos Becker no apartamento do Mundo Novo. Mas não foi sozinho. Levou a tiracolo Osmar Loss, na época técnico do sub-13 do Inter. Os dois se acomodaram no sofá da sala exígua do apartamento e começaram o trabalho de convencimento com o pai de Muriel. Mas a todo o instante eram interrompidos pelo caçula, na época com oito anos.
– Eu também jogo – avisou Alisson.
– Ah, é? Vou te encaminhar para a Escola Rubra. Mas só temos categoria a partir dos nove anos – desconversou Cassel.
– Mas olha, eu jogo bem – insistiu Alisson.
Cassel não levou a sério. Até porque o biotipo do caçula não recomendava. Alisson era bem gordinho, não dava o mínimo indício de que, no futuro, sairia dali um jogador. O sobrepeso era uma preocupação da mãe. Tanto que ela vigiava de cima a geladeira. Se Muriel precisava tomar vitaminas para ficar um pouco mais robusto, Alisson traçava o que via pela frente.
Em março de 2000, Muriel voltou das férias direto para o Beira-Rio. O Inter, além de ser o time do coração dele e da família, ajudaria com as passagens e com o material de treino. O que significava um alento no orçamento da casa, bancada pelo salário do pai, operário na indústria calçadista. A contratação de Muriel estava sacramentada. Mas e o caçula? O que fariam com ele?
A saída foi encaixar Alisson na escolinha de futsal. Começou como jogador de linha. Mas o sobrepeso e a habilidade duvidosa logo o empurraram para o gol. Não demorou a mostrar virtudes e no ano seguinte estava no campo. Em 2003, no Inter, Muriel já era apontado como promessa nos juvenis. E todos os comentários dos dirigentes e preparadores de goleiros acabavam com o mesmo alerta:
– Tem também o irmão dele na escolinha.
O Alisson demorou a maturar, e era bem gordinho. Por causa, disso, os pais me procuraram, queriam tirá-lo do futebol. Achavam que não tinha futuro.
DANIEL PAVAN
treinador de goleiros
Só que a maturação de Alisson demorou mais do que o normal. Aos 13 anos, ele seguia rechonchudo e baixinho. No sub-13, essa é a pior das combinações para um goleiro. Basta para o atacante chutar alto e correr para o abraço. Os dias passavam, e Alisson mofava no banco. Por vezes, nem reserva era. A situação afligia Dona Magali e Seu José. Mandar o guri todos os dias de van de Novo Hamburgo até Porto Alegre gerava um custo que impactava nas contas de casa. Na verdade, eles não viam muitas perspectivas no caçula. Um certo dia, esperaram o final de um treino no gramado suplementar do Beira-Rio e abordaram o treinador de goleiros Daniel Pavan. Revelaram a desejo de abortar o projeto de fazer do caçula um jogador de futebol. Muriel, o mais velho, já brilhava nos juniores e iniciava trajetória nas seleções brasileiras de base.
– O Alisson demorou a maturar, e era bem gordinho. Por causa, disso, os pais me procuraram, queriam tirá-lo do futebol. Achavam que não tinha futuro. Naquele momento, os convenci de que era diferenciado tecnicamente e, sim, tinha futuro. Argumentei que a maturação dele não havia chegado ainda – conta Pavan, um pós-graduado em Alisson, a quem treinou dos 13 aos 21 anos.
A profecia do hoje treinador de goleiros do time principal do Inter não demorou a acontecer. Um ano e meio depois, a estatura de Alisson havia batido em 1m90cm. Os quilos a mais haviam desaparecido, embora fosse preciso manter a vigilância e uma dieta mais rígida. Em campo, atropelou os outros goleiros. Suas atuações o levaram à seleção brasileira sub-15. Era o começo da trajetória que o coloca hoje como o camisa 1 do Brasil e um dos melhores goleiros do mundo. Um goleiro que, quem diria, começou a ser forjado no areião do Mundo Novo.
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