O professor Sergius Gonzaga encerra com Manuelzão e Miguilim (Campo Geral e Uma História de Amor), de João Guimarães Rosa, a série de comentários sobre as leituras obrigatórias.
Importância
As duas novelas exigidas no vestibular - Campo Geral e Uma Estória de Amor (Festa de Manuelzão) - condensam admiravelmente o que há de melhor no mundo narrativo de João Guimarães Rosa, ou seja:
a) registro do sertão mineiro tanto no plano do espaço físico quanto no dos costumes patriarcais
b) linguagem inovadora, resultante de uma síntese entre o idioma arcaico dos sertanejos e a criação de neologismos
c) tramas centradas em relações familiares e de parentesco, definidas por sua intensa dramaticidade
d) problematização contínua da existência
O que observar
1) Nas duas novelas, o processo narrativo ocorre em terceira pessoa. Em ambas, porém, a perspectiva do narrador não ultrapassa a visão dos protagonistas. Esse limite faz com que em Campo Geral o ponto de vista seja o de um menino de oito anos, Miguilim; e em Uma Estória de Amor, o ângulo de visão seja o de Manuelzão, um vaqueiro e administrador de fazenda de 60 anos.
2) A realidade para Miguilim é extremamente áspera. Míope, o menino vê o mundo como um palco de tensões e de angústia permanente. É frágil, está submetido a um pai autoritário e brutal, Nhô Berno, tem uma mãe adúltera, Nhanina, alvo da paixão do marido, do cunhado, Tio Terêz, e do vaqueiro, Luisaltino. A morte do irmão, Dito, que ele adorava, por causa de um simples ferimento no pé, leva-o a um sentimento lutuoso, alicerçado na memória melancólica das palavras e das imagens do irmão morto.
3) Igualmente para o velho Manuelzão, a vida apresenta-se como um cenário desolador. Dirige uma fazenda que não lhe pertence, considera o filho um inepto para substituí-lo, tem o coração seco para o afeto. A própria festa que organiza para inaugurar uma capelinha não o empolga.
4) Extraordinária em ambas as novelas é a celebração do contar de histórias. Miguilim consola o irmão Dito imaginando narrativas que o distraem e aliviam sua dor. Manuelzão reaprende o gosto do viver ouvindo os relatos fantásticos de Joana Xaviel e de Velho Camilo, narradores da tradição oral. (É importante relembrar que Blau Nunes, em Contos Gauchescos, é um desses tipos de imaginação criativa e que traduz nos contos a tradição popular).
Não esqueça
Nas duas novelas, a resposta ao sofrimento dos protagonistas é uma nova postura frente à existência. Ambos sofrem o efeito positivo da aprendizagem pela qual passaram. Uma profunda alegria de viver toma conta de Miguilim e de Manuelzão. O menino, evocando as palavras de seu irmão, Dito, e pondo uns óculos que lhe permitem enxergar as pessoas e os cenários sem a ótica deformante da miopia. E Manuelzão, a partir das histórias que ouve de Joana Xaviel e de Velho Camilo, reencontra-se consigo mesmo, altera a visão sobre seu filho Adelço e usufrui a alegria do mundo (a fazenda, o filho) que ajudou a criar.