Em aparência tão somente a crônica de uma família da burguesia carioca, mesclada com o registro de fatos históricos significativos da história brasileira da época (Abolição, República), o romance Esaú e Jacó ultrapassa este realismo trivial e converte o drama dos irmãos que se odeiam em alegoria (realidade simbólica). Uma alegoria baseada na mitologia religiosa e na percepção machadiana de que as paixões humanas são irracionais e avassaladoras, sobrepondo-se ao intelecto e ao equilíbrio interior.
O que observar
1) Preste atenção à intrincada questão do narrador. Na advertência do livro, alguém (Machado?, o narrador?) adverte que o texto em questão era um caderno manuscrito, com o título de Último, encontrado junto a outros seis cadernos enumerados de I a VI, na casa do falecido conselheiro Aires.
O sétimo (Último) constitui a matéria de Esaú e Jacó. Só que Aires também é personagem do texto, ficando no ar a ideia de que haveria um narrador independente, com acesso a este diário. O narrador partilharia dos pontos de vista ali expostos por Aires, como se os dois fossem um só.
2) Lembre que o conflito permanente entre os gêmeos, Pedro e Paulo, que já brigavam no ventre da mãe, Natividade, talvez represente a guerra surda dos seres humanos, o choque das ambições e a intensidade brutal das paixões e dos atos individuais. Esta oposição entre os gêmeos materializa-se no fato de Pedro tornar-se médico e Paulo, advogado; Pedro monarquista e Paulo, republicano, e assim por diante.
3) Objeto do amor dos dois gêmeos, Flora Batista, a protagonista feminina, é uma "inexplicável", na definição do conselheiro Aires. É a síntese personificada da ambiguidade, pois não os encoraja nem os rejeita, e tem estranhos delírios nos quais as figuras dos dois irmãos se fundem.
Ela deveria escolher um deles para se casar, mas gosta de ambos e não se decide, acabando por adoecer. A doença progride e ela morre. Morre de indecisão, diz o crítico Augusto Meyer.
Última dica
Não deixe de reler os capítulos 62 e 63 do romance, são os mais famosos do livro. Neles, Custódio tenta obter o auxílio de Aires para decidir o que colocar na tabuleta nova de sua confeitaria, até então chamada Confeitaria do Império, pois a República recém fora promulgada. Os argumentos do confeiteiro são hilariantes porque mostram a absoluta subordinação da ideologia e das questões políticas ao interesse pessoal, aliás um dos motivos centrais da obra de Machado de Assis.