Só há um aspecto mais importante do que a longevidade em Veranópolis: a religião. A cidade encravada no coração da colônia italiana na Serra abriga um dos mais importantes centros de formação católico da América Latina. Terra de trabalhadores e tementes a Deus, deve à igreja o sucesso de seu mais ilustre filho. Foi no Campo dos Padres, como é conhecida a área esportiva do seminário local, que Cássio, 31 anos, deu seus primeiros voos como goleiro. Ainda criança, um menino alto e de certa forma desengonçado, desequilibrava os joguinhos infantis impedindo que os amigos fizessem gol.
O campo dos padres era o lugar onde poderia ser encontrado quando não estava no colégio ou na lavagem de carros do tio João Carlos de Ramos, o Kojaque, irmão da mãe de Cássio, Maria de Lourdes. Com a irmã, Taís, e o irmão, Eduardo, o guri dava uma força para a família gelando os dedos na água para limpar os veículos que apareciam por lá.
— Às vezes ele escapava. Chamavam para jogar, ele fazia uma carinha, me convencia e eu deixava. Sabia que ia para o campinho — recorda o tio.
Kojaque também teve história no futebol. Frequentava o Veranópolis em 1993 quando o time precisava de um massagista. "Eu vou", ele garantiu. Sem outras opções, o treinador aceitou. Comandante da Seleção hoje, Tite era um técnico também em busca de espaço naquela época.
A presença no meio do futebol levava Kojaque a frequentar alguns ambientes estranhos para quem não é da bola. Ele recebia convites para torneios e festas no Interior, fazendo coisas, digamos, não muito católicas, como uma apostinha aqui, uma vantagenzinha ali. Sabendo que tinha um goleirão em casa, começou a levar Cássio para disputar campeonatos de pênaltis valendo dinheiro ou outros prêmios mais inusitados.
— Uma vez, ganhamos cinco porcos — lembra Kojaque, às gargalhadas.
Além desses torneios estranhos, Cássio brilhava pelo Renovação, que jogava campeonatos no município e na região. Certa feita, o ex-meia Tonho Gil, que fazia observações pelo Grêmio foi assistir a uns jogos. Kojaque o conhecia e indicou o sobrinho, que acabou sendo aceito e se mudou para Porto Alegre. O começo era difícil, o menino de Veranópolis era o quinto de uma fila que tinha nomes como Marcelo Grohe e Galatto. Pensou em desistir. Ouviu do tio para ter paciência, que a hora chegaria. E da mãe, para ter fé. Em um daqueles papos, prometeu: se Cássio ficasse no Grêmio, ela peregrinaria à Igreja de Santa Rita de Cássia todos os 19 de maio (o dia da santa das causas impossíveis). Até hoje, reserva a data para cumprir a promessa. Religião, para Maria de Lourdes, é coisa séria:
— Antes de cada jogo, recito o salmo 70.
O salmo 70 parece mesmo feito para mães de goleiros: "Quanto a mim, sou pobre e necessitado; apressa-te, ó Deus. Tu és o meu socorro e o meu libertador; Senhor, não te demores!". E mais do que mãe de goleiro, Maria de Lourdes é mãe de goleiro do Corinthians. Só as mães de juízes sofrem mais. Se nem no campo dos padres nasce grama na área pequena, o que dirá em Itaquera?
Mas Cássio segue firme. Desde que chegou ao clube mais popular de São Paulo, tudo mudou. Para ele e para o bando de loucos. No primeiro ano de Timão, após quatro temporadas no PSV, da Holanda, assumiu a titularidade e foi um dos protagonistas da maior conquista, a Libertadores de 2012. O mesmo Tite que havia lançado seu tio como massagista agora apostava no guri de Veranópolis para o gol. O título da Libertadores lhe permitiu disputar o Mundial e ter uma das maiores atuações da história do torneio da Fifa. No 1 a 0 sobre o Chelsea, Guerrero fez o gol, mas Cássio foi o melhor em campo. Ganhou um carro como prêmio, e doou para a caridade.
Prática cristã que arqueiro evangélico repete em Veranópolis no mínimo uma vez por ano. Chama uns amigos para bater bola e doar cachês e bilheteria para as mais variadas instituições. Além da família materna, Cássio também tem um filho na cidade, o pequeno Felipe, quatro anos. Ainda que não more com o menino, é bastante apegado. O gurizinho estava em São Paulo, na casa onde o goleiro mora com a mulher, Janara Sackl, e a filhinha Maria Luíza, nascida há quatro meses, quando Tite, mais uma vez, chamou o nome do goleiro na lista para a Copa.
— Nem ouvimos os outros. Quando ele falou "Cássio", corremos, gritamos, soltamos foguete, estouramos balões. Uma baita festa — celebra Maria de Lourdes, que, agora, arruma as malas para se juntar ao filho na Rússia.
A permanência lá dependerá do desempenho brasileiro. Quanto mais o time avançar, mais tempo ela permanece na Europa.
Com a permissão da fé da mãe, alteramos o salmo 70: "Senhor, te demores".
Clique na imagem abaixo para saber tudo sobre o confronto entre Brasil e Suíça: